domingo, 24 de fevereiro de 2013

Dilema das empresas francesas: que idioma aprender -- português, chinês, russo ou árabe -- para instalar-se no exterior?

[É sempre interessante conhecer a visão, não raro simplória, que os estrangeiros têm sobre outros países, inclusive e principalmente o Brasil. O texto que traduzi abaixo, publicado no Le Figaro em 04/2/13, é da autoria de Kelformation - Agnès Wojciechowicz. Embora voltado para os franceses, o texto se aplica em tese a qualquer país cujas empresas queiram estabelecer-se nos países "da moda". O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Com a crise, há inúmeras empresas francesas se estabelecendo no exterior. As instituições de formação já se deram conta disso e oferecem cursos de português, chinês, russo e árabe. A seguir, as questões sobre as línguas da moda e as razões para escolhê-las.






CHINÊS

Cerca de 850 empresas francesas estão hoje instaladas na China. O Império do Meio tornou-se um maná para as empresas francesas que ali investem há 20 anos. Aeronáutica, transportes, equipamentos industriais, construção, agronegócio, bancos, química, farmacêutica ... A fina flor da indústria francesa está ali bem estabelecida. Para trabalhar em uma dessas filiais é preciso saber a língua chinesa, porque os chineses dominam pouco o inglês segundo um estudo publicado pelo Education First, um organismo de instrução internacional.

Ainda que o chinês permaneça difícil com seus 50.000 sinogramas, é preciso eliminar certas ideias preconcebidas. "A gramática é muito simples, porque não há declinação nem conjugação", observa Mariarosaria Gianninoto, professora-assistente de estudos chineses na Universidade de Grenoble 3. "A parte oral é facilitada porque se usa o "pinyin", isto é, a escrita do chinês com alfabeto latino", completa Michaela Karp, responsável por línguas no Demos [uma "usina de ideias" (think tank) americana fundada em 2000]. Para adquirir desembaraço na conversação é necessário, no entanto, contar com 100 a 120 horas de curso e outro tanto de trabalho individual.

ÁRABE

Dubai, Abu Dhabi, Qatar, Bahrein, Emirados Árabes Unidos ... Além de seus recursos naturais, os países do Golfo Pérsico exercem uma forte atração sobre os grupos franceses que vêem ali a oportunidade de vender seu know-how. Construção, defesa e aeronáutica, infraestrutura, petroquímica, petróleo e gás, meio ambiente são os setores econômicos franceses mais atuantes nessa região do globo.

Ainda que os empresários da região dominem bem o inglês, o domínio do árabe pode facilitar a concusão de um contrato ou a obtenção de um pedido de quotação. É verdade que "para quem nunca teve noções da língua, que funciona diferentemente da nossa", reconhece Michaela Karp [é bom lembrar que o texto se refere ao francês]. Embora o alfabeto não tenha mais que 28 letras, as dificuldades começam com a leitura da direita para a esquerda, o número reduzido de vogais, a pronúncia de sons guturais ... "As letras mudam em função de sua posição em uma palavra", acrescenta ela. Para dominar o básico da língua, é preciso prever um mínimo de 150 a 200 horas de curso para um iniciante.

PORTUGUÊS

Mais e mais franceses se interessam pelo Brasil. Embora a beleza de suas praias seja um atrativo, é o desenvolvimento econômico do país que os torna sonhadores. "Nestes últimos anos, houve uma retomada do interesse pelo português, ligado ao Brasil", confirma Mariarosaria Gianninoto. Em 20 anos, o país tornou-se um gigante da economia mundial com um crescimento de 4,5%. Cerca de 450 empresas francesas atuam no Brasil, gerando 400.000 empregos nas áreas de aeronáutica, automobilística, agronegócios, distribuição atacadista, química, turismo, transporte. As línguas estrangeiras como o inglês e mesmo o francês são reservadas à elite e, por isso, são de pouco domínio pela população em geral. O português é portanto indispensável para os entendimentos com dirigentes de pequenas e médias empresas do Rio Grande do Sul, ou com produtores agrícolas do Mato Grosso, por exemplo.

O português é uma língua mais fácil para principiantes. "É uma língia neolatina como o francês, com raízes linguísticas e estruturas gramaticais comuns, tornando possível portanto fazer-se entender e ser entendido rapidamente", explica Mariarosaria Gianninoto.  A tal ponto, que o aluno "pode iniciar seu aprendizado sozinho, por conta própria", observa Michaela Karp. O domínio do básico do idioma exige cerca de 60 horas de curso.

RUSSO

Os franceses não esperaram pela crise para investir na Rússia. A instalação de grupos franceses no país remonta à Glasnot ["transparência" em russo -- política implantada no governo de Mikhail Gorbachev  (1985-1991), que terminou com a queda da União Soviética], e prosseguiu com o fim da era soviética e a abertura do país para o ocidente. Todos os grandes setores econômicos franceses estão ali instalados. Mas, o tempo em que o francês era a língua oficial da corte russa foi lindo e já passou. Doravante, seja no caso de uma expatriação ou de uma cooperação, um conhecimento básico de russo se faz necessário.

A primeira dificuldade para quem deseja aprender a língua russa é a necessidade de se aprender o alfabeto cirílico. Pertencendo ao grupo de línguas indo-europeias como o francês, o russo tem raízes ligadas ao latim -- visíveis sobretudo num sistema de declinações muito complexo. "Não se trata de uma língua muito confusa", assegura Michaela Karp. "E quem estudou latim não deverá ter muita didiculdade com ela". Para aprender os rudimentos da língua, é melhor prever entre 80 e 100 horas de curso e outro tanto de trabalho individual.

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[Um aprendizado de língua estrangeira correto e bem feito é um excelente meio para se conhecer e utilizar melhor a própria língua, porque a comparação entre os dois idiomas é automática e intuitiva. Por oportuno, traduzo aqui as primeiras linhas do primeiro capítulo do livro "A History of the English Language", Albert C. Baugh e Thomas Cable, 4ª edição, Routledge (London), 1997 -- uma obra interessantíssima e extremamente útil para quem estiver interessado na língua inglesa. 

Embora dirigido para o inglês, o texto se aplica a qualquer idioma: "Como observou o notável historiador do século 12 Henrique de Huntington, o interesse pelo passado é uma das características que distinguem os humanos dos animais. O meio pelo qual os falantes de uma língua comunicam suas ideias e seus sentimentos para outros, a ferramenta com a qual realizam seus negócios ou governam milhões de pessoas, o veículo com o qual se transmitiu a ciência, a filosofia, a poesia de uma cultura é sem dúvida digno de estudo.  Não se espera que todos sejam filólogos, ou dominem as tecnicidades da ciência linguística. Mas, é razoável esperar que uma pessoa educada de maneira liberal deva conhecer algo da estrutura de sua língua, sua posição no mundo em relação a outros idiomas, a riqueza de seu vocabulário juntamente com as fontes através das quais esse vocabulário foi e tem sido enriquecido, e as relações complexas entre as muitas diferentes variedades de expressão agrupadas sob o nome único de língua inglesa".] 


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