quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Renúncia de Bento XVI evidencia clima de "guerra civil" no Vaticano

[Com o anúncio da renúncia do Papa, abriram-se de vez as comportas que represavam as críticas e discordâncias em relação a Bento XVI.]

O dia seguinte ao anúncio da renúncia de Bento 16 evidenciou ainda mais o ambiente de guerra civil no Vaticano que boa parte dos especialistas aponta como a razão de fundo para a sua decisão, muito mais que o peso da idade.

O melhor resumo está no editorial de capa do sóbrio "Corriere della Sera", assinado por ninguém menos que seu diretor, Ferruccio de Bortoli. Diz que o ato do papa "foi certamente encorajado pela insensibilidade de uma cúria que, em vez de confortá-lo e apoiá-lo, apareceu, por diversos de seus expoentes, mais empenhada em jogos de poder e lutas fratricidas".  Reforça Massimo Franco, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres, autor do premiado "Era uma Vez um Vaticano": a renúncia do papa seria, para ele, "o sintoma extremo, final, irrevogável, da crise de um sistema de governo e de uma forma de papado".

Bento 16 é apontado como um dos culpados por essa crise de sistema de governo até por quem, como o vaticanista Luigi Accattoli, elogia aspectos de seu papado: "Bento 16 iniciou uma grande obra de limpeza em matéria de escândalos sexuais e de finanças vaticanas, mas não conseguiu restabelecer a boa ordem na Cúria" (o órgão administrativo da Santa Sé, que coordena e organiza o funcionamento da Igreja Católica).

A pergunta seguinte inescapável é esta: a renúncia será suficiente para pôr fim ao que Bortoli chamou de "lutas fratricidas" ou, ao contrário, servirá para acentuá-las de forma que o lado vencedor imponha seu preferido para ocupar o trono de Pedro?  Paolo Griseri se atreve a responder, em texto para "La Repubblica", escolhendo a segunda hipótese: "O que esteve dividido durante o pontificado de Bento 16 permanecerá dividido no conclave e nos dias que o precederão".

O mais paradoxal na guerra civil no Vaticano é que ela não se dá mais entre os chamados "progressistas" e os "conservadores". Estes venceram e reduziram o outro lado à impotência e/ou ao silêncio, para o que Joseph Ratzinger foi essencial, em seu longo período à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, antiga Inquisição. Os contornos do novo conflito são mais embaçados, até porque a Igreja Católica está impregnada de uma cultura do segredo. Mas parece tratar-se de uma disputa entre o velho e o novo.  [Ver postagem anterior.

Um pouco nessa linha seguiu Juan Arias, o correspondente de "El País" no Brasil e que, em seu longo período no Vaticano, tornou-se um dos mais respeitados analistas da igreja no mundo.  Arias minimiza a importância da discussão sobre se seria melhor "um papa latino-americano, africano, asiático ou de novo europeu e, mais concretamente, italiano".  Para ele, "importante é que o sucessor de Bento 16 seja capaz de entender que o mundo está mudando rapidamente e que de nada servirá à igreja continuar levantando muros para impedir que lhe cheguem os gritos de mudança que provêm de boa parte da própria cristandade".

É curioso que Arias, um leigo progressista, coincida com o próprio papa, notório conservador, que, no texto em que anunciou a renúncia, atribuiu-a à falta de forças para "o mundo de hoje, sujeito a mudanças rápidas e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé". É razoável supor que o papa estivesse se referindo a temas como a necessária limpeza dos pecados que a igreja acobertou (os padres pedófilos), o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o celibato dos padres, o papel da mulher na vida da igreja.

Resta saber se um colégio cardinalício feito à imagem e semelhança de Ratzinger tem, entre seus membros, número suficiente de purpurados abertos ao mundo capazes de conduzir um dos seus ao trono de Pedro. 

2 comentários:

  1. Amigo VASCO:
    Acho que esse episódio não pode ser analisado pontualmente.
    Há que se fazer um retrospecto histórico da própria religião católica,
    principalmente nos pouco mais de 2000 anos de sua existência.
    Sempre que se trata de falar de religião, vem à minha mente meus conceitos. Eu só identifico TRÊS religiões no mundo atual, e isso vem de muito tempo, a saber: a JUDAICA, a CATÓLICA e a ISLÂMICA. Todas as outras correntes são consideradas, por mim, como DOUTRINAS RELIGIOSAS, como o BUDISMO, o BRAMANISMO e o TAOISMO (além de outras).
    A CATÓLICA é a que mas vendo sofrendo ataques em função da evolução científica/tecnológica/cultural da Humanidade.
    As duas outras possuem REGRAS RESTRITIVAS que limitam muito as ações decorrentes dessa evolução.
    Por otro lado, é inegável o avanço da doutrinas evangélicas que, sem bases sólidas de conversão dos fiéis, se limitam a frases de efeito que agradam aos ouvintes e praticantes. Aqui no Brasil, essa doutrina vem arrebanhado um volume surpreendente de 'antigos" católicos, pois não precisam pensar nos fundamentos da religião, só ouvir 'e contribuir' para os "pastores", esses cada vez mais ricos.
    Uma análise mais profunda daria um livro. Que tal escrevê-lo?

    Abraços - LEVY

    P.S.: sugiro a leitura de um livro, fora de catálogo, mas encontrável nos sebos: O DOGMA DE CRISTO - ERICH FROMM

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  2. Amigo VASCO:
    Acho que o comentário que enviei anteriormente, merece um adendo.
    Tomando as outras religões, a judaica mantem sua identidade e coerência através da formação de famílias intra-religiosas. Isso mantém a tradição, e a força da própria religião. O resultado pode ser visto no Estado de Israel.
    Uma famíla com um dos cônjuges fora da religião não leva à continuidade da comunidade.
    O proceso islâmico é mas complicado. Como parece haver (não sei) uma 'orientação' para um 'domínio' da cultura islâmica, mesmo com o sacrificio dos 'infiéis', fica dificil fazer uma análise, mesmo que superficial, de seus propositos.

    No cômputo geral, a religião católica é a mais fraca e a menos preparada para as mudanças que veremos no muno nos próximos decênis.

    Abraços- LEVY

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