As obras de ferrovias da Valec, que já acumulam um grau de execução
sofrível,
estão prestes a encarar uma situação ainda pior. Dessa vez, a
paralisia total que atinge a estatal federal responsável pela construção
de dois grandes projetos de ferrovias do país é resultado de uma
realidade dramática: os trilhos da Valec simplesmente acabaram. Não há, neste momento, uma barra de aço sequer disponível em estoque
para fixar sobre os dormentes. Para complicar de vez o cenário, as duas
licitações que a Valec acaba de realizar para compra de milhares de
toneladas de trilhos foram suspensas, sem previsão de retomada.
[A Valec é mais um exemplo requintado de como o Estado é péssimo em planejamento, projeto, execução e gestão em setores chaves da economia -- e é esse mesmo Estado que a afável Dona Dilma quer nos empurrar goela adentro. Só por falhas de fiscalização da Valec (junto com o famigerado DNIT) em 17 contratos, o MT - Ministério dos Transportes estimava em 2011 um prejuízo de R$ 682 milhões. Ferrovia é infraestrutura, e infraestrutura é PAC, e PAC é Dona Dilma em corpo e alma. Conclusão óbvia: que gestora é, afinal, essa senhora?!]
A Valec está à frente da construção de um trecho de 600 km da Ferrovia
Norte-Sul, que ligará as cidades de Ouro Verde (GO) e Estrela D'Oeste,
em São Paulo. Além disso, tem a missão de construir mil km da Ferrovia
de Integração Oeste-Leste (Fiol), entre os municípios de Ilhéus, no
litoral baiano, e Barreiras, no sertão do Estado. Atualmente, os poucos
metros de trilhos que a estatal ainda possui estão sendo instalados em
pátios logísticos na região de Anápolis, no Estado de Goiás. E só. A situação crítica foi confirmada ao
Valor pelo
presidente da Valec, Josias Sampaio Cavalcante, que assumiu o comando da
empresa no fim do ano passado. "Realmente estamos em uma sinuca de
bico. Precisamos resolver isso o mais rápido possível. Sem trilho, não
tem obra. É um momento difícil."
Apesar de todo o movimento provocado no setor ferroviário pelo governo,
que promete conceder 10 mil de quilômetros de malhas novas neste ano, o
Brasil não tem nenhuma fábrica de trilhos. Apesar de ser o maior
exportador de minério de ferro do planeta, passa pelo constrangimento de
ter que importar 100% desse material. A raiz dos problemas enfrentados
pela Valec está nos editais que elaborou para buscar os trilhos fora do
país. [Parece piada de português, mas não é -- é uma vergonha de fazer corar as pedras do caminho. É outra demonstração do péssimo planejador que é o Estado que, num país com as nossas dimensões, privilegia burramente as rodovias, abandona as ferrovias (e as vias fluviais e de cabotagem) e deixa o país sem fabricar um centímetro sequer de trilhos! Esse PAC ... Isso parece mais um Plano para Abandalhar o Crescimento.]
Em janeiro, a Valec realizou uma licitação internacional para compra de
95,4 mil toneladas de trilhos para a Norte-Sul. Um único consórcio -
formado pela empresa brasileira PNG Brasil Produtos Siderúrgicos e a
chinesa Pangang Group - apresentou proposta, vencendo o leilão com a
oferta de R$ 320 milhões. O Tribunal de Contas da União (TCU), no
entanto, emitiu uma medida cautelar, que suspendeu a licitação. Para o
tribunal, há indícios de que o edital restringiu a competição de demais
empresas, entre outros problemas técnicos. Tanto a Valec quanto a PNG
apresentaram explicações ao tribunal, mas a liminar acabou mantida, para
que as avaliações sejam aprofundadas.
A decisão do TCU acabou se refletindo na segunda licitação que a Valec
fez na semana passada. O objetivo era comprar 147 mil toneladas de
trilhos para serem instalados na Fiol. O pregão da ferrovia baiana foi
realizado e a proposta vencedora foi de R$ 477,2 milhões. Novamente,
porém, apenas a PNG e a Pangang apareceram para disputar a licitação.
Como o edital era praticamente o mesmo daquele utilizado na Norte-Sul, a
Valec decidiu, por conta própria, suspender essa segunda compra, até
que o mérito do processo seja julgado pelo TCU. "Temos a humildade de reconhecer quando erramos. Estamos dispostos a
alterar o que for preciso para levar as concorrências adiante. Vamos
defender nosso ponto de vista sobre os editais, mas não temos
compromissos com o erro", disse Cavalcanti. "Se o TCU entende que o
edital restringiu a competitividade, eu mudo o edital. Se ele entende
que eu não posso contratar com tal empresa, nós cancelamos a licitação e
realizamos outra. O que não posso é ficar sem os trilhos", afirmou o
presidente da Valec.
Uma série de reuniões com empreiteiras foi realizada no mês passado pelo
ministro dos Transportes, Paulo Passos, ao lado de Cavalcanti. O
governo selou um "pacto" com as construtoras que executam as obras da
Norte-Sul e da Fiol. As construtoras garantiram, na ocasião, que fariam
esforço redobrado para retomar o cronograma das duas ferrovias, as quais
já acumulam anos de atraso. Agora, o pedido deve ser exatamente o
inverso: retardem as operações, porque os trilhos sumiram.
Cavalcanti diz que, no momento, já há quilômetros de dormentes de
concreto que já foram lançados no traçado das ferrovias, mas não há
barras de aço para pôr em cima deles. "Temos que parar com isso. Não faz
sentido sair lançando mais dormente", diz. O presidente da Valec admite
que a empresa já está revendo o texto do edital. Se as compras dos
trilhos não estivessem suspensas, a Valec receberia as barras de aço só
daqui a três meses, o que já comprometeria o cronograma. Agora, na possibilidade mais otimista - que significa a deliberação
imediata do caso pelo TCU e a realização de novas licitações - os
trilhos só chegariam no fim do ano. Isso, claro, se a empresa que venceu
as duas propostas não decidir recorrer à Justiça.
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