Depois da confusão criada no mercado com as especulações sobre a
destinação da faixa de 700 megahertz (MHz) para uso de serviços móveis
de quarta geração, o
governo finalmente começou a abrir o jogo e colocar as cartas na mesa, com a publicação, ontem, da portaria ministerial que
determina à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que adote os
procedimentos para licitar a frequência para as empresas de celular.
Nos últimos meses, o governo lançou balões de ensaio e testou a
resistência de operadoras de telecomunicações e radiodifusores, que são
partes de um tripé, para ver até que ponto cada um poderia ceder sem que
um pé ficasse menor que o outro. Disseminou ideias de financiamento da
digitalização dos canais pelas teles, como contrapartida para que
tivessem a banda liberada para 4G, e pressionou as empresas para que
tenham essa rede pronta para a internet móvel da alta velocidade nos
próximos grandes eventos esportivos, a começar pela Copa das
Confederações, em junho.
Os radiodifusores, que ocupam a faixa de 700 MHz com canais analógicos
da TV aberta, parecem ter ficado no papel do inquilino procurado pelo
proprietário, no caso o governo, que quer rescindir o contrato e ter o
imóvel desocupado. O 'senhorio' tem planos para uso mais eficiente do
espaço, mas precisa oferecer vantagens para que o 'inquilino' concorde
em sair sem criar muita confusão. A negociação já vem se arrastando há
anos e o prazo para desocupação era 2016, quando toda a digitalização
estaria concluída.
Na onda - clientes trafegam nas faixas das emissoras e dos celulares (clique na imagem para ampliá-la) - (Ilustração: Valor Econômico).
Com pouca oferta e muita demanda por espaço, o governo decidiu encurtar
em cerca de um ano o prazo para desocupação da faixa e antecipar o
apagão da TV analógica. Paralelamente, garantiu a realocação dos canais.
Isso apaziguou os radiodifusores, embora eles tenham enviado ao governo
estudos que demonstram que a liberação da faixa é problemática em
muitos municípios e inviável em outros. Ao desligar o sistema analógico, só funcionará a TV digital. Na última
ponta do tripé está o consumidor, que ganha mais opções de internet
veloz e TV de alta definição. Mas o acesso às inovações dependerá de
celulares 4G e televisores digitais, ou um conversor de sinal para ser
adaptado à televisão analógica.
O governo estima a existência de 40 milhões de aparelhos com a
tecnologia digital em funcionamento nas residências. A base total de
televisores em uso, incluídos os analógicos, é de aproximadamente 106
milhões de unidades. O número é 59% menor que os 261 milhões de
celulares ativados no país. Com população em torno de 194 milhões de
habitantes, a diferença na densidade fica por conta dos hábitos
relativos a esses produtos. A 'limpeza' da faixa de 700 MHz, como é chamada a desocupação da banda,
faz parte do esforço do Ministério das Comunicações para acelerar a
melhoria da qualidade dos serviços de radiodifusão e de voz e internet
no celular. Com mais banda disponível, a ideia é que as teles destinem a
banda larga móvel à rede 4G e liberem a atual, de 3G, para voz. Sem
sobrecarga de tráfego, as duas infraestruturas poderão, em tese,
oferecer mais qualidade ao cliente.
Como todas as novas tecnologias, a 4G inicialmente será mais cara. Quem
quiser navegar até 30 vezes mais rápido em seu dispositivo móvel terá de
desembolsar mais por isso. Com o tempo, o valor do investimento é
amortizado e o preço cai para o consumidor.
A busca por mais espaço já vinha incomodando antes outros 'inquilinos'. É
o caso das operadoras de TV paga que usam o Serviço de Distribuição de
Sinais Multiponto Multicanais, ou MMDS, também conhecida como sistema
sem fio. No MMDS, os sinais são distribuídos por meio de micro-ondas
terrestres, de forma semelhante aos canais da TV aberta. Existem 80 autorizações de MMDS no Brasil não relacionadas a operadoras
móveis, que ocupam um bloco de 120 MHz, avaliado em R$ 500 milhões.
Claro, Telefônica/Vivo e Oi também têm licenças de MMDS, mas espera-se
que o conflito de espectro e tecnologia seja resolvido internamente por
cada uma dessas empresas.
Os serviços de MMDS estão na faixa de 2,5 gigahertz (GHz), a mesma que a
Anatel destinou posteriormente para 4G. A agência foi bater na porta
dessas empresas para pedir que se mudem, pois a banda pede passagem.
Depois de muita polêmica, a agência decidiu promover a negociação direta
entre o grupo de MMDS e as operadoras móveis, com participação da
Neotec, associação que representa as empresas que usam a tecnologia de
micro-ondas. O prazo para a desocupação desse grupo é junho. As reuniões entre os
dois setores continuam, mas nada ainda foi resolvido. Um ponto
importante a ser definido é quanto as teles vão pagar para levar o
'imóvel' sem o inquilino.
A negociação foi iniciada em dezembro entre algumas operadoras de MMDS e
as teles que compraram licença de parte dos 120 MHz. Pequenas empresas,
em sua maioria, com carteiras de 500 a 60 mil assinantes, detêm a posse
dessa banda. O número de assinantes vem caindo ano a ano, passando de
355 mil em 2009 para 142 mil em dezembro de 2012, ou menos de 0,89% da
base de 16 milhões de clientes de TV por assinatura de todas as
tecnologias no país. Um dos receios do setor, segundo Carlos André
Albuquerque, presidente da Neotec, é que os sistemas sejam desligados e
as empresas virem alvo de processos dos clientes que ficarem sem o
serviço.
Com a realocação da faixa, as operadoras de MMDS terão seu bloco
total reduzido de 190 MHz para 50 MHz. Como precisam deixar uma reserva
de banda para que não haja interferência com o serviço celular, o bloco
cai para 40 MHz. Albuquerque calcula que isso seja suficiente para
colocar apenas 60 canais de vídeo, sem pacotes que combinem banda larga e
telefonia, o que inviabilizaria a tecnologia MMDS, disse ele. Mas o
governo não quer deixar ninguém desalojado e existem soluções
alternativas. Como o governo decidiu liberar antes do previsto a faixa de 700 MHz,
Albuquerque disse não entender por que, então, desapropriou o MMDS,
pois, em sua opinião, já não existe escassez de espectro.
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