sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

O futuro da energia passa pelas baterias

[O artigo que traduzo abaixo é da versão impressa da revista The Economist e está acessível também no site virtual da revista.]

Kris Pupek, um químico industrial do Laboratório Nacional de Argonne em Lemont (EUA), perto de Chigago, agita no ar freneticamente um tubo cheio de um pó branco. Uma simples pitada de seu conteúdo é suficiente para seus colegas analíticos avaliarem se esse material tem potencial para ser o próximo salto tecnológico nas pesquisas sobre baterias. Mas, o Dr. Pupek não lida com pitadas. Seu trabalho é descobrir se esse ou qualquer outro potencial pode ser transformado em algo prático -- em outras palavras, se algo que tem as propriedades certas, adequadas, pode ser produzido com baixo custo e em grande quantidade. Se puder, é repassado à indústria para testes. A esperança é que pelo menos um dos tubos dará início a uma revolução.

Baterias são uma tecnologia imensamente importante. A vida moderna seria impossível sem elas. Mas, muitos engenheiros as consideram decepcionantes e acham que poderiam ser ainda melhores. Produza a bateria certa pelo preço certo, e voce poderá tornar supérflua a máquina de combustão interna e dará a partida para um mundo em que combustível grátis, sob a forma de energia eólica e energia solar, será o padrão. Isso, sim, seria uma revolução.

É, no entanto, uma revolução pela qual as pessoas têm esperado há muito tempo. E, quanto mais esperam, mais os céticos se perguntam se ela algum dia será realidade. O Centro Conjunto para Pesquisa sobre Armazenamento de Energia (JCESR, em inglês), no qual o Dr. Pupek e seus colegas trabalham, espera provar que os céticos estão errados. Esse Centro reuniu os melhores cérebros em pesquisas sobre energia dos laboratórios nacionais e das universidades dos EUA, junto com um grupo de empresas interessadas no tema. E a instituição também tem dinheiro -- acaba de receber uma subvenção de US$ 120 milhões do Departamento de Energia dos EUA. Dito resumidamente, seu objetivo é produzir em cinco anos baterias cinco vezes mais poderosas e cinco vezes mais baratas.

Pensar positivo

A maioria das baterias, dos antigos e pesadões monstros de chumbo-ácido usados para dar partida nos carros às minúsculas e esguias baterias de lítio que alimentam desde leitores de e-books a relógios, têm três componentes essenciais: dois eletrodos (um anodo e um cátodo ou catodo) e um meio chamado chamado eletrólito (ou eletrolito) que permite que os íons de carga positiva se desloquem entre os eletrodos, equilibrando o fluxo de eletrons de carga negativa que forma a corrente útil da bateria. A engenhosidade em criar novos tipos de bateria reside em tentar aprimorar os materiais desses três componentes, de modo a fazer as coisas acontecerem de um jeito melhor e mais barato.  O pó branco do Dr. Pupek está entre esses materiais.

Para descobrir mais desses materiais, o Argonne utilizará uma enciclopédia de substâncias  -- que cresce rapidamente -- criada pelo Dr. Gerbrand Ceder, do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Dr.Ceder chefia o Projeto de Materiais, que almeja ser o "Google das propriedades dos materiais". Isso permitirá aos pesquisadores acelerar o modo como buscam por coisas com propriedades específicas. Argonne utilizará o Projeto de Materiais como uma biblioteca de referência na sua busca por melhores eletrodos, e também espera contribuir para ampliar essa referência.

O primeiro teste de qualquer combinação de substâncias originária do Projeto de Materiais, ou de qualquer outro lugar, será derrotar o mais bem sucedido dispositivo de armazenamento de eletricidade que já surgiu nos últimos 20 anos: a bateria de íons de lítio. Ela está por toda parte. Pelo lado da fama, ela alimenta muitos dos carros elétricos ou híbrido-elétricos que começam agora a aparecer nas ruas. Pelo lado negativo, ela tem uma tendência a superaquecer, queimar e incendiar-se.  Dois incêndios recentes a bordo dos novos 787 Dreamliner da Boeing podem ter sido causados por esse tipo de bateria ou por seus sistemas de controle [ver postagem sobre esse tipo de problema com o Boeing 787 Dreamliner].  Aprimorar a bateria de íons de lítio seria uma façanha de orgulhar qualquer laboratório.

George Cabtree, novo diretor recém-nomeado do JCESR, acha que tais melhorias serão necessárias em breve. Ele estima que a maioria dos ganhos em desempenho a serem obtidos com a bateria de íons de lítio já foi alcançada, fazendo com que esse dispositivo já esteja maduro para ser substituído. Jeff Chamberlain, seu vice, é mais otimista com a tecnologia existente. Ele diz que ainda é possível dobrar a quantidade de energia que essa bateria pode armazenar para um determinado peso, e também reduzir seu custo em 30% a 40%.  Isso ilustra a incerteza quanto à possibilidade da tecnologia de íons de lítio, se levada aos seus limites, ser capaz de fazer carros elétricos realmente competitivos, senão melhores, que os veículos movidos por motores de combustão interna. McKinsey, uma consultora empresarial, calcula que esse tipo de bateria pode ser competitivo até cerca de 2020 mas, como o gráfico abaixo mostra, há ainda muito trabalho a ser feito. Além disso, já estão surgindo os pretendentes ao trono da bateria de íons de lítio.



"Carga elevada" -- Competitividade de diferentes tecnologias automotivas nos EUA, baseada no custo total de propriedade (ou posse) -- Preços nos EUA hoje - [Battery only = apenas com bateria; - Plug-in hybrids = alimentação híbrida; -- Internal-combustion engines = motores a combustão interna; - Fuel price per litre = preço do combustível por litro; - Fuel price per gallon = Preço dpo combustível por galão] - (Ilustração: The Economist - clique na imagem para ampliá-la).

A líder [da concorrência] é provavelmente a bateria lítio-ar, na qual o lítio metálico é oxidado no anodo e reduzido no catodo. Na essência, ela usa o oxigênio da atmosfera como eletrolito. Isto reduz seu peso e significa que sua densidade de energia teoricamente é enorme, e isso é importante. Uma restrição para os carros elétricos é que a gasolina concentra seis vezes mais joules de energia por quilo do que uma bateria pode produzir. Reduzir essa relação tornaria os carros elétricos mais atraentes.  A abordagem lítio-ar tem, consequentemente, gerado muita propaganda e promoção. No entanto, ela tem problemas que demandarão anos para serem resolvidos. As baterias lítio-ar são difíceis de recarregar e são extremamente temperamentais.  A reação química que as aciona não está muito afastada da combustão expontânea, o que as torna altamente inflamáveis -- isto exige sistemas de segurança robustos para impedir que peguem fogo.

Felizmente, os pesquisadores do JCESR têm outras balas na agulha. Uma delas é a bateria de íons polivalente. Um átomo de lítio possui apenas um único elétron disponível para reações químicas. Ao contrário, um átomo de magnésio possui dois de tais elétrons e o átomo de alumínio, três. Teoricamente, diz o Dr. Chamberlain, isso significa que seria possível obter duas ou três vezes mais energia de uma bateria de magnésio ou de alumínio, respectivamente. Embora esses metais não sejam tão leves quanto o lítio (nem tão eletropositivos, usando um jargão químico que é pertinente ao argumento), seus elétrons extras de valência aumentam a quantidade de energia que podem armazenar, empurrando-os então para o front na competição com a gasolina (ou diesel). Eles são também mais baratos e mais seguros que o lítio. Seus íons, no entanto, são difíceis de circular dentro de uma bateria, esta sendo a razão para não terem sido muito usados no passado, e é aí que será necessário pesquisar novos materiais.

Além dos carros elétricos, a segunda transformação que baterias melhores podem trazer é no que é conhecido como armazenamento em larga escala (grid-scale storage). Se isso puder ser feito de maneira suficientemente barata, revolucionará a economia das energias eólica e solar, tornando irrelevante o principal problema dessas fontes que é o fato do vento do vento não soprar sempre e do sol não brilhar sempre. Para esse objetivo, os pesquisadores do Argonne estão trabalhando agora no que é conhecido como baterias de fluxo.

"Vá com o fluxo"

Numa bateria convencional o eletrolito está contido dentro da célula, e serve para transportar os íons entre os eletrodos. A carga da bateria é mantida como energia química potencial nesses eletrodos. Numa bateria de fluxo, a carga é mantida no próprio eletrolito, que é armazenado em um tanque e então bombeado através da célula para o lugar onde as reações químicas ocorrem.  Diferentemente das baterias baseadas em células, as baterias de fluxo podem na verdade ser feitas muito grandes, de modo que podem armazenar grandes quantidades de energia. Daí a ideia de usá-las para coletar a energia adicional, ou em excesso, das turbinas eólicas e dos painéis solares e armazená-la para uso posterior.  Mas, seus eletrolitos dependentes de água limitam seu potencial de uso, por causa da tendência da água em se decompor por eletrólise. Isto limita a tensão em que podem operar. Substituir seus eletrodos aquosos por outros orgânicos eliminaria essa restrição, e os pesquisadores do Argonne estão à busca disso.

Um mundo acionado a bateria eletrificaria então partes da economia que têm sido refratárias a isso, como a de transportes, e estimularia a mudança de combustíveis fósseis caros (e poluidores) para "combustíveis" tais como a luz solar, que é de graça. Como um manifesto para uma revolução isso soa muito bem. A questão é: os revolucionários ganharão, ou o regime antigo prevalecerá?

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