sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

O jeito chinês de fazer despejo

[Em minha primeira missão oficial à China, já se vão mais de 10 anos, visitei o canteiro de obras da gigantesca hidrelétrica de Três Gargantas (22.400 MW de potência instalada, 60% a mais que Itaipu, mas com produção inferior à dela -- ver comparações no site da Itaipu). A usina chinesa é um péssimo exemplo em termos socioambientais, exatamente o oposto de Itaipu -- para sua construção, fez-se o deslocamento de mais de 1 milhão de pessoas no peito e na raça, como gado. No Brasil, a construção da usina de Sobradinho em 1988 provocou o deslocamento de cerca de 45.000 pessoas e, pelo que sei, até hoje a Chesf enfrents problemas na Justiça com um grupo razoável de desabrigados da época. Fiz esse preâmbulo porque a notícia que traduzo abaixo, publicada hoje no jornal inglês The Independent, me fez lembrar a sutileza paquidérmica dos chineses ao lidar com seus cidadãos.]

O mais recente exemplo surpreendente do conflito entre a crescente economia da China e as vidas dos cidadão chineses está ocorrendo com os habitantes de Yangji, na cidade de Guangzhou, no sudeste do país. Os moradores locais se recusam a se retirar, para permitir obras para o desenvolvimento local. Segundo relatórios, 99% deles já abandonaram suas casas para isso mas pelo menos seis famílias se recusaram a sair.

No que parece ser uma tentativa para para retirar esses moradores de suas casas, outros residentes locais, que já aceitaram acordos compensatórios para sair do local, cavaram fossos em torno das casas de seus ex-vizinhos.  Alguns relatórios alegam que os fossos, cavados no mês passado, foram na realidade feitos pelos empreiteiros para redirecionar um rio local, de modo que ele passe ao redor das residências dos moradores resistentes. A agência estatal de notícias Xinhua informou, na segunda-feira, que algumas das casas estão completamente rodeadas por fossos com cerca de 1,80 m de profundidade e de até cerca de 3,70 m de comprimento.

Desde novembro, segundo reclamações de alguns moradores, suprimentos de água e energia têm sido repetidamente sabotados.  Até 600.000 moradores devem perder suas moradias, por causa dos planos da municipalidade de demolir "grande parte do velho centro, dos povoados urbanos e de fábricas decadentes".

O incidente é a mais recente demonstração da tática de mão de ferro para remover as chamadas "casas pregos" ("nail houses"), um termo chinês para casas pertencentes a pessoas -- chamadas às vezes de "pregos teimosos (ou "cabeçudos")" ("stubborn nails") --,  que se recusam a abrir espaço para obras de desenvolvimento. Imagens da "casa prego" mais famosa da China, um prédio de cinco andares no meio de uma rodovia recém-construída, varreu a Internet como um vírus no ano passado, tornando-se um símbolo global de resistência a despejos feitos à força [ver última foto abaixo].

Nos últimos anos, despejos dessa natureza têm sido causa significativa de agitações sociais na China, com dezenas de milhares de incidentes registrados a cada ano.

Relatórios informam que 99% dos moradores de
Yangji (China) concordaram em deixar suas casas, mas pelo menos seis famílias se recusam a fazê-lo. - (Foto: The Independent).

Para forçar a saída dos moradores "teimosos", outros residentes que concordaram em se retirar e já teriam recebido compensação para isso cavaram fossos à volta das casas daqueles moradores. Mas há relatos de que isso teria sido feitos pelos empreiteiros das obras no local. - (Foto: The Independent).


A casa que se tornou um símbolo da resistência de moradores chineses ao despejo forçado, se mantém erguida no meio de uma rodovia recém-construída em Wenling, na província de Zhejiang. - (foto: Google). 

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