terça-feira, 2 de agosto de 2011

Mídia chinesa faz um desafio raro à ação do governo após choque de trens-balas

Os principais jornais chineses criticaram a maneira como o governo lidou com o choque fatal entre dois trens-balas, numa atitude sem precedentes de desafio a uma proibição do governo sobre cobertura negativa do desastre. O Partido Comunista ordenou na sexta-feira que os jornais evitassem qualquer menção sobre a colisão do dia 23 de julho, que matou cerca de 40 pessoas, exceto quanto a "atitudes positivas ou informações liberadas pelas autoridades", depois que os líderes do país foram fortemente criticados por suas tentativas de encobrir o desastre. O decreto fez com que alguns jornais eliminassem suas coberturas do ocorrido e as substituissem por cartuns e histórias sem qualquer relação com o fato.

Mas, num sinal de uma crescente falha de controle central -- e refletindo um sentimento de ultraje que varreu os fóruns online -- jornais de destaque arriscaram ontem desafiar a censura e ignorar o decreto, publicando artigos que levantaram receios quanto à segurança da rápida industrialização da China. O Economic Observer, um semanário de negócios de grande respeito, publicou uma reportagem especial de oito páginas sobre a colisão, com uma foto sombria do trem destroçado coberto com o logotipo vermelho-sangue do Ministério das Ferrovias. A manchete -- "Nenhum Milagre em Wenzhou" -- referia-se à descoberta de uma criança de dois anos nas ferragens, 21 horas depois do acidente que matou seus pais e depois que as tentativas de resgate tinham sido encerradas. Um funcionário do ministério havia descrito o resgate como um "milagre".

Outra cobertura disfarçou cuidadosamente seu tom crítico. O Beijing News publicou na primeira página uma história sobre a quebra de uma peça de cerâmica da dinastia Song no Museu do Palácio em Pequim. A mensagem codificada era clara: a tigela se quebrou em seis pedaços -- seis trens descarrilharam em Wenzhou, no pior acidente ferroviário da China -- e o acidente no museu ocorreu porque um técnico forneceu dados errados. O Museu do Palácio se declarou "muito angustiado" com o incidente e negou -- e negou que tivesse havido encobrimento do fato, depois que a notícia saiu dias mais tarde. A reportagem do Beijing News trazia acima dela uma foto com a manchete "A velocidade da China", que mostra o nadador chinês Sun Yuan quebrando o recorde mundial no campeonato mundial em Shanghai, mas que podia ser também entendida como um comentário sobre a obsessão com altas velocidades no governo.

A proibição de cobertura negativa surgiu depois que o premiê Wen Jiabao visitou Wenzhou para prometer transparência e abertura, com a punição dos responsáveis. O Ministério da Propaganda emitiu um comunicado para a mídia proibindo a cobertura, mas a revolta online e a crítica da mídia continuaram.

O choque de dois trens-balas chineses ocorreu no dia 23 de julho passado no leste da China, matando pelo menos 35 pessoas e ferindo outras 191, levantando novamente preocupações com a segurança com a rede ferroviária do país, que está se expandindo rapidamente. Foi o primeiro descarrilamento na rede de trens-balas da China, desde que o país inaugurou esse tipo de transporte em 2007 com trens que atingem a velocidade máxima de 250 km/h.

Chamou-me a atenção a pouca ou nenhuma atenção dada a esse acidente na mídia brasileira, no momento em que o governo Dilma reiterou sua ridícula obsessão em fazer um trem-bala tupiniquim. Acho muito estranho e sintomático esse silêncio, principalmente tendo em conta que os chineses certamente se candidatarão a fornecer esse tipo de trem ao Brasil.

Foto do trem-bala chinês acidentado em choque com outro trem-bala em Wenzhou. O viaduto de onde o trem despencou tem mais de 20m de altura (Foto: Reuters/China Daily).

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