Desde sua invasão do Kuait em agosto de 1990, o Iraque ficou submetido a um embargo que teve por efeito, mês a mês, endurecer as condições de vida da população. A fim de aliviar o povo iraquiano, a ONU adotou em 14 de abril de 1995 a resolução 986, que permitia ao Iraque vender petróleo para comprar alimentos e medicamentos. Posto em operação em 1996, o programa "Petróleo para Alimentos" autoriza o Iraque a vender petróleo bruto, a cada seis meses, no montante de 2 bilhões de dólares (cerca de 500 mil barris). A exportação de petróleo, a utilização da receita disso, e a distribuição de víveres e medicamentos foram colocadas sob a supervisão da ONU. Todas as operações foram efetuadas em uma conta bloqueada aberta pela ONU no banco BNP Paribas, em Nova Iorque.
De cada bilhão de petróleo vendido, 300 milhões deveriam ser alocados às vítimas da guerra do Golfo, de 20 a 30 milhões deveriam cobrir os custos do desarmamento do Iraque, e de 130 a 150 milhões deveriam servir de ajuda à população curda do norte do Iraque. Cada venda de petróleo deveria ser aprovada pelo comitê de sanções e supervisionada por especialistas. Nas províncias curdas do norte do Iraque, a distribuição de víveres foi colocada sob a responsabilidade do programa interagências das Nações Unidas. No resto do país, ela era também supervisionada pelo pessoal da ONU mas sob a responsabilidade do governo do Iraque.
Em paralelo aos canais legais que beneficiavam 3.900 empresas, o governo iraquiano instalou um sistema de corrupção em benefício próprio, apoiado em retrocomissões e sobretaxas reenviadas para o Estado iraquiano. Ele impôs aos seus clientes e fornecedores o pagamento de sobretaxas -- de até 30 centavos por barril -- sobre as vendas de petróleo bruto, e comissões ilegais de 10% sobre a folha de ajuda humanitária. Em 2000, isso se tornou sistemático. A parte essencial das somas desviadas, 1,8 bilhão de dólares, era deduzida dos produtos vendidos pelas empresas de 66 países. Essas somas eram transferidas para embaixadas iraquianas no estrangeiro ou depositadas em contas offshore (i.e., no exterior) para serem em seguida sacadas em dinheiro vivo. O dinheiro líquido resultante era em seguida repatriado ao Iraque e depositado no seu banco central. Petróleo contrabandeado era também vendido nas fronteiras, carreando 11 bilhões de dólares para o regime de Saddam Hussein.
O programa "Petróleo para Alimentos", que deveria se encerrar em novembro de 2003, é subitamente interrompido em março, quando começa a intervenção militar americana no Iraque. Nessa oportunidade, o Tesouro americano monitora os bilhões desviados sob a ditadura. Em janeiro de 2004, o jornal iraquiano Al-Mada publica uma lista de 270 autoridades que teriam se beneficiado da generosidade de Saddam Hussein. Vários franceses foram citados, entre os quais Charles Pasqua e seu assessor, Bernard Guillet. No dia 18 de março, o equivalente americano ao nosso Tribunal de Contas afirma, diante da Câmara de Deputados, que o antigo regime havia desviado mais de 10 bilhões de dólares no contexto do programa.
No início de 2005, documentos são arrestados em Nova Iorque pelo juiz Phillippe Courroye, no quadro de uma investigação que ele comanda desde 2002, visando atividades de suborno pago pela empresa Total ao governo de Saddam Houssein para contornar o embargo do petróleo. Algumas delas detalhavam o mecanismo que teria permitido a Charles Pasque e ao seu assessor Bernard Guillet utilizar os fundos correspondentes -- Pasqua conseguiu do regime iraquiano o direito de vender 10,8 milhões de barris e Guillet, 2 milhões. O papel de 19 outras pessoas físicas e de duas empresas, Total e Vitol, estão também sob investigação judicial.
O ex-ministro do Interior Charles Pasqua, suspeito de tráfico de influência nesse amplo caso de corrupção (Foto: AFP/Thomas Coex).
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