segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Teles buscam maior controle da Internet

A explosão do tráfego de dados nas redes de comunicação - principalmente fotos e vídeos - sobrecarregou a infraestrutura e abriu uma disputa comercial entre operadores de telecomunicações e grandes grupos da internet sobre quem deve pagar a conta dos investimentos necessários para a expansão. Segundo a União Internacional de Telecomunicações, será preciso alocar US$ 800 bilhões em redes nos próximos cinco anos para que a internet não pare.

As operadoras dizem que os investimentos devem ser repartidos com as empresas de internet, como Google, Yahoo e Facebook. O argumento é que boa parte do tráfego é gerado por serviços como o YouTube, do Google, e o Skype, da Microsoft, e que seria justo que essas companhias colaborassem na expansão. Carol Conway, diretora de assuntos regulatórios do grupo Folha, discorda e diz que as teles detêm mais de 66% das receitas dos serviços de banda larga, com margens operacionais em torno de 30%, o suficiente para investir mais.

As teles querem também mudar o preceito que impera na internet de que todos os dados têm igual tratamento no tráfego. Um usuário que passa a noite fazendo download de filmes e músicas, segundo elas, deveria pagar mais do que aquele que só acessa o e-mail. Para os opositores, isso transferiria para as teles o poder de definir o que é prioritário na internet.

Se você nunca ouviu falar em neutralidade de rede, é bom prestar atenção ao assunto. O tema envolve um debate sobre quem controla o tráfego na web, e tem como pano de fundo uma disputa comercial entre operadoras de telecomunicações e grandes grupos de internet, que ameaça explodir nos próximos meses. Isso tudo pode parecer distante do dia a dia das pessoas comuns, mas dessa discussão depende a maneira como todos nós vamos acessar a internet no futuro - e quanto vamos pagar para fazer isso.

O problema básico é a explosão do tráfego de dados nas redes de comunicação - principalmente fotos e vídeos -, que passaram a sobrecarregar a infraestrutura existente, causando lentidão no acesso à internet. É um problema que só tende a se agravar. A previsão da Cisco, fabricante americana de equipamentos para redes, é que em 2016 circularão mensalmente 1,3 zetabyte de dados por meio de redes fixas e móveis em todo o mundo, quatro vezes mais que os 369 exabytes atuais. No Brasil, o caso é ainda mais grave: a expectativa é de um aumento de oito vezes, para 3,5 exabytes mensais em 2016. Para comparação, 1 exabyte equivale a 250 milhões de DVDs. Já 1 zetabyte tem 1.000 exabytes, que comportam 250 bilhões de DVDs.

Para dar conta desse movimento, a previsão da União Internacional de Telecomunicações (UIT) é que serão necessários investimentos em rede da ordem de US$ 800 bilhões nos próximos cinco anos, sem os quais a internet pode parar.

Raio X de telecomunicações (clique na imagem para ampliá-la) - Fonte: Valor Econômico.

As operadoras de telecomunicações dizem que essa conta deve ser repartida com as empresas de internet, como Google, Yahoo e Facebook. O argumento é que boa parte do tráfego é gerado por serviços como o YouTube, do Google, e o Skype, da Microsoft, e que seria justo que essas companhias respondessem por parte do aumento da infraestrutura. Para muitos, o argumento não se justifica. No 9º Congresso Brasileiro de Jornais, realizado no início da semana, em São Paulo, Carol Conway, diretora de assuntos regulatórios do grupo Folha, disse que as empresas de telecomunicação detêm mais de 66% das receitas dos serviços de banda larga, com margens operacionais em torno de 30%, o suficiente para investir mais na infraestrutura.

A questão do investimento é apenas parte da história. Desde os anos 90, quando a internet ganhou escala global, prevalece a premissa de que todos os dados devem receber o mesmo tratamento em termos de tráfego - não importa a natureza deles, ou se o usuário paga mais ou menos à tele para obter o serviço. Esse é o princípio da neutralidade.

As teles querem mudar as regras. Um usuário que passa a noite fazendo o download de filmes e músicas, segundo as empresas, deveria pagar mais que aquele que só usa a rede para acessar e-mail. As operadoras defendem um modelo pelo qual poderiam cobrar por pacotes diferentes, dependendo do que o usuário acessa, e privilegiando um ou outro acordo com seu perfil de uso, o que já acontece na prática, mas não consideram quebra de neutralidade.  "É errado os Correios terem o serviço de Sedex, que é mais caro, para quem quer que sua carta chegue antes? Mas nem por isso a carta simples, mais barata, vai deixar de chegar", comparou Eduardo Levy, diretor do Sinditelebrasil, que reúne as operadoras de telecomunicações.  Para os opositores, essa redefinição marcaria o fim da neutralidade da rede e transferiria para as teles o poder de definir o que é prioritário.
 Levy, do Sinditelebrasil, propõe preços diferentes de acordo com velocidade - (Foto: Valor Econômico).

No Congresso de Jornais, David Hyman, advogado-chefe da locadora virtual americana Netflix, disse que as operadoras não podem ser contrárias à expansão de serviços on-line gratuitos ou mais baratos. "São esses serviços que vão aumentar a procura pelo usuário por mais banda larga e, portanto, darão mais receitas a elas", afirmou.

Hyman, da Netflix, diz que teles não podem ser contra serviços baratos - (Foyo: Valor Econômico).

Carol, da Folha, disse que a internet é de todos os que colocam conteúdo na rede - e não de quem constrói a infraestrutura. Deixar que as teles tenham esse poder, comparou, é o mesmo que permitir que a fábrica de papel defina o que será escrito nas páginas produzidas com essa matéria-prima.

A discussão é longa. As operadoras não querem "comandar a internet", disse ao Valor André Borges, diretor de regulamentação e estratégias da Oi. "O que pedimos é uma gestão de nossa infraestrutura, pela qual o usuário que precisa de mais velocidade pague mais por ela".  Um fator decisivo no debate está marcado 19 de setembro, quando está prevista a votação, pelo Congresso Nacional, da redação final do Marco Civil da Internet. O documento, que teve sua votação adiada duas vezes, foi elaborado em 2011 pela Casa Civil, com os Ministérios das Comunicações e da Justiça. Até agora, só a Holanda e o Chile têm legislações semelhantes.

A Holanda proíbe qualquer tipo de gestão de rede por parte dos provedores de infraestrutura. Todo e qualquer questionamento sobre a quebra de neutralidade deverá ser decidido via Judiciário. O Chile aprovou uma solução híbrida, que permite algum gerenciamento, de caráter técnico, pelas operadoras.

O Ministério das Comunicações informou que ainda estuda as questões sobre a divisão de custos entre teles e empresas de internet e a possibilidade de operadoras cobrarem preços diferentes pelo uso da rede.  A previsão é que, como ocorre no Chile, seja permitido algum tipo de controle pelas teles, mas restrito a critérios técnicos. Barrar um spam (publicidade não desejada) é um modo legítimo de gerir a rede, disse ao Valor o deputado Alessandro Molon (PT/RJ), relator do projeto do Marco Civil. "O que não pode é privilegiar conteúdos de parceiros de um mesmo grupo econômico em detrimento de outra empresa. E sabemos que isso acontece", afirmou.

A mesma posição é adotada pelo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. "Um usuário de Skype [serviço de telefonia via internet] não pode ter uma conexão lenta, mas um e-mail pode levar alguns minutos para chegar, sem prejudicar o consumidor", disse o ministro.

Procurados pelo Valor, representantes do Google e do Facebook no Brasil não se pronunciaram.











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