[O texto abaixo é da autoria de Paulo Rubem Santiago e foi publicado hoje no site Congresso em Foco. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade. O colunista menciona apenas um dos desrespeitos à Constituição, há inúmeros outros envolvendo, por exemplo, segurança e educação, que agridem o país e prejudicam seu desenvolvimento. O que fazem os guardiães da Carta Magna (os ministros do STF) para defendê-la e exigir seu cumprimento? Nada, absolutamente nada, escondidos atrás do biombo de que a Justiça só reage se provocada. Para quê nos serve um poder tão passivo, em se tratando de nossa Lei Maior?!]
Saúde: hemorragia no financiamento
Paulo Rubem Santiago - Congresso em Foco - 06/8/12
Em outubro deste ano, a Constituição feminina e cidadã, como informou
Ulisses Guimarães em 1988, completará 24 anos. As novas gerações não
viveram o processo constituinte concluído naquele ano, com mobilizações
em todo o país por bandeiras que a sociedade queria ver inseridas no
texto constitucional, em especial por avanços em educação, saúde,
cultura, reforma agrária e direitos humanos.
Na saúde, as normas aprovadas e posteriormente reformuladas por diversas
emendas constitucionais foram claras, como no tocante ao financiamento e
sua presença na seguridade social, considerada um conjunto integrado de
ações, de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a
assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social (artigo 194). Antes, porém, no artigo 165, parágrafo 5º, inciso
III , definiu-se que o orçamento da seguridade social integra a lei
orçamentária anual, como também a integram os orçamentos fiscal e de
investimentos das empresas estatais.
Mais adiante, a CF de 1988 normatizou, no artigo 195, parágrafo 2º, que
esse orçamento será elaborado de forma integrada pelos órgãos
responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo
em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei das Diretrizes
Orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos. No
artigo 198, p. 1º, garantiu-se que sistema único de saúde será
financiado com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
Assim sendo, por que a saúde agoniza há anos, sendo foco de medidas
tributárias específicas (como foi a CPMF) que vem e que vão, de novas
propostas, como a da Contribuição Social para a Saúde e de vetos à
regulamentação de seu financiamento, como ocorreu ano passado?
Relatório de 2011, da Associação Nacional dos Auditores da Receita
Federal do Brasil, Anfip, revelou que em 2010 a seguridade recolheu R$
458,6 bilhões, dos quais R$ 211,9 bilhões como receitas previdenciárias,
fechando o ano com superávit de R$ 58,10 bilhões (após realizar os
gastos da saúde, da previdência e da assistência social de sua
responsabilidade). Por que tal superávit não foi reinvestido na saúde,
nos termos do artigo 198 da CF de 1988? Porque o governo atual, como os
de FHC e Lula, manteve sobre as receitas da seguridade a desvinculação
das receitas da união (DRU), por mais quatro anos, até dezembro de 2015.
A DRU permite ao governo usar livremente 20% de todos os tributos
federais vinculados por lei a fundos ou despesas e tem como principal
fonte as contribuições sociais, que responderam por 90% de sua
arrecadação em 2010 (R$ 47 bilhões). A DRU desvia a aplicação de
recursos próprios pelo orçamento da seguridade (R$ 228 bilhões de 2005 a
2010) transferindo-os para a engorda do superávit primário, para o
pagamento dos juros da dívida pública. Em 2011, pelo Relatório de maio
de 2012 da Anfip, a seguridade teve superávit de R$ 73 bilhões. Por que o
governo não transfere esse montante para reforçar o SUS (o orçamento
federal da saúde foi de R$ 77 bilhões em 2011), novamente nos termos do
artigo 198 da CF?
É vergonhoso [mais do que isto, é criminoso] que se desviem recursos da seguridade em nome da
sustentabilidade da relação dívida/PIB e dos interesses dos credores.
Quer o governo fazê-lo, que tribute quem tem mais para tais fins, que
volte a taxar com Imposto de Renda o pagamento de juros remuneratórios
sobre o capital próprio, isento desde 2002. Por que não taxa a remessa
lucros ao exterior, por que não aprova o imposto sobre Grandes Fortunas,
previsto no artigo 153, parágrafo 7º. da CF ? Por que não reduz as
benesses fiscais às empresas, estimadas esse ano em R$ 145,97 bilhões,
em vez de desviar dinheiro da seguridade e da saúde, autêntica
hemorragia no seu financiamento?
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