sábado, 11 de agosto de 2012

O maior investimento na história das montadoras no Brasil

Já foi dito que, em determinado momento, a montadora coreana Hyundai crescia tanto nos Estados Unidos que corria risco de ser multada por excesso de velocidade. A frase era usada como contraste à letargia das grandes montadoras de Detroit, cujas vendas patinaram por anos.

Mas o fenômeno Hyundai é qualquer coisa menos uma peculiaridade do mercado americano. Nenhuma montadora cresce tanto no mundo. E, no Brasil, não tem sido lá muito diferente. Nos últimos cinco anos, as vendas da marca no país quintuplicaram, chegando a 115 000 unidades em 2011. O mercado como um todo cresceu 46% no mesmo período. Em alguns meses, a marca — que já assusta um bocado os concorrentes hoje em dia — vai dar seu mais ousado passo no país. Após investimento de 600 milhões de dólares, até o fim do ano os coreanos vão começar a produzir em sua fábrica na cidade paulista de Piracicaba.

De lá, sairá a primeira família de carros populares da Hyundai, ainda sem nome divulgado.  Segundo a montadora, os novos modelos poderão ser, também, exportados para a América Latina. “Construir uma fábrica no Brasil era questão de tempo”, diz Chang Kyun Han, presidente da Hyundai.

 Fábrica da Hyundai em Piracicaba: pela primeira vez, a montadora vai desenvolver carros específicos para o Brasil - (Foto: Germano Lüders/Exama.com).

A concorrência, claro, não está assistindo aos movimentos da Hyundai parada. Assim como a coreana, outras cinco montadoras vão injetar 6,5 bilhões de dólares na inauguração de novas linhas de montagem no Brasil até 2014.  É, de longe, a maior onda de investimentos do setor na história — nos anos 90 as oito montadoras que construíram fábricas por aqui investiram 5,6 bilhões de dólares. Mais da metade desse dinheiro virá de empresas asiáticas, como as chinesas Chery e JAC e as japonesas Nissan e Toyota. 

Além disso, outros 4,5 bilhões de dólares serão aplicados na ampliação de fábricas já existentes. “Esse investimento mostra o potencial do mercado brasileiro”, diz Cledorvino Belini, presidente da Fiat e da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores. “O país está na mira das maiores montadoras do mundo".

Mudança de patamar

Não é somente pelas cifras envolvidas que essa nova leva de investimentos impressiona. Se forem de fato concretizados, esses projetos podem mudar a cara do setor automotivo brasileiro. Estima-se que as novas fábricas devam despejar no mercado 2 milhões de veículos por ano, aumentando em 40% a produção nacional. Em outras palavras, passaremos a produzir quase 685 veículos por hora — é o mesmo patamar de produção de economias maduras, como a Alemanha. Com exceção da China, nenhum outro país terá tantas montadoras instaladas em seu território como o Brasil — serão 13 no total.

A pergunta que fica, portanto, é: haverá consumidor para quase 6 milhões de carros por ano? Pelo menos em tese, sim. Hoje, o Brasil tem sete habitantes para cada veículo em circulação. No México, por exemplo, essa relação é de quatro para um. Se essa conta faz sentido — e, para as montadoras, faz —, tem-se espaço de sobra para crescer.

Some-se a isso a chegada de um contingente de quase 40 milhões de pessoas à classe C nos próximos anos, com renda mensal em torno de 3 000 reais, e o resultado é uma demanda reprimida do tamanho do mercado espanhol. Segundo a consultoria KPMG, o Brasil deve se tornar o terceiro maior mercado de veículos até 2016, ultrapassando o Japão — hoje somos o quarto. “É hora de competir para valer no país”, diz Tang Wei, diretor da Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Econômico. “Não há oportunidade como essa no mundo".

É com base nesse otimismo em relação ao futuro que a Chery, maior montadora independente da China, escolheu o Brasil para erguer sua primeira fábrica internacional. A companhia vai injetar 400 milhões de dólares na construção de uma linha de montagem em Jacareí, no interior de São Paulo, com capacidade para produzir 150 000 carros por ano.

A decisão de colocar dinheiro aqui havia sido tomada já em 2008 — o aumento do imposto para carros importados, em vigor desde o início do ano, apenas acelerou os planos. Se tudo correr como querem os chineses, a fábrica começará a funcionar no segundo semestre de 2013, seis meses antes do inicialmente previsto. “As obras estão em ritmo avançado”, diz Luis Cury, presidente da Chery no Brasil. “Nossos veículos foram muito bem-aceitos pelo consumidor brasileiro. Mas, para ter preço competitivo, precisamos estar no país.” A Chery possui atualmente uma rede com 105 concessionárias espalhadas por todos os estados brasileiros. Na estratégia da marca, estão cidades médias como Uberlândia, em Minas Gerais, e Ribeirão Preto, no interior paulista. A ideia é vender modelos baratos justamente para o público de classes emergentes. 

Vida difícil

Se o futuro do setor automotivo brasileiro parece promissor, o presente tem se mostrado um tanto difícil. Embora as vendas tenham mais que dobrado na última década, elas já começam a dar sinais de arrefecimento — o que, segundo especialistas, poderia levar a uma superoferta e a um eventual desequilíbrio do mercado. Entre janeiro e maio deste ano, as vendas  de veículos novos caíram quase 4,4% na comparação com o mesmo período do ano passado, e a previsão é que encerrem 2012 com uma alta de 4% — um terço do crescimento verificado três anos atrás. A principal razão para essa desaceleração está no elevado endividamento do consumidor.

Em abril, segundo dados do Banco Central, a dívida das famílias chegou a 43% da renda, o maior patamar desde 2005. Naquele mesmo mês, a inadimplência no financiamento de automóveis chegou a 5,9%, o mais alto índice da década. “Entre quitar a prestação do imóvel e pagar a parcela do carro, o brasileiro tem ficado com a primeira opção”, diz a economista Tereza Maria Fernandez Dias da Silva, sócia da consultoria MB Associados. “Por  isso, os bancos estão apertando o crédito com medo de calote. Sem dinheiro fácil, as vendas não voltarão a crescer dois dígitos". As montadoras encerraram o mês de maio com um estoque de 367 000 unidades, algo que não acontecia desde 2008. [Já há praticamente um consenso de que a estratégia de empurrar a economia pelo estímulo ao consumo já se esgotou.  Por isso, soa muito surreal essa orgia de produção automobilística anunciada.]

Apesar do cenário anuviado, é pouco provável que o tombo verificado no final dos anos 90 se repita — pelo menos não no curto prazo. Naquela época, as montadoras investiram para triplicar a capacidade de produção no país à espera de uma demanda que não se concretizou. Ao contrário: despencou 36% entre 1997 e 1999. Como resultado, as vendas de veículos no país só atingiram o sonhado patamar de 3 milhões de unidades dez anos depois. A Mercedes-Benz desistiu dos carros e converteu sua fábrica para produzir caminhões. Brasília tem feito uma força danada para ajudar a indústria automotiva — sempre com lugar cativo no coração dos governantes.

O último corte no imposto sobre produtos industrializados para carros, em maio, elevou as vendas em 19% já no mês seguinte. No entanto, ninguém se arrisca a fazer previsões sobre o que deverá acontecer com o mercado a partir de agosto, quando termina o pacote de bondades para o setor. A onda de investimento dos anos 90 terminou em lágrimas. É impossível saber no que os investimentos atuais vão dar. A única certeza é que o bolo terá de ser repartido por mais gente.

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