sábado, 25 de agosto de 2012

Há 70 anos, no improviso, Brasil entrava na Segunda Guerra Mundial

[Fatos importantíssimos de nossa história, que infeliz e inexplicavelmente sempre nos foram sonegados na escola -- mesmo sendo extremamente tristes e desalentadores, como se vê abaixo.]

Documentos inéditos e classificados do Conselho de Segurança Nacional mostram como o Brasil estava despreparado para enfrentar a 2.ª Guerra Mundial e precisou recorrer aos Estados Unidos para conseguir enviar suas tropas para o combate na Europa. A decisão de participar da guerra fez com que o governo brasileiro se deparasse com a incrível falta de infraestrutura de suas tropas, deficientes em efetivos, armas, equipamentos e treinamentos. Os documentos, aos quais o Estado teve acesso, estão guardados no Arquivo Nacional, em Brasília, e foram liberados na íntegra graças à Lei de Acesso à Informação.

O Brasil declarou guerra à Alemanha em 1942, mas decidiu mandar tropas para o conflito apenas no ano seguinte. Documento de 2 de junho de 1943, classificado como secreto e enviado pelo Conselho de Segurança Nacional para o então presidente Getúlio Vargas, trata do acordo político-militar firmado com os Estados Unidos para o envio de tropas. No documento, o Brasil chega ao inusitado ponto de tentar escolher o local onde as tropas brasileiras iriam combater para evitar que os soldados nacionais sofressem com o frio europeu.  Segundo o documento, o Ministério da Guerra salientava "ser absolutamente imprescindível assentar, por uma questão de clima e condições mesológicas, que, em princípio, o emprego de nossa força expedicionária se restrinja à região sul mediterrânea da Europa".

Nesse documento, o Ministério da Guerra também deixa clara a precariedade dos armamentos nacionais e pede que o governo avise os americanos sobre a questão. O texto diz que o Brasil deve "estipular, de modo explícito, o problema do armamento do Corpo Expedicionário, como dos demais elementos guarnecedores do território nacional".

Outro documento reservado, enviado em 8 de novembro de 1943 pelo Conselho de Segurança Nacional para Getúlio Vargas, trata justamente da criação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e narra a preocupação que o Ministério da Guerra tinha com as medidas que deveriam ser adotadas para evitar "os inconvenientes de uma improvisação".

As deficiências brasileiras eram totais. Arquivo secreto de 5 de janeiro de 1944 mostra a solicitação do Ministério da Guerra para enviar à América do Norte um oficial para "estudar a organização da Infantaria do Ar - tropa especialmente adestrada para o transporte aéreo". A exposição de motivos não poderia ser mais direta: os militares brasileiros simplesmente não tinham nenhum conhecimento sobre o uso militar de tropas de paraquedistas. "Alega o senhor ministro que nada possuímos a respeito, não passando os exercícios de paraquedismo entre nós de meras demonstrações de eficiência dos aparelhos na salvação das equipagens de aviões no caso de acidente", cita o texto do documento secreto.

A improvisação do governo brasileiro alcançava todas as suas áreas. Excertos tirados da Ata da Comissão de Estudos de Segurança Nacional mostravam a preocupação com abastecimento de alimentos para regiões do Brasil mais diretamente envolvidas com o conflito, como o Nordeste. A região era considerada um ponto estratégico nas operações militares e a comissão chegou a ter dúvida entre a fomentação de frigoríficos para estocar carne no Nordeste ou o incentivo a uma prosaica "indústria do charque", carne menos perecível.

Rapadura. Se equipamentos e armas faltavam para as tropas, integrantes da comissão avaliaram que não poderia faltar também rapadura. Nessa reunião, os estudiosos consultados pelo governo defenderam a estocagem de gêneros e lembraram "ser a rapadura produto primordial na alimentação do nordestino".

O Presidente Getulio Vargas conversa com soldados - (Foto: Diretoria do Patrimônio Histórico da Marinha).

O Brasil em Armas

2.ª Guerra Mundial - 70 anos

Um blindado M-8 do Esquadrão de Reconhecimento da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária entra em Montese, na Itália, no começo da ofensiva da primavera lançada pelos aliados em abril de 1945. Em poucos dias, a guerra estaria terminada para a FEBArquivo Histórico do Exército

O Brasil em Armas

Há 70 anos, o Brasil entrou em guerra pela última vez – contra a Alemanha nazista e a Itália fascista. A decisão foi tomada após o torpedeamento de cinco navios brasileiros na costa do Nordeste. Em dois dias, 551 pessoas foram mortas. Desde 1941, sucediam-se ataques de submarinos alemães. Mas daquela vez foi diferente. As agressões ocorreram na costa brasileira e a quantidade de vítimas – a maioria civis indefesos – fez eclodir a revolta popular. As manifestações que se seguiram à agressão nazista faria o governo declarar o estado de beligerância no dia 22 e o de guerra no dia 30. 

O Estado consultou arquivos militares, diplomáticos e governamentais em São Paulo, Rio e Brasília para contar essa história. Achou papéis – até então sigilosos – da Missão Militar Brasileira em Berlim, guardados no Itamaraty, e do Conselho de Segurança Nacional, no Arquivo Nacional. Eles mostram por que e por ordem de quem o Brasil foi agredido pelos submersíveis inimigos e como o País, improvisadamente, preparou-se para enfrentar essa ameaça.

A reportagem ouviu e gravou duas dezenas de entrevistas com veteranos. Também procurou historiadores, familiares de antigos combatentes e militares da ativa. Analisou diários de campanha de unidades da Força Expedicionária Brasileira, acervos particulares e da Justiça Militar. A pesquisa conduziu a histórias surpreendentes. Como a dos pracinhas submetidos à corte marcial e condenados à morte – os únicos durante a guerra – após um estupro e um assassinato. Ou a do capitão que passou o conflito atormentado pela ideia de enterrar um amigo tombado em combate e deixado no campo de batalha. Ou ainda a de brasileiros que combateram – e morreram – pela Alemanha.
A equipe produziu infográficos mostrando a evolução da guerra, as armas e os uniformes usados por brasileiros no maior conflito bélico de todos os tempos. Quase mil imagens serviram para reconstruir o período. Espalhadas pelo País, foram achadas principalmente com veteranos e nos acervos de Marinha, Exército e Força Aérea. O Estado reuniu áudios de músicas da época, resgatou detalhes da vida no front e em São Paulo durante o período e descobriu algumas histórias que muitos queriam ver escondidas e outras que nunca deveriam ter sido esquecidas. São textos, vídeos e gravações indispensáveis para se entender essa história: a nossa história. / MARCELO GODOY


Uma estratégia naval supervisionada pelo próprio Adolf Hitler resultou no ataque generalizado de submarinos alemães a navios mercantes brasileiros junto à costa do País nos primeiros oito meses de 1942, quando o governo Getúlio Vargas ainda era formalmente neutro na 2.ª Guerra Mundial. Documentos do Tribunal de Nuremberg guardados no Arquivo Histórico do Itamaraty mostram que o führer autorizou pessoalmente o uso da força contra embarcações do Brasil em maio daquele ano, por considerar os brasileiros em guerra contra o Reich. 

A papelada tem partes do diário de guerra do ex-chefe de Operações do Oberkommando der Wehrmacht (OKW), general Alfred Jodl, e depoimento do ex-ministro da marinha alemã Erich Raeder na corte que julgou chefes nazistas - Jodl foi condenado à morte e Reader, à prisão perpétua. Os afundamentos levaram o País ao conflito.  

Raeder (acima, o 2° da esq. para a direita) e Jodl (acima, o 1° da direita para a esquerda), ambos envolvidos no torpedeamento de navios brasileiros - (Foto: Universidade de Harvard).



"Minha primeira noite de combate na FEB foi de pânico"

Depoimento: Octavio Pereira da Costa, general

O general Octavio Pereira da Costa - (Foto: Evelson de Freitas/AE). 

Fui aluno de Manoel Bandeira no Colégio Pedro 2.º, no Rio, de quem me fiz amigo. Resolvi fazer exame na Escola Militar para livrar minha mãe de problemas financeiros e era aluno quando houve a declaração de guerra. Tinha 22 anos. Saí aspirante e fui para Salvador, onde me designaram para o 11.º Regimento de Infantaria, uma unidade expedicionária. E assim fui parar na FEB.

Meu primeiro contato com a guerra foi no cais de Nápoles, terrivelmente bombardeada. Havia inúmeros navios afundados à vista. A gente via a situação lamentável dos italianos, ansiosos por algum tipo de ajuda, um aceno, uma caixa de alimentos, uma lata ou mesmo um cigarro. 

Entramos em linha nos últimos dias de novembro. É a estação das chuvas na Itália. Os caminhos e encostas ficam enlameados. É extremamente difícil andar nessas condições. Estávamos na frente do pequeno Rio Reno, na face oriental dos Apeninos. A região é dominada pela linha de cristas, de que é parte Monte Castelo. Geradores produziam fumaça o dia inteiro para que o adversário não visse onde se passava nesse vale. 

O medo é uma realidade. Na área de Bombiana, havia posições difíceis guarnecidas pela tropa. Eu vi um oficial entrar em uma dessas posições e uma semana depois sair da posição inteiramente de cabelos brancos. Quando chegamos, o alemão percebeu e fez o óbvio: uma ação que desmoralizasse nossos homens. Enviou patrulhas para nossa frente, em Casa de Guanella, e desbaratou nossa tropa. O capitão perdeu o controle dos homens e eles entraram em pânico, arrastando uma das companhias à esquerda. Minha primeira noite de combate na Força Expedicionária Brasileira foi uma noite de pânico. Ninguém segura quem debanda. Você acolhe na retaguarda, o que foi feito. O comando da divisão reuniu o batalhão e decidiu que ele participaria da primeira ação ofensiva em Monte Castelo. Assim foi. E ele se saiu bem. Mas o capitão da tropa que debandou foi destituído do comando, submetido a Conselho de Guerra e condenado. Perdeu a carreira. 

A FEB começa a guerra para mim com o episódio que narrei, a noite terrível do pânico, de 2 para 3 de dezembro de 1944. É inesquecível, pois é o dia do Colégio Pedro 2.º - comemorei o aniversário do Pedro 2.º no pânico. Essa divisão, que chega e combate sob o signo da heterogeneidade, inclusive entre os comandantes, no Estado-maior, com brigas internas, egos imensos se devorando uns aos outros, acaba a guerra no avanço avassalador para o noroeste, chega até a fronteira da França. Um lance de extrema felicidade e sorte. Fomos muito bem-sucedidos, em grande parte por muita fortuna. Fortuna, pois tudo indicava que não daria certo. / M. G. e E. F. 




Um comentário:

  1. Amigo VASCO:
    Independentemente dos arquivos pesquisados, ainda acho a história mal contada.
    Se nós mesmos sabiamos de nossas limitações para entrar na guerra, o que dizer dos alemães?
    Será que eles não tinham informações sobre o poder de fogo dos brasileiros, tão distantes geograficamente dos campos de batalha?
    E a propalada "simpatia" de nosso presidente à época pelo FASCISMO?
    Não sei, mas acho que estão faltando informações, dados históricos, etc., do OUTRO LADO.
    Mandar submarinos alemães atacarem navios mercantes brasileiros em nossas costas, como forma de dissuadir nossa possível entrada no conflito, sinceramente, não me convence.

    Abraços - LEVY

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