Um amigo dileto contou-me há pouco um episódio que se passou com ele no estádio do Engenhão (Rio) que me deixou perplexo, preocupado e revoltado. Ele foi domingo passado assistir ao jogo Flamengo x Botafogo, com seus dois filhos gêmeos de cerca de 9 anos, um botafoguense e o outro rubro-negro, cada um vestindo a camisa de seu time. O pai é botafoguense.
Na bilheteria, meu amigo foi alertado por um policial de que no estádio não há zona "neutra" e que, portanto, teria que optar por ficar no lado de uma das torcidas e que, ao fazer a opção, seu filho que não usasse a camisa dessa torcida deveria tirá-la, para sua própria segurança. Meu amigo optou pela torcida do Botafogo, e seu filho flamenguista de 9 anos teve que tirar e guardar a camisa do Flamengo que vestia -- vi na foto que o pai tirou o misto de raiva e decepção do garoto, impedido de manifestar-se livremente por seu time.
Esse é o ponto lamentável a que chegamos. A boçalidade das torcidas e dos torcedores, que demonizaram a saudável rivalidade esportiva e a transformaram em algo pior que xingamento à mãe e estopim de batalhas campais, com feridos e vítimas fatais, destruiram o prazer lúdico de se ver uma partida de futebol e praticamente acabaram com o poder de socialização desse esporte, despojando-o também de seu conteúdo como elemento representativo de um tipo de cultura do brasileiro. Agregando-se a isso a omissão da Lei e dos governos, o resultado são o caos e a baderna que se vê a cada clássico.
O futebol no Brasil virou um retrato preocupante da lassidão ética e moral que assola o país. Praticamente tudo está errado no nosso futebol. Criou-se uma elitizinha merreca absolutamente ridícula e disparatada de pessoas completamente despreparadas social, cultural e intelectualmente para os salários que ganham, salários esses inteiramente desfocados da realidade do país. Num país em que a educação é uma calamidade, endeusa-se a competência das chuteiras em detrimento de outros valores mais nobres e necessários. É claro que o futebol -- assim como os esportes em geral -- é importante e precisa ser parte do nosso lazer, mas não com o exagero idiota que se vê. Essa "elite" de segunda categoria é um péssimo exemplo para a nossa juventude.
Além dessa mazela dos salários, os clubes brasileiros -- não consegui me lembrar de nenhuma exceção -- são um exemplo escarrado e acabado de má administração (não raramente misturada com corrupção), de descumprimento de legislações (trabalhista e outras), de sonegação de impostos, de conchavos de baixo coturno e várias outras mazelas. E o governo, o que faz? Lhufas! Passa a mão na cabeça de dirigentes relapsos e faz vista grossa para a esculhambação, se lixando para o efeito pernicioso disso tudo sobre a sociedade.
Se não moralizarmos o mundo do futebol -- e outros "mundos" que campeiam por aqui -- e não baixarmos p'ra valer o sarrafo pleno da Lei sobre os torcedores e torcidas boçais, continuaremos a ver o espetáculo deprimente de crianças inocentes impedidas de desfrutar do simples e justo prazer de assistir a um jogo de futebol vestindo a camisa de seu time preferido.
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