domingo, 4 de março de 2012

Ciência x Religião: Darwin e Deus duelam em Oxford

Interessante reportagem de Carlos Fresneda, do jornal espanhol El Mundo de 23/2/12, que traduzo a seguir.

A Universidade de Oxford acolheu no dia 23 [de fevereiro] o duelo dialético mais esperado. O biólogo evolucionista Richard Dawkins, um dos ateus mais influentes do mundo, debateu com o arcebispo de Cantebury, Rowan Williams, líder da igreja Anglicana, no abarrotado teatro Sheldonian da universidade. Richard Dawkins defendeu com firmeza e convicção as ideias de Darwin, enquanto que Rowan Williams atribuiu à intervenção divina "a beleza e a elegância do mundo".

O debate despertou tal expectativa em Oxford, que foram lotados dois teatros adicionais para acompanhamento do duelo através de telões. O evento foi transmitido online e acompanhado por dezenas de milhares de pessoas, que se envolveram em comentários pelas redes sociais.

O moderador

A ativa participação do moderador do encontro, o filósofo e agnóstico declarado Anthony Kenny, fez com que em alguns momentos parecesse tratar-se de um debate a três. Kenny interveio em várias ocasiões para fazer reflexões e brincadeiras, assim como para formular novas questões aos dois participantes, em particular a Dawkins. Na realidade, o biólogo monopolizou a maior parte do tempo do debate, que durou 90 minutos.

Kenny começou o debate pedindo ao público que mantivesse a compostura, e se abstivesse de aplaudir até o final. "Não sei se Deus existe ou não, estou aberto a que me convençam e tenho a meu lado duas pessoas que creem ter a resposta", começou Kenny, testamenteiro literário de um dos filósofos mais influentes do século 20, Ludwig Wittgenstein.

Origem do Universo

O arcebispoWilliams reconheceu que a Bíblia não dá "uma explicação cientificamente válida da formação do Universo", mas defendeu seu valor "espiritual". "Os autores da Bíblia não sabiam nada da física do século 21 -- se limitaram a transmitir as mensagens fundamentais que Deus queria que transmitissem", admitiu Williams diante da primeira pergunta do público sobre a interpretação do Gênesis e a "idade" do Universo. [Acho o argumento do arcebispo tipicamente escapista, embora coerente com uma interpretação puramente religiosa da Bíblia.]

Dawkins, autor de The God Delusion ("A Quimera de Deus", em tradução livre) e The Magic of Reality (A Magia da Realidade), fez uma inflamada defesa do darwinismo para apoiar sua tese de que o ser humano é um produto exclusivo da evolução biológica, sem intervenção divina. "É maravilhoso saber que as leis da física, através da seleção natural, produziram essas enormes coleções de átomos que somos nós, os seres vivos, tão complexas que é fácil que se produza a ilusão de que há algum projeto por trás delas", sustentou o cientista.

[Na versão impressa que tenho desse debate, o texto da reportagem cita os seguintes trechos que não constam da versão do encontro na internet:

Dawkins ridicularizou a história de Adão e Eva, e a comparou com os mitos de outras culturas, seguindo fielmente o roteiro de seu recente livro The Magic of Reality (A Magia da Realidade, em tradução livre). "Não houve um primeiro ser humano, assim como não houve um primeiro animal identificável de cada espécie", declarou com contudência. "Na evolução, tudo é gradual".

"Por que nos esforçarmos em interpretar o Gênesis a partir do século 21, se temos a Ciência?", indagou o biólogo, que se definiu como agnóstico (diante do rótulo de ateu radical que lhe aplicam). "O universo é belo e elegante em si mesmo, por que complicá-lo com Deus?".

Dawkins reconheceu, apesar de tudo, que os cientistas não têm ainda todas as respostas, ainda que a genética e a neurociência possam em poucos anos levar-nos às respostas que hoje nos parecem evasivas. O grande desafio da ciência, mencionou, é simplificar a complexidade aparente do universo.

"O universo não é simples, é o que é", replicou Williams, que pela primeira vez pôs o cientista em apuros quando lhe perguntou pela origem do DNA. "Ninguém ententende ainda bem como surgiu o código do DNA", contestou Dawkins. O arcebispo atacou também pelo lado da consciência humana, e respondeu com habilidade à incredulidade do cientista: "Se a consciência é uma ilusão, o quê não é uma ilusão?". Williams reiterou sua fé não apenas na consciência, mas também na sobrevivência da alma "depois da morte".

O teólogo se aferrou à linguagem como traço distintivo dos seres humanos. O biólogo respondeu culpando a evolução genética, e rechaçou a ideia de "um projeto divino, que foi a ideia dominante até o século 19". "Parece que estamos projetados, mas isso é uma ilusão", frisou Dawkins, eterno devedor de Darwin e de Huxley, que defendeu suas mesmas teses em Oxford e em 1860, um ano depois do turbilhão deflagrado pelo [livro] A origem das espécies. ]

A consciência

"Darwin não tem muito o que dizer para solucionar o problema da consciência, e não vejo muito progresso nas explicações científicas sobre esse tema. Quiçá se trate de algo que não depende somente das leis da física", argumentou o arcebispo.

"Se não podemos entendê-lo, será que tem a ver com Deus?", ironizou Dawkins em resposta, frisando que um computador devidamente programado poderia atuar como um homem consciente, sem necessidade de que um ser superior interviesse no projeto do software. O clérigo replicou que uma máquina não é nada mais que uma "ferramenta", que nunca poderá "fazer-se perguntas sobre si mesma, explicar brincadeiras, fantasiar", nem obviamente "conectar-se com essa energia criativa que chamamos de Deus".

Seu segundo debate



Os dois [Dawkins e Williams] se enfrentaram pela primeira vez há dois anos, em um debate televisionado. "Crê que Deus teve algum papel no processo evolutivo?", perguntou Dawkins. "Para mim, Deus é o poder ou a inteligência que dá forma a todo o processo", respondeu Williams. "O ato de Deus é o princípio da criação", continuou ele. Desde então, o biólogo e o arcebispo deixaram para trás a acritude do passado e decidiram entabular um diálogo construtivo, seguido online [o debate em Oxford] por dezenas de milhares de internautas, que quiseram tomar partido no eterno debate de Darwin versus Deus.

As melhores tiradas dialéticas de cada debatedor [que constam da versão impressa, mas não da versão online]

  • Richard Dawkins
  • "Invocar Deus como criador do Universo vai contra toda lógica científica. Tudo surgiu do nada".
  • "Nunca houve um primeiro ser humano, tudo foi uma mudança gradual".
  • "Vivemos em um mundo onde ocorrem coisas terríveis, o que é todo o trágico que se poderia esperar de um universo governado pelo acaso cego".
  • "Não sou um ateu radical, sou agnóstico. Mas, tudo é questão de probabilidades, e é altissimamente improvável que existam forças sobrenaturais".
  • Rowan Williams
  • "Em algum momento da Evolução o humano faz-se consciente de 'uma chamada de Deus'".
  • "Somente nós humanos usamos linguagem e temos consciência, e isso é a chave do que somos".
  • "Charles Darwin não nos ajuda a explicar e compreender a consciência humana".


Richard Dawkins e Rowan Williams, antes do debate em Oxford - (Foto: Reuters).

7 comentários:

  1. No 5º parágrafo sob "Origem do Universo", não seria "Dawkins reconheceu..." e não "Darwin reconheceu..."? No mais, acredito que esse debate deverá ser postado no Youtube e gostaria de assistí-lo. Abs. Paulo

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  2. Amigo VASCO:
    Não tenho dúvidas de que essa notícia será comentada por muitos daqueles que leem seu blog.
    Vou me reservar às minhas "crenças".
    Durante meus estudos e análises sobre algo muito grande, como o UNIVERSO, sempre se é levado à dicotomia CIÊNCIA X RELIGIÃO.
    Ora, a análise feita por cada uma dessas possibilidades não podem ser cotejadas em um único contexto. Explico: a CIÊNCIA pressupôe a possibilidade de verificação experimental, a teorização dos conceitos, a conclusão com bases lógicas, etc., enquanto na RELIGIÃO tudo é uma questão de FÉ, sem direito à questionamentos. Ou se acredita ou não.
    O mais interessante, é o que acontece com o Ser Humano, entre aqueles que têm posições aparentemente divergentes sobre questões que possam parecer fundamentais. Nenhum deles vai conseguir converter o outro às suas idéias ou crenças, mas mesmo assim CONVIVEM EM HARMONIA.
    Muito das religiões pregam preceitos ÉTICOS que valem para TODOS OS SERES HUMANOS. Algumas pregam conceitos EUGÊNICOS que se perderam nos tempos, e foram incorporados aos ritos praticados em seus cultos.
    O mais recente livro do STEPHEN HAWKING, The Grand Design, se porpõe a nanlisar a questão, mas as conclusões não convencem, por impossibilidade de haver um concenso nesse caso.

    Abraços - LEVY

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  3. Prezado Paulo,

    Você está certo, grato pela correção (já efetuada).

    Abs,

    Vasco

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    1. Prezado Vasco, gostaria de acrescentar que, se aquelas foram "as melhores tiradas" do reverendo, a religião vai mal, muito mal...
      Abs,
      Paulo

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  4. Prezado Paulo,

    Concordo plenamente com você, embora o tal resumo possa ser (ou é) simplesmente a visão pessoal do repórter. De qualquer maneira, acho a igreja Anglicana completamente desqualificada do ponto de vista religioso para defender qualquer dogma "católico" ou "cristão", tendo em vista que seu pilar de origem é Henrique VIII ...

    Abs,

    Vasco

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  5. Outros detalhes desse debate podem ser acessados em dois sites ingleses, pesquisando "Rowan Williams": o da BBC (www.bbc.co.uk) e o do The Guardian (www.guardian.co.uk). Agradeço ao amigo Levy essa indicação, que lhe foi dada por um amigo seu.

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  6. Maior fé tem tido os evolucionistas, no "elo perdido" da evolução , posto que nunca o encontraram . A fé na Bíblia ao menos nunca decepcionou os que a examinam com dedicação e reverência, e nela crêem , e todas as profecias nela contidas se cumpriram, até a próxima que será a segunda vinda de Cristo , e o que se seguirá - quem tem ouvidos , ouça enquanto é tempo ! A paz de Cristo seja com todos !

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