A Igreja Católica decidiu ser supersônica em coisas supérfluas e de marketing, e manter-se paquidérmica em assuntos que considera "pétreos", não importa seu grau de anacronismo. Assim, mantém o celibato dos religiosos e dá cobertura a seus membros que cometem abusos diversos, inclusive os de pedofilia, mas decidiu entupir-se de santos. Para não ser tachado de injusto, reconheço que algumas aberrações foram corrigidas ou minimizadas: sou do tempo em que era o sacrilégio dos sacrilégios sequer tocar na hóstia (mordê-la, nem pensar), porque representava o corpo de Cristo -- hoje pega-se nela com as próprias mãos, pode-se partí-la e dividí-la em tantos pedaços quantos se quiser. Não tenho a menor ideia da explicação transcedental ou não que a Igreja inventou para justificar uma mudança tão radical, mas espero que tenha mais conteúdo do que a história da maçã.
Essa aceleração no processo de canonização deu-se exatamente no papado de João Paulo II, que fez mais beatificações (1.338) e mais canonizações (482) em seus quase 27 anos no cargo do que todos os papas anteriores a ele, em conjunto -- se atentarmos para o fato de que a tradição católica reconhece a existência de 263 papas ao longo de cerca de 2.000 anos, temos o tamanho da façanha de João Paulo II. Por isso, há zombadores que dizem que ele dirigiu uma verdadeira "fábrica de fazer santos".
O problema com João Paulo II é que ele tem uma ficha deplorável com relação à tolerância e ao acobertamento criminosos de pedófilos desmascarados e confirmados até na alta hierarquia da Igreja. Em postagem de 05/4/10 relato o caso escabroso de seu amigo pessoal, o cardeal austríaco Hans Hermann Groer, que abusou sexualmente de mais de 2.000 jovens durante décadas e jamais foi punido pelo Vaticano. Um artigo da revista Newsweek que está nas bancas, do qual tirei dados e informações usados nesta postagem, conta também o escandaloso caso do padre mexicano Marcial Maciel Degollado, protegido de João Paulo II, que fundou a conservadora e controversa Ordem dos Legionários de Cristo e depois foi desmascarado e denunciado por abusar sexualmente de vários de seus membros. A denúncia contra ele foi parar na mesa do então cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, e ali ficou engavetada até 2001 e só se fez algo contra ele depois da morte de João Paulo II -- em maio de 2006, Bento XVI ordenou que Maciel se retirasse para uma vida de "oração e penitência". É assim que a Igreja pune seus criminosos sexuais, e ainda decide canonizar quem os acoberta, como João Paulo II.
O Papa João Paulo II, em 1978. (Elliott Erwitt/Magnum)
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