sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Múltis reduzem repatriação de investimentos

As compras de participação no capital de empresas brasileiras por estrangeiros continuam fortes neste ano e as multinacionais já instaladas aqui evitam se desfazer de ativos no Brasil mesmo diante de um cenário difícil para a matriz. Entre janeiro e setembro, ingressaram US$ 41 bilhões em aportes desse tipo no país, o que sustenta o fluxo de investimento estrangeiro direto para o Brasil, de acordo com dados do Banco Central.

As repatriações de recursos somaram apenas US$ 3,4 bilhões até setembro deste ano, e esse retorno foi bastante concentrado no setor de construção civil. O número representa pouco mais de um terço do capital produtivo que deixou o Brasil na forma de venda de fatias em empresas nacionais entre janeiro e setembro do ano passado.

A indústria, apesar do mau desempenho no ano, continua a ser o setor que mais atrai investimentos produtivos, com US$ 17,4 bilhões -- 44% do total. O setor de serviços, ramo de atividade que mais cresce no PIB pelo lado da oferta, vem a seguir, com 42%. Para analistas, os investidores não residentes continuam atentos a oportunidades em segmentos ligados à demanda interna e nos quais as possibilidades de importação são limitadas, o que explica a liderança que a indústria alimentícia e de produtos farmacêuticos mantêm entre os aportes no setor manufatureiro.

Mercado interno continuar a atrair investimentos produtivos e estrangeiros evitam vender ativos no país - (Gráfico: Valor Econômico - clique na imagem para ampliá-la).

Luís Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e de Globalização Econômica (Sobeet), afirma que as empresas continuam a destinar recursos para o Brasil de olho, principalmente, no potencial da demanda interna. "Por causa da renda e da redução da desigualdade na distribuição de riqueza, o consumo cresce de forma sustentada e consistente há anos, e as empresas não veem esse mesmo cenário no mercado de suas sedes. A fronteira de crescimento é a América Latina", afirma Lima.

Apesar do número modesto esperado para o Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, de 1,5%, de acordo com o boletim Focus do Banco Central, as projeções para o aumento das vendas no varejo ficam entre 7% e 8%, segundo o Valor Data. Até agosto, dado mais recente, o comércio ampliado, que inclui automóveis e material de construção, cresceu 8,6%, mas as vendas de itens como artigos farmacêuticos (11,2%) e produtos alimentícios (9,2%) foram ainda mais fortes. São segmentos em que a importação de produtos é mais difícil, diz Lima, o que explica o crescimento dos investimentos em fábricas nesses ramos de atividades. Apenas para a indústria de alimentos, ingressaram no país US$ 4,2 bilhões para aquisições no setor até setembro, ou 10% do total de recursos destinado ao Brasil para compras de participação no capital no período.

Antônio Corrêa de Lacerda, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), acredita que juros mais baixos e câmbio estável a R$ 2 também são fatores de atração de estrangeiros, que enxergam nessa combinação condições de competitividade melhores no futuro. Para Lacerda, os investidores não residentes olham o potencial de expansão da economia brasileira em um momento em que é esperado uma longa década de baixo crescimento em países desenvolvidos. "O investidor estrangeiro dá mais peso à expectativa de avanço de 4% do PIB no ano que vem do que o crescimento de 1,5% em 2012", diz.

Com o balanço afetado pela crise, multinacionais de economias em dificuldades, como Espanha e Japão, estão enviando menos recursos ao Brasil do que em 2011. Ao mesmo tempo, o ambiente externo não se traduziu em aumento da repatriação de investimentos. Neste ano, o retorno de recursos caiu 72% em relação ao mesmo período do ano passado. Apesar da queda de 2% esperada para a produção industrial em 2012, os desinvestimentos no setor somam apenas US$ 555 milhões até setembro.

Para Afonso Lima, as empresas do ramo manufatureiro optam por manter as receitas que têm com a operação brasileira, mesmo sem investir em ampliação da capacidade. Se há necessidade de caixa, a alternativa é se desfazer de ativos nos países em crise.

O diretor de pesquisas e negócios da Brain, associação privada que reúne bancos e entidades do mercado financeiro, André Sacconato, concorda com essa avaliação. "Mesmo que o volume de recursos vindo para o Brasil hoje seja um pouco menor, as empresas que já estão aqui não querem deixar o país". Para Sacconato, o interesse é quase exclusivamente pelo mercado de consumo doméstico, já que é "praticamente impensável" ter uma plataforma de exportação no Brasil.

Outro fator de atração, na opinião do diretor da Brain, é a adoção de medidas mais protecionistas pelo governo, como o novo regime automotivo, o Inovar Auto. Com as regras já estabelecidas e condições mais favoráveis de importação até que as fábricas instaladas aqui estejam produzindo, montadoras estrangeiras se apressaram em anunciar investimentos. A alemã BMW, por exemplo, já disse que construirá uma fábrica no Estado de Santa Catarina.

Na contramão está a construção civil, com desinvestimento de US$ 1,1 bilhão neste ano, se somadas as atividades imobiliárias e construção de edifícios. Uma boa parte pode ser atribuída à venda de dois dos principais negócios do investidor americano Sam Zell no país, a Brazilian Finance & Real Estate (BRFE) e a BR Malls. O setor também atravessa fase conturbada, marcada pela queda no nível de atividade e estouro dos orçamentos dos empreendimentos lançados.
Para Wesley Bernabé, analista do BB Investimentos, a conjuntura atual torna o segmento pouco atrativo, mas a expectativa é que esse não seja um cenário permanente, já que as empresas devem conseguir no médio prazo ajustar os balanços e entregar obras.



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