[O texto que traduzo abaixo é da autoria de Gonzalo Fanjul e foi publicado ontem no blogue Sociedad do jornal espanhol El País. O autor chama a atenção para a ausência e a omissão da Igreja Católica espanhola no meio à crise avassaladora que aflige o país. Mas não é só na Espanha que se ouve esse silêncio ensurdecedor da Igreja Católica Apostólica Romana sobre a crise que flagela a Europa em geral e, mais particularmente, a zona do euro. Mesmo o Papa não tem batido muito nessa tecla. Enquanto no Brasil a CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil bota a boca no trombone por qualquer coisa, via de regra pecando pelo excesso, a meu ver, os bispos europeus pelo visto preferem o silêncio.]
De que lado estão os bispos nesta crise?
Gonzalo Fanjul -- El País, 22/10/2012
José Ignacio Munilla, bispo de SanSebastián [Espanha], expressou há alguns dias sua preocupação ante a crise espiritual dos jovens espanhóis, metade dos quais declara não acreditar em Deus. Se, além disso, esses jovens fossem indagados sobre a Igreja Católica e sua credibilidade como instituição social, os números seriam ainda mais baixos. Eles simplesmente sentem que a Igreja se converteu em uma instituição irrelevante para boa parte deles, uma entidade carente de atrativos e alheia às questões que fazem com que suas vidas sejam mais difíceis e inseguras.
Eu iria mais além: em meio a uma crise devastadora, que fez com disparassem as cifras da pobreza e da desigualdade em nosso país, a incapacidade dos bispos em articular uma mensagem social clara e contundente os coloca do lado dos culpados e em oposição às vítimas. Trata-se de um pecado de omissão. Os primeiros traídos pela posição dos líderes da Igreja são as centenas de organizações religiosas que trabalham diariamente nas trincheiras contra a exclusão social, com emigrantes, com famintos, com despejados, com os sem teto e com os enfermos. São parte da mesma Igreja, mas habitam universos paralelos.
O monsenhor Munilla sabe muito bem disso, porque foi uma das poucas vozes da hierarquia católica que se expressou com claridade nesse sentido. Uma simples homilia sua no verão passado, na qual fez carga contra "os escandalosos benefícios anuais [dos bancos], apoiados em uma economia irreal, fictícia e insustentável", se converteu em notícia nacional.
Por que algo tão evidente foi notícia? Porque, entre bispos e cardeais, tais declarações são a exceção e não a regra. Dando-se uma repassada nos documentos e notas das assembleias plenárias da Conferência Episcopal desde 2008, observam-se orientações sobre o amor conjugal, sobre a inscrição nos arquivos diocesanos, sobre a Jornada Mundial da Juventude ou sobre as lições de S. João de Ávila. Há referências à crise, é certo, mas muito escassas e sempre com uma linguagem exageradamente doce e agradável, e arrevesada, que faz com que fique difícil compreender o que se está dizendo. Falando da resposta à crise, Mosenhor Rouco disse em abril passado: "sem fé não pode haver a verdadeira caridade, capaz de afastar os obstáculos para essa liberdade espiritual imprescindível que dá frutos abundantes de justiça, solidariedade e paz". Mas, o que é isso? Por que ele é tão compreensível quando protesta contra os casais homossexuais e o aborto e, no entanto, utiliza essas galimatias quando se trata da crise e de seus responsáveis? Ele tem, realmente, algo a dizer?
A atitude da hierarquia eclesiástica espanhola nesse contexto contrasta amargamente contra o que têm manifestado os bispos católicos em outros países, como nos EUA por exemplo. Vejam, por exemplo, a declaração da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA por ocasião do Dia do Trabalhador, que nos EUA se comemora no início de setembro. Em plena campanha eleitoral [americana], um texto sobre o "trabalho decente" e os riscos de um modelo econômico "quebrado": "Como pessoas de fé, somos chamados a estar com os que foram deixados para trás, oferecer-lhes nossa solidariedade e unir forças com os menores entre eles, para ajudá-los a satisfazer suas necessidades básicas. Buscamos uma renovação econômica nacional, que ponha no centro da vida econômica as pessoas que trabalham e suas famílias". Eis aqui uma linguagem que todos podem compreender.
Ainda que já faça algum tempo que joguei a toalha com a instituição Igreja, sou uma pessoa crente e compreendo os riscos de uma sociedade que vive de costas para a espiritualidade. Em matéria de moral sexual ou de educação, os bispos têm posições legítimas que não compartilho, mas isto é irrelevante. Minha pergunta é por que não é possível fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo. Se a pobreza e o sofrimento de quem vive dentro e fora do nosso país os preocupam -- e não é possível admitir o contrário --, o mínimo que podem fazer é dizê-lo em alto e bom som. Não apenas respaldariam o insubstituível trabalho de suas bases, mas também exerceriam o tipo de liderança e ensinamento públicos de que tanto se carece neste momento, e que não nos nos são oferecidos nem pelos partidos, nem pelos sindicatos. Talvez então a sociedade recupere seu respeito pela Igreja e Munilla tenha menos razões para preocupar-se.
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