A 36ª presidente do Brasil se inclina para a frente e lança um olhar intencional à volta da mesa, para se assegurar de que ninguém deixe de perceber sua simples porém audaciosa concepção do que ela quer para o país.
Após cerca de 10 anos de governo pelo Partido dos Trabalhadores (PT), a maior economia da América Latina reduziu drasticamente os índices de pobreza e avançou um longo caminho para reduzir as desigualdades -- uma tendência que vai na contramão do aumento dessas diferenças em outros países. "Isto é, acredito, um ganho muito importante para o Brasil -- isto é, transformar o Brasil em uma população de classe média", diz Dilma Rousseff em seu gabinete no Palácio do Planalto em Brasília, a maravilha modernista em mármore projetada por Oscar Niemeyer, o arquiteto brasileiro. "Queremos isso, queremos um Brasil de classe média".
Um progresso notável foi obtido no sentido de melhorar a vida de milhões de pessoas naquela que permanece como uma das sociedades mais desiguais do mundo. Seu milagre econômico ajudou a retirar de 30 a 40 milhões de pessoas da pobreza, criou mercados para companhias domésticas e multinacionais e atraiu investidores globais. Ainda assim, depois de quase uma década de condições globais grandemente favoráveis, a economia desacelerou e passou a arrastar-se. Se o país pretende consolidar sua recém-adquirida prosperidade e continuar como uma das máquinas do crescimento global junto com Rússia, Índia e China, as outras nações do Bric [aqui o FT cometeu um estranho engano para um jornal de sua competência -- o grupo na realidade agora chama-se Brics, para incorporar a África do Sul, cujo PIB, por sinal, cresceu 3,2 por cento no segundo trimestre de 2012, quase o triplo do crescimento do nosso pibinho], Dilma Rousseff precisa encontrar um novo modelo de desenvolvimento. Em um mundo castigado por uma crise econômica, a questão é saber se ela tem condições de forçar as mudanças necessárias para acelerar o início de uma segunda década de crescimento. Isso inclui as espinhosas tarefas de atacar a falta de competitividade e os altos custos trabalhistas do Brasil. "Temos que fazer o mais difícil", diz José Scheinkman, um brasileiro que é professor de economia na Universidade de Princeton.
Mas, não há sinal de que Rousseff esteja sentindo a pressão quando ela entra na modesta sala de reunião anexa ao seu gabinete. Ela aparenta segurança, mas parece não querer dar chance ao azar: no seu pulso há um amuleto tradicional para espantar "mau olhado". Ela tem a fama de ser uma chefe dura, conhecida por fazer ministros chorar em reuniões caso não tenham feito o dever de casa [aqui o FT usa a ferina maldade britânica, ao escancarar para o mundo esse injustificável e imperdoável costume da nossa ex-guerrilheira]. Mas, quando uma pessoa de língua espanhola na sala tentou falar português com um sotaque forte, ela gentilmente caçoa dele imitando seu jeito de falar. "Aqui falamos espanhol também", diz bem humorada [que sorte para os presentes à entrevista ...].
Quando Rousseff assumiu o governo em janeiro do ano passado, como a ungida sucessora de Luiz Inácio Lula da Silva [o Nosso Pinóquio Acrobata], o ex-presidente, havia ceticismo quanto a essa tecnocrata, que nunca havia ocupado antes um cargo eletivo, se ela seria capaz de controlar sua coalizão de mais de 10 partidos liderada pelo PT. Entretanto, o fato é que os críticos não contavam com a determinação da primeira mulher a ser eleita presidente do Brasil. Em 1967, ela juntou-se a um grupo militante de esquerda em revolta contra a ditadura de direita do país, e adotou o nome de guerra de Estela. No início dos anos 1970, ela foi capturada, torturada e ficou quase três anos na prisão.
Quando Lula da Silva [o Nosso Pinóquio Acrobata] assumiu o poder em 2003, ele escolheu Rousseff, uma economista experiente, como sua ministra de Minas e Energia e, depois, chefe da Casa Civil. Como presidente, ela compensou sua falta de experiência eleitoral tornando-se diferente. Quando seus ministros envolveram-se em escândalos de corrupção no ano passado, ela fez algo inusitado em Brasília: ela não os defendeu e, em vez disso, simplesmente deixou-os sair -- sete deles, no total [outro equívoco do FT -- na realidade, seis foram demitidos por corrupção e um, Nelson Jobim, por ser falastrão]. Os eleitores aplaudiram. Nesse ínterim, a taxa de desemprego continuou a cair e atingiu um valor mínimo recorde este ano, abaixo de 6 por cento, levando sua popularidade a um valor recorde de mais de 70 por cento.
"As pessoas diziam que ela não tinha experiência política", disse Fernanda Montenegro, a atriz brasileira indicada para o Oscar e tida como a atriz favorita da Sra. Rousseff, em um evento em sua homenagem em Nova Iorque no ano passado. Acredito, no entanto, que saímos ganhando com Dilma porque ela ... não encaixa no modo tradicional de fazer política no Brasil".
Mas, enquanto no ano passado ela foi testada quanto às suas habilidades políticas, este ano ela está sob pressão para reaquecer a economia. Depois de alcançar 7,5 por cento na carona de preços de commodities elevados e de uma explosão de crédito e consumo em 2010, o crescimento caiu para 2,7 por cento no ano passado. Este ano pode baixar para 1,5 por cento.
Solicitada a nomear os principais desafios, Rousseff aponta para um suspeito familiar. A política monetária complacente dos EUA, quando não acompanhada de políticas fiscais para absorver os excessos de fundos, leva a desvalorizações de moedas competitivas e à inflação. "Políticas monetárias expansionistas que levam a depreciação de moeda são políticas que criam assimetrias nas relações comerciais -- assimetrias sérias", diz ela.
Com os EUA e outros países concentrados em se safar da retração econômica, o Brasil se recusou a ser um mercado para mercadorias de preço aviltado (dumped). O governo tentou proteger suas indústrias com medidas tais como o aumento de impostos sobre carros com mais de 40% de componentes importados. Isso, e uma decisão recente de aumentar as tarifas sobre mais de uma centena de produtos, de tubos de ferro a pneus de ônibus, gerou reclamações de parceiros comerciais, inclusive dos EUA. Entretanto, Rousseff, em um discurso na Assembleia-Geral da ONU no mês passado, revidou afirmando que "medidas defensivas legítimas" não podem ser chamadas de protecionismo. "Este país não se limita a apenas montar coisas", diz ela. "Queremos um país que produz, que cria conhecimento e o aplica aqui; queremos uma mão de obra competente".
Mas, ela reconhece que muitos dos problemas do Brasil são gerados internamente. Custos trabalhistas elevados, baixa produtividade, infraestrutura pobre e tributação elevada -- com o governo gastando 36 por cento do PIB, ou o equivalente a muitos países avançados da Europa, mas sem os mesmos níveis de eficiência -- criaram uma situação na qual a inflação emerge sempre que a economia começa a crescer.
Tony Volpon, um economista da Nomura em Nova Iorque, argumenta que a taxa potencial de crescimento do Brasil -- aquela com a qual o país pode expandir-se sem gerar inflação alta -- caiu de 4 por cento na década passada para perto de 3 por cento. Isso ocorreu porque o crescimento na década passada resultou parcialmente de pessoas entrando para o mercado formal de trabalho em números mais elevados. Hoje, com o desemprego relativamente baixo, essa sopa acabou. "A questão é: seremos mais ambiciosos e atacaremos outras frentes?", pergunta Volpon, "ou não faremos isso, e seremos uma economia de 3 por cento de crescimento e inflação alta?".
Conquanto a presidente não prometa um pacote de reformas "explosivo", como o visto recentemente na Índia, que desregulou os setores aéreo e de varejo, Rousseff diz que o Brasil está reduzindo o custo da mão de obra pela diminuição de impostos sobre a folha de pagamento. Até agora, 40 setores industriais foram beneficiados. Outras medidas fiscais são esperadas. "Isso é importante, porque não queremos penalizar aqueles que empregam pessoas", diz ela.
O governo está igualmente acelerando a venda de concessões de infraestrutura, o que já ocorreu com os aeroportos de São Paulo, Campinas e Brasília, o maior do país [outra mancada do FT -- o aeroporto de Brasília não é maior que Guarulhos]. Está se preparando também para descarregar R$ 133 bilhões em concessões de rodovias e ferrovias. Portos vêm em seguida. Esses projetos de grande escala são vistos como cruciais antes do Brasil acolher a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas dois anos depois. "Queremos parceiros do setor privado de qualquer origem", diz Rousseff.
Outro programa de porte do governo é o de reduzir as taxas de juros, tradicionalmente elevadas do Brasil. O Banco Central cortou as taxas em 500 pontos base [basis points, em inglês -- um ponto base é igual a um centésimo de um ponto de porcentagem] em 12 meses para um valor baixo recorde de 7,5 por cento. Mas, Rousseff e seus ministros também entraram pesadamente na questão, intimidando os bancos a baixarem seus juros. Embora os bancos sejam criticados por suas taxas de agiotagem no Brasil -- as dos cartões de crédito podem superar os 100 por cento -- a intervenção verbal do governo gerou receios de interferência no mercado. Rousseff não demonstra arrependimento.
O Brasil foi o último almoço grátis para os bancos, ela diz, referindo-se às altas taxas que eles cobram dos consumidores. "Estamos voltando a patamares normais de rentabilidade. Isso significa que alguns de nós terão que procurar por lucros adequados em atividades produtivas que sejam bons para o país".
Ela é igualmente determinada com relação a outra área na qual o governo é acusado de interferir no setor privado -- sua decisão de cortar os lucros permitidos aos operadores da área elétrica. Puxando um bloco de anotações, ela desenha um gráfico representando a vida útil média de uma usina hidroelétrica, que mostra que esta continua a produzir energia por muito tempo após a amortização do investimento -- ainda assim, as companhias querem continuar a cobrar os mesmos preços elevados. Assim, o governo deu aos operadores uma opção: reduzir os preços agora e renovar os contratos, ou esperar que os contratos terminem e arriscar-se a perdê-los. O resultado foi uma redução nos preços de energia de 16 por cento para os consumidores residenciais e de 28 por cento para os consumidores industriais. "Isso é muito importante, porque temos que reduzir custos", diz Rousseff sobre a iniciativa.
Enquanto seu antecessor gostava da ribalta internacional, Rousseff é uma diplomata indiferente. Ela irritou americanos e europeus na Assembleia-Geral da ONU no mês passado, ao afirmar que a islamofobia está aumentando nos países desenvolvidos. Mas, em geral, ela descreve um Brasil que é amigo de todo mundo, com relações especiais com os países lusofônicos da África e seus laços estreitos com a Europa devido à imigração. "Para nós, o mundo é multipolar", diz ela.
No campo doméstico, ela não quis comentar o julgamento histórico da Suprema Corte sobre corrupção ligada ao primeiro mandato de Lula da Silva [o Nosso Pinóquio Acrobata]. No chamado mensalão, o julgamento envolve muitos dirigentes do partido do ex-presidente, acusados de usar dinheiro público para pagar políticos da oposição para que apoiassem a agenda legislativa do governo no Congresso. Alguns já foram condenados.
Mas Rousseff parece claramente preocupada com governança. Ela conta a história de um prefeito que deveria estar construindo duas escolas com verbas do governo federal, mas na realidade estava construindo apenas uma e embolsando o resto. Ele foi solicitado a colocar na Internet fotos das duas escolas em construção. Ele foi finalmente apanhado quando um mesmo cachorro aparecia nas fotos do que deveria ser a construção das duas escolas diferentes. "Você tem que estar preparado para tudo na vida -- mas, um cachorro denunciando um prefeito? ", diz a presidente, rindo. Ela repentinamente ficou séria. "Estamos digitalizando toda a estrutura do governo, porque isso nos permitirá controlar o que ele faz". Tais processos são "banais" mas necessários, diz ela.
Uma presidente que presta atenção em detalhes, por banais que sejam, é talvez do que o Brasil precise quando busca consolidar as conquistas da década passada e prosseguir com sua emergência como um país de classe média. Mas, com as reformas apenas se iniciando, muito depende ainda de quão disposta está Rousseff para ter o "mais difícil" feito.
Dilma Rousseff - (Foto: Financial Times).
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