[Reproduzo a seguir, reportagem de hoje no Estadão.]
Se na área doméstica questões como a economia e a reforma da saúde
continuam dominando a campanha presidencial americana, no debate sobre política externa a relação com Israel é um tema constante.
O republicano Mitt Romney acusa o democrata Barack Obama de sacrificar a
aliança dos Estados Unidos com o país. Já o atual presidente defende as
ações de seu governo na região. Mas, ambos os partidos miram um
objetivo bem mais próximo: a conquista dos votos da comunidade judaica
americana.
Embora muito menos numerosos que outras minorias, como os hispânicos, o
voto dos judeus americanos pode ser decisivo em uma eleição apertada,
onde a maioria das pesquisas, com algumas variações, mostra os dois
candidatos tecnicamente empatados. Compondo cerca de 2% da população dos EUA, a importância da comunidade
judaica na disputa deve-se, de acordo com analistas ouvidos pela BBC
Brasil, à sua participação política e à sua organização. A comunidade registra
altos índices de comparecimento às urnas e está distribuída em Estados
com maior peso no Colégio Eleitoral.
"Os judeus geralmente conseguem uma atenção muito maior (dos políticos)
do que se poderia esperar. Isso acontece em parte por causa dos lugares
onde estão localizados e em parte por causa de suas características
sociais e políticas", diz Kenneth D. Wald, professor de Ciência Política
da Universidade da Flórida especializado nas relações entre religião e
política. "Embora sejam um pequeno grupo de pessoas, eles são muito importantes em
termos de registro de eleitores, participação política, comparecimento
às urnas e doações às campanhas. Assim, eles são vistos como um
eleitorado muito mobilizado, que é bom ter ao seu lado", diz Wald.
Estados-pêndulo e tendência democrata
"Esta eleição presidencial será decidida nesses Estados, e o voto dos
judeus em alguns desses lugares já se provou determinante em eleições
anteriores", diz Mark A. Siegel, doutor em Ciência Política e que atuou
como assessor da Casa Branca para questões relacionadas à comunidade
judaica durante o governo de Jimmy Carter (1977-1981). Segundo Siegel, tradicionalmente cerca de 80% dos votos dos
judeus-americanos vão para candidatos do Partido Democrata, em uma
tendência discrepante do restante do eleitorado branco nos EUA.
De fato, nas eleições de 2008, Barack Obama recebeu 78% dos votos de
judeus, contra 43% do eleitorado branco de modo geral. Siegel calcula
que, se a comunidade judaica tivesse um comportamento mais parecido com o
do restante do eleitorado branco, Obama teria tido uma vitória mais
apertada no Estado do Colorado. Também poderia ter perdido na Flórida, um dos Estados com maior peso no Colégio Eleitoral, contando então com 27 votos.
"Todos esperamos que esta eleição seja muito, muito apertada. Na última
eleição, Obama venceu (John) McCain por 7% do voto popular e nós não
esperamos este tipo de número agora", diz Siegel. Ele afirma que, em uma eleição disputada, os números do voto da
comunidade judaica podem "trazer mudanças significativas no Colégio
Eleitoral que, obviamente, podem afetar o resultado geral".
Neste ano, Obama deve contar novamente com o apoio da maioria dos judeus
americanos, embora em menor grau. De acordo com uma pesquisa realizada
no início de setembro pelo American Jewish Committee (AJC) - grupo de
defesa da comunidade judaica sediado em Nova York - 64,9% dos judeus
deve votar em Obama, contra 24,1% em Romney. A margem de erro da
pesquisa é de 5 pontos percentuais.
Pressão
Além do peso do voto judeu em Estados-chave, a atuação de grupos de
pressão pró-Israel é algumas vezes apontada como um dos fatores para a
influência da comunidade judaica nos EUA, embora o real impacto dessas
entidades no processo eleitoral americano não seja consenso entre os
analistas.
O mais conhecido desses grupos talvez seja a AIPAC (American Israel
Public Affairs Committee), entidade que trabalha na defesa da cooperação
entre EUA e Israel entre membros do Legislativo e do Executivo
americano. Em seu website, a entidade afirma ter sido classificada pelo
jornal The New York Times como "a mais importante organização afetando a
relação dos Estados Unidos com Israel". De acordo com Mark Siegel, a importância do grupo se dá principalmente
pelo trabalho que faz avaliando o apoio de deputados, senadores e
membros do Executivo à aliança entre EUA e Israel e reportando suas
conclusões aos seus mais de 100 mil membros. "Eles estão muito mais envolvidos em campanhas para o Congresso e para o
Senado do que em campanhas presidenciais, mas têm presença nas
convenções democrata e republicana (....). Eles são um bom modelo de um
grupo de lobby e como deve ser organizado", diz. A atividade de lobby é
regulamentada nos Estados Unidos.
Embora alguns analistas vejam uma grande influência de grupos como a
AIPAC na definição das políticas americanas para o Oriente Médio,
outros, como Kenneth Wald, consideram que essa influência é por vezes
superestimada. "Eu acho que a influência da AIPAC é muito exagerada. Ela é muito mais
um sintoma das alianças dos EUA do que a causa dessa aliança", diz Wald.
"É muito fácil defender Israel nos Estados Unidos porque muitos dos
oponentes de Israel são vistos como oponentes violentos dos Estados
Unidos, então é uma aliança natural".
[Para entender melhor a força do lobby judaico nos EUA, recomendo a leitura dos seguintes livros, entre outros sobre o tema:
☞ "The Israel Lobby and U.S. Foreign Policy" - John J. Mearsheimer e Stephen M. Walt - Farrar, Straus & Giroux (Ed.), New York, 2007.
☞ "They Dare to Speak Out" (3rd Ed.) - Paul Findley - Lawrence Hill Books, 2003]
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