Na abertura do artigo, logo abaixo de seu título, o jornal escreve: "Movidos por uma teologia que se recusa a garantir igualdade de direitos às mulheres, judeus ultraortodoxos começaram a flexionar seus músculos misóginos. Mas, diz Catrina Stewart, começou uma resistência".
Quando começa a anoitecer em Mea Shearim, o bairro mais religioso de Jerusalém, homens judeus de roupas e chapéus negros se apressam a ir para casa por ruas estreitas, margeadas por casas de estilo medieval [...]. A menos de meia milha [800 m] dali, jovens israelenses se misturam em bares agitados no centro de Jerusalém, um anátema para essa comunidade religiosa ultraortodoxa que tem feito de tudo para isolar-se das tentações da vida secular, e garantir uma rigorosa separação entre homens e mulheres.
Ironicamente, no entanto, são os esforços dessa comunidade ultraortodoxa para impor seus valores religiosos sobre os cidadãos israelenses comuns, particularmente às mulheres, que muitos temem estar minando a democracia em Israel e, agora, constituem [os esforços] a maior ameaça à [própria] sobrevivência dessa comunidade.
Quando Tanya Rosenblit, uma mulher de 28 anos de Ashdod, tomou um ônibus para Jerusalém no final do ano passado, ela provocou um alvoroço ao se recusar a obedecer às ordens de um homem religioso para que se sentasse nos fundos do ônibus. Muitos dos ultraortodoxos -- conhecidos como Haredins -- consideram que o recato proíbe que as mulheres se sentem na parte dianteira dos ônibus junto com os homens, e é comum se ver ônibus segregados com mulheres sentadas ao fundo, que muitas vezes está congestionado, enquanto há assentos vazios na parte dianteira. A Sra. Roseblit tornou-se uma celebridade menor em Israel, mas sua postura não ficou sem consequências, gerando-lhe ameaças de morte por ousar desafiar a comunidade religiosa.
"Os Haredins sempre receberam tratamento especial neste país, e as pessoas acham que isso está OK", diz ela. "Mas, algo mudou ... no sentido de que eles sentem que irão controlar o país. Isto é preocupante".
A questão de vagarosa e gradativamente exercer uma coação religiosa sobre todos os aspectos da vida dos israelenses assumiu enorme importância nos últimos anos, na medida em que os ultraortodoxos se espalharam para além de suas comunidades tradicionais em Jerusalém e fora de Tel Aviv, em busca de moradias mais baratas. Mas, recentemente, a situação chegou a um extremo quando um ultraortodoxo cuspiu em uma garota de 8 anos, Naama Margolese, e a agrediu verbalmente por considerar sua roupa indecorosa.
Não pela primeira vez, os Haredim de Israel se sentiram sob ataque. Totalizando cerca de 10% da população do país, essa comunidade empobrecida e de rápido crescimento há muito tempo é vista como um peso econômico para a sociedade, mas agora há quem tema que sua influência esteja se expandindo para muito além das suas comunidades, que se assemelham a guetos.
Em uma forte demonstração de sua sensação de perseguição, extremistas Haredins vivendo em Mea Shearim colocaram como protesto estrelas amarelas nas roupas de seus filhos, um símbolo da perseguição aos judeus no Holocausto que repercute profundamente em todos os judeus, e geraram uma repulsa generalizada. Jovens em Mea Shearim insistem em que aqueles que inspiram esse ódio são uma minoria extremista, que não representa os Haredins como um todo. "Acho que recato em um ônibus está certo", diz um deles, que trabalha em uma livraria religiosa, "mas obrigar a fazer isso não é a solução a adotar".
Mas essa sua visão de tolerância não é prontamente aceita nesse bairro insular. Momentos antes, um homem Haredim com tranças laterais cuspiu no chão perto desta repórter, que estava decorosamente vestida, e resmungou "pritze", uma palavra ídiche que significa prostituta.
Enquanto isso, as mulheres dessas comunidades têm medo de dizer o que pensam, diz Hannah Kehat, fundadora do Kolech, um grupo de mulheres ultraortodoxas. "É controle social. Se elas, as mulheres, forem contra alguém, os extremistas as excluem, dizem que elas não são suficientemente religiosas, as atacam, e difamam suas famílias", diz a Sra. Kehat, que cresceu em Mea Shearim. "É terrorismo", diz ela.
Embora a segregação nos ônibus tenha se tornado o exemplo emblemático da discriminação contra as mulheres, ela é apenas uma pequena parte da história. Em um exército em que servir é obrigatório, em que os Haredins desempenham agora um papel importante, ainda que pequeno, as mulheres veem com consternação que os soldados religiosos boicotam eventos em que as mulheres cantem, insistindo em que isso é pecado.
[...] Até empresas laicas sucumbiram à pressão para banir imagens de mulheres nos cartazes públicos de propaganda em Jerusalém, com medo da represália dos Haredins contra seus produtos. [...] Em escolas primárias religiosas, um grupo de pais destemidos luta contra os esforços de ultraortodoxos para limitar o ensino de assuntos seculares, e obrigar garotos e garotas até mesmo de 5 anos de idade a estudar em salas separadas. Na década passada, diz Shmuel Shattach, diretor executivo do grupo ortodoxo liberal Ne'emanei Torah Ve' avoda, a separação [de alunos] por gênero em escolas religiosas estatais passou de ser uma minoria para tornar-se maioria. Ele se lembra de como o diretor da escola de sua filha pediu aos pais que abandonassem uma apresentação feita por garotas de 8 e 9 anos, e diz que as regras de decoro tornam-se mais rígidas a cada ano, com recomendações às garotas jovens para que usem saias abaixo dos joelhos e usem sempre mangas compridas.
"Acredito em decoro ... e que se evite vestir-se provocativamente, mas pedir isso a uma criança de 5 anos é ridículo", Shattach. Ele acha também ser extremamente importante permitir que as crianças se misturem na idade tenra, para que seu filho não veja as garotas "como se fossem demônios", e argumenta que os homens religiosos que se recusam a sentar-se atrás de mulheres nos ônibus o fazem por ignorância e medo.
Em grande parte, o Ministério da Educação de Israel é cúmplice na segregação de meninos e meninas, preferindo curvar-se às exigências ultraortodoxas do que ver as crianças se transferirem para o sistema privado de educação do Haredim, cujo currículo exclui matérias chaves como matemática e língua inglesa em favor do estudo da Torá. Essa educação deficiente desprepara os judeus Haredins para somar-se à força de trabalho do país, o que faz com que a maioria deles devote sua vida ao estudo religioso financiado pelo Estado, enquanto as mulheres, que normalmente têm uma dezena de filhos, dificilmente têm tempo para um emprego. No final das contas, são os cidadãos que trabalham que financiam o jeito ultraortodoxo de viver, o que provoca indignação.
"Quando vejo quem paga a conta, me sinto um babaca", diz Alon Vissier, de 22 anos, que ajudou a organizar os recentes protestos contra ônibus segregados. "O problema começa com o governo ... os políticos assumem compromissos às nossas custas". [É só impressão minha, ou isso soa muito familiar para nós brasileiros?...].
Embora o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu insista em que "as mulheres se sentarão em qualquer lugar", políticos ultraortodoxos, representados por dois partidos de tendências direitistas, têm exercido poder dentro de sucessivas coalizões israelenses, e [os outros] políticos pisam em ovos para não afastar a comunidade religiosa.
Mas, agora as linhas de luta já foram traçadas, sob a liderança de um grupo fortalecido de judeus que representam o pensamento corrente no país, e que tomaram as ruas país afora no verão passado para clamar por reforma social. Esses são os mesmos israelenses que estão clamando pela restauração de valores democráticos, e pela redução da desproporcional influência da comunidade ultraortodoxa.
Há que se esperar para ver se isso terá êxito. Rachel Liel, diretora do Fundo Novo Israel, tem pouca esperança no curto prazo, argumentando que os ataques verbais às mulheres se tornaram possíveis devido a um crescente clima reacionário em Israel. Políticos propuseram um grande volume de legislação antidemocrática, incluindo tentativas para amordaçar a mídia, controlar o judiciário, e suspender o financiamento a ONGs que criticam o Estado judeu. "Vemos os árabes lutando por democracia [na primavera árabe], enquanto Israel está regredindo", diz ela. "Estamos regredindo de uma democracia vibrante para algo que é ruim".
Nova ultraortodoxia: [seus] protestos tornam-se agressivos e grosseiros
• No ano passado, o Haredim tentou bloquear uma via central em Jerusalém todos os sábados, pretendendo estender a zona de "não ir" para carros no Shabatt, o dia de descanso dos judeus. Eles jogaram pedras nos motoristas, gerando críticas à polícia por não tê-los controlado.
• Em 2009, os ultraortodoxos fizeram protestos semanais contra planos de abrir um estacionamento aos sábados, por temer que isso aumentasse o fluxo de turistas. A arma preferida contra os policiais foram fraldas sujas, abundantes em suas famílias grandes. Em represália, a municipalidade suspendeu a coleta de lixo.
• Quando os judeus se juntam anualmente para celebrar o Dia da Independência, para comemorar a fundação de Israel, a seita ultraortodoxa Neturei Karta põe fogo na bandeira de Israel em sinal de protesto. Esse grupo antissionista considera que os judeus só podem ter seu próprio Estado após a vinda do Messias.
Uma manifestação de judeus ultraortodoxos em Israel - (Foto: The Independent).
Menino judeu ultraortodoxo usa em Mea Shearim (Jerusalém), em 31/12/2011, a estrela amarela da época do nazismo e do Holocausto - (Foto: AP).
Naama Margolese, de 8 anos, disse que ficou muito amedrontada de ir para a escola depois que foi cuspida e agredida verbalmente por um judeu ultraortodoxo - (Foto: AP).
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