quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A crise da Europa, vista por 8 economistas de renome

A revista Newsweek que chegou às bancas consultou oito economistas de renome (dos quais três receberam o Nobel de Economia) para que descrevessem a origem do problema enfrentado pela moeda única, o euro, e o que aconteceria se essa moeda fosse abolida. Reproduzo a seguir as respostas dos consultados -- sem surpresas, praticamente todos apontam pelo menos uma mesma causa para a crise do euro.  A análise mais fraca, a meu ver, é a de Gary Becker (Nobel de 1992).

JOSEPH STIGLITZ (Prêmio Nobel de Economia em 2001)

Não duvido do compromisso dos líderes da Europa com a preservação do euro. Mas há nitidamente uma falta de entendimento do que é necessário e/ou de vontade de fazer o que é necessário, seja por razões ideológicas ou políticas.  Esses líderes têm que saber que austeridade por si só não recuperará nem o crescimento, nem a confiança. Eles têm que saber que sem crescimento não haverá confiança, e a crise da dívida quase certamente só fará aumentar, que é o que está acontecendo. Eles têm que ter consciência de que mesmo que fortes restrições fiscais possam evitar a próxima crise, elas não resolverão a crise atual. E eles têm que saber que, por mais desejáveis que possam ser as reformas estruturais que estão sendo discutidas, elas são medidas do lado da oferta, quando o problema desses países é demanda inadequada, e o horizonte de tempo exigido para sua implementação está fora de sintonia com os imperativos da crise. Em resumo, o arcabouço de plano de ação adotado pela Europa -- a menos que seja acompanhado de medidas adicionais que reduzam o risco de default e promovam o crescimento -- tem mais chance de falhar do que de ser bem sucedido. Os mercados sabem disso. As agências de classificação de risco sabem disso. A pergunta é, quando é que os líderes políticos perceberão isso e tomarão as medidas que isso requer?

JAGDISH BHAGWATI (Professor de Economia na Universidade de Columbia)

É uma tragédia por excesso de orgulho. Começou na Grécia, prematuramente alguns dias antes do Dionysia,  o festival tradicional que é popular por apresentar tragédias gregas. Mas cresceu rapidamente. A Grécia tinha um enorme problema de estoque de dívida pendente. Mas seu principal problema era seu gigantesco deficit corrente. O FMI é a instituição que tem a desagradável tarefa de fazer com que as nações apertem seus cintos, enquanto alivia a dor provendo-lhes fundos de ajuste temporários. Eu estava entre os poucos que argumentaram que a União Europeia (UE) tem que deixar que o FMI faça esse trabalho desagradável. Mas a UE achou que era indigno chamar o FMI. E assim começou a tragédia. Em vez do FMI, é a Alemanha que é agora a inimiga do povo grego; o contágio espalhou-se, atingindo outros [países] apanhados no pânico crescente. Costumávamos dizer que a Turquia era o "doente [econômico-financeiro] da Europa" ["sick man of Europe" -- apelido usado para descrever um país europeu que esteja enfrentando dificuldades e/ou empobrecimento; esse termo foi usado pela primeira vez em meados do século 19 para descrever o Império Otomano, mas desde então tem sido aplicado uma vez ou outra a cada país europeu de médio ou grande porte nessa situação] . Aí então a Grécia assumiu esse posto. Agora, a Europa é quase o "doente" dela mesma!

GARY BECKER (Prêmio Nobel de Economia em 1992)

A crise do euro tem sido obviamente muito séria. Está concentrada em mais ou menos cinco países -- Grécia, Itália, etc. Se se olhar para isso comparativamente, não é que esses países, na sua maioria, tenham as relações dívida/PIB mais altas ou os deficits mais elevados -- embora alguns deles estejam assim -- mas todos eles estavam importando muito mais do que exportavam. Eles não eram basicamente muito competitivos. E acho que isso os levou a tomar empréstimos e aos problemas de dívida, e assim por diante.

ROBERT E. RUBIN (Ex-Secretário do Tesouro dos EUA e co-presidente do Conselho de Relações Exteriores)

A zona do euro tinha uma estrutura inerentemente equivocada, com uma moeda e uma política monetária comuns mas sistemas fiscais nacionais, que contribuíram de múltiplas formas para a crise. Além disso, o mercado nunca avaliou adequadamente o mérito [ou valor] relativo de crédito dos vários bônus de países da zona do euro, falhando assim em criar disciplina sobre as políticas fiscais nacionais.  Os líderes da eurozona têm estado invariavelmente atrasados [em suas ações], e poderiam muito bem ter evitado a crise tratando da Grécia quando o problema começou. De maneira mais ampla, medidas efetivas poderiam ter sido tomadas em cada estágio da crise, mas faltou vontade política. As medidas atuais tomadas pelo Banco Central Europeu servem para ganhar tempo, mas os problemas fundamentais ainda permanecem, incluindo uma reforma para promover o crescimento. A zona do euro não pode ser parcial ou completamente dissolvida sem provocar efeitos severos, embora medidas protetoras de segurança possam limitar os danos. O pacto de estabilidade e crescimento da eurozona demandava uma disciplina fiscal, mas não tinha um mecanismo eficiente de execução que sobrepujasse a soberania nacional.

GLENN HUBBARD (Diretor da Escola de Negócios da Universidade de Columbia)

Quando você tem uma união monetária mas não tem uma união fiscal, você perde sua flexibilidade. Sua melhor expectativa é a de que os choques sejam idênticos e que os países reajam da mesma maneita, o que não aconteceu. Outro componente: há às vezes uma discussão na Europa de que alguns países são mais probos, e outros não. Essa não é a história toda. A Alemanha ganhou do euro um grande benefício em termos de competitividade. A Alemanha ganhou uma taxa de câmbio subvalorizada, e a Grécia, uma taxa supervalorizada. Isso, porém, gerou desequilíbrios contábeis. Um terceiro componente é a regulamentação bancária e financeira. Não houve exigências de capital, você então tem bancos que investiram pesadamente nessa dívida, muito da qual tem que ser reestruturado.

ROBERT MUNDELL (Prêmio Nobel de Economia em 1999)

Não é estritamente uma crise do euro, é uma crise da área do euro, dos sistemas fiscais, e a falta de disciplina fiscal e falta de coordenação das autoridades fiscais. O Tratado de Maastricht estabeleceu condições claras, precisas, mas elas não foram respeitadas. Países foram admitidos, países como Itália e Grécia -- as exigências [do Tratado] eram de uma relação dívida/PIB de 60% -- que tinham 120% ou 110% nessa relação quando foram aceitos. Talvez fosse OK para eles que entrassem, porque era um momento político, mas o problema foi que não houve ênfase em que baixassem aquela relação durante sua permanência [no grupo]. Assim, foi um grande fracasso a condução da disciplina fiscal. E o pacto de estabilidade e crescimento não tinha nenhuma autoridade de respaldo, porque mesmo o país maior e mais estável estava violando também o pacto, lá em 2002.

Se o euro desaparecer, será terrível para a Europa e, acho, muito ruim para o resto do mundo. Seria uma terrível calamidade para os Estados Unidos e a América do Norte. Alguns outros países, que não gostam da ideia de uma Europa forte -- e o euro foi certamente um fator para tornar a Europa um grupo mais forte e mais coeso -- podem achar que podem ganhar com isso, mas não é isso que penso.

JOSEF ACKERMANN (Diretor executivo do Deutsche Bank)

Não temos uma crise do euro como uma moeda, mas uma crise de dívida soberana em alguns países da zona do euro. Essa crise, entretanto, se não for resolvida rapidamente, ameaça minar severamente a confiança na moeda comum. Necessitamos, pois, tomar uma ação decisiva envolvendo medidas tais como esforços sustentáveis e confiáveis de consolidação orçamentária, reformas estruturais para melhorar a competitividade em nível nacional, e reformas institucionais no nível europeu para evitar uma repetição de uma crise semelhante no futuro.

Esta é uma questão puramente hipotética, mas uma quebra da zona do euro levaria a Europa -- e, dado o fato de que a Europa é ainda o maior bloco econômico -- e a economia global a uma profunda recessão e, adicionalmente, prejudicaria a independência e a influência política, econômica e cultural da Europa no mundo. 

Mas, a crise da dívida soberana tornou óbvio que a atual estrutura de governança da zona do euro carece de rigor e eficiência. Se é para a União Europeia e o FMI funcionarem, será preciso restringir a liberdade de manobra de governos e parlamentos nacionais, e avançar principalmente no campo da política fiscal. Temos que reinventar a união monetária e provê-la da arquitetura institucional que fracassamos em estabelecer no seu começo.

DANI RODRIK (Professor de Economia Política Internacional na Universidade de Harvard)

A Europa foi apanhada no meio do caminho de seu processo de integração. A união monetária foi (ou deveria ter sido) um degrau para uma união fiscal e política mais completa. A crise financeira oriunda dos Estados Unidos expôs a instabilidade dos arranjos existentes na zona do euro. A crise tornou-se então substancialmente pior por mau gerenciamento, em particular pela insistência da Alemanha em políticas de austeridade e pela recusa do Banco Central Europeu em assumir um papel mais ativo.

Semprei achei a zona do euro válida como uma aposta, como parte de uma estratégia de longo prazo de integração mais plena. O problema é que ninguém (inclusive eu mesmo) poderia ter previsto o tipo de crise financeira em que os Estados Unidos se envolveram. A zona do euro estaria bem por décadas se não tivesse sido atingida pelas consequências da crise financeira americana.

3 comentários:

  1. Amigo VASCO:

    Você sabe que não sou economista.
    Mas acho que essa notícia tem que ser analisada por outros aspectos, como lógicos e históricos, ao invés de nos restringirmos a um momento.
    Retornando no tempo, vemos que as civilizações antigas só tinham duas COISAS: BENS e SERVIÇOS.
    Na época, essa entidades eram motivo de trocas entre as pessoas, e quem as tinha era que avaliava quanto valiam.
    Então surge a MOEDA, para valorizar (dar valor) a cada um dos componentes desses dois grupos, possibilitando algo que seria uma troca mais JUSTA entre os possuidores dessas entidades.
    Assim foi por muitos anos, até que se chega à chamada Era Moderna, com diversos países, diversas moedas, diversos interesses, diversa necessidades.
    Havia que colocar um REFERENCIAL para possibilitar essas trocas e, após a Segunda Guerra mundial, surge essa necessidade.
    Isso foi parcialmente satisfeito pelo estabelecimento do DÓLAR AMERICANO, inicialmente LASTREADO em reservas de OURO, como PADRÃO de troca entre as diversas moedas existentes à época.
    Disso se aproveitou os EEUU que inundaram a Europa com dólares, com uma condição: não poderiam ser gastos nos EEUU. Era o Plano MARSHALL; os países endividados teriam que pagar
    com seus produtos e serviços fixados em dólar.
    Você pode investigar essa fase da história melhor do que eu.
    Mas, voltando à EUROPA.
    A tentativa de criar uma UNIDADE EUROPÉIA está fadada ao INSUCESSO. Historicamente, vários países não passam de um amontoado de tribos, cada qual com seus valores, que vieram a se juntar em um PAÍS(?). Isso ocorreu, e ocorre, no Leste Europeu, bem como na região dos Balcans.
    Acresça-se a tal problemática, a situação das ex-colonias européias na Africa, que hoje se cham como parte do território europeu, pelo menos com a igualdade de nacionalidade sendo reinvindicada por tais populações, praticamente no extremo da pobreza.
    Tudo isso leva a uma discussão que ultrapassa a Economia, e que parece não ter solução, pelo menos nos discursos e soluções propostas.
    Moeda ùnica não é a solução. As diferenças étnicas, culturais e educacionais são mais profundas. As expectativas também o são.
    Em síntese, não vejo futuro para esse bloco, e isso deve servir de alerta para a idéia de se unir o tal do MERCOSUL, com moedas, tarifas,etc., plenamente conversíveis.
    Enquanto isso, a CHINA continua em seu caminho.
    Nada de mexer no YUAN, nada de mexer nas suas txas de crescimento. Falta pouco para o domínio
    mundial.
    Aliás, alguns autores de livros de ficção científica falam em um GOVERNO MUNDIAL. Só que
    eles não pensaram que a lingua MUNDIAL
    seria o CHINÊS.

    Abraços - LEVY

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  2. Amigo VASCO:

    Você sabe que não sou economista.
    Mas acho que essa notícia tem que ser analisada por outros aspectos, como lógicos e históricos, ao invés de nos restringirmos a um momento.
    Retornando no tempo, vemos que as civilizações antigas só tinham duas COISAS: BENS e SERVIÇOS.
    Na época, essas entidades eram motivo de trocas entre as pessoas, e quem as tinha era que avaliava quanto valiam.
    Então surge a MOEDA, para valorizar (dar valor) a cada um dos componentes desses dois grupos, possibilitando algo que seria uma troca mais JUSTA entre os possuidores dessas entidades.
    Assim foi por muitos anos, até que se chega à chamada Era Moderna, com diversos países, diversas moedas, diversos interesses, diversa necessidades.
    Havia que colocar um REFERENCIAL para possibilitar essas trocas e, após a Segunda Guerra mundial, surge essa necessidade.
    Isso foi parcialmente satisfeito pelo estabelecimento do DÓLAR AMERICANO, inicialmente LASTREADO em reservas de OURO, como PADRÃO de troca entre as diversas moedas existentes à época.
    Disso se aproveitou os EEUU que inundaram a Europa com dólares, com uma condição: não poderiam ser gastos nos EEUU. Era o Plano MARSHALL; os países endividados teriam que pagar
    com seus produtos e serviços fixados em dólar.
    Você pode investigar essa fase da história melhor do que eu.
    Mas, voltando à EUROPA.
    A tentativa de criar uma UNIDADE EUROPÉIA está fadada ao INSUCESSO. Historicamente, vários países não passam de um amontoado de tribos, cada qual com seus valores, que vieram a se juntar em um PAÍS(?). Isso ocorreu, e ocorre, no Leste Europeu, bem como na região dos Balcans.
    Acresça-se a tal problemática, a situação das ex-colônias européias na África, que hoje se chama como parte do território europeu, pelo menos com a igualdade de nacionalidade sendo reivindicada por tais populações, praticamente no extremo da pobreza.
    Tudo isso leva a uma discussão que ultrapassa a Economia, e que parece não ter solução, pelo menos nos discursos e soluções propostas.
    Moeda única não é a solução. As diferenças étnicas, culturais e educacionais são mais profundas. As expectativas também o são.
    Em síntese, não vejo futuro para esse bloco, e isso deve servir de alerta para a idéia de se unir o tal do MERCOSUL, com moedas, tarifas,etc., plenamente conversíveis.
    Enquanto isso, a CHINA continua em seu caminho.
    Nada de mexer no YUAN, nada de mexer nas suas txas de crescimento. Falta pouco para o domínio mundial.
    Aliás, alguns autores de livros de ficção científica falam em um GOVERNO MUNDIAL. Só que eles não pensaram que a língua MUNDIAL seria o CHINÊS.

    Abraços - LEVY

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  3. Caro Levy,

    Concordo com você quanto à dificuldade de se manter um bloco com membros heterogêneos, mas não creio absolutamente que essa dificuldade se deva a razões étnicas ou culturais no sentido estrito desses termos. Conheço gente que tem carro do ano, mas não tem dinheiro para pagar o seguro do carro -- se esse cara bater no seu carro, você está ferrado. A União Europeia foi trombada pelo carro grego, depois pelo italiano, depois pelo espanhol, e nenhum deles pode pagar os estragos feitos no bloco. Na Grécia, a sonegação fiscal campeia como o jogo do bicho no Brasil -- é contravenção (e crime, também), mas todo mundo pratica e o governo tolera.

    A China é um exemplo infeliz, porque é um regime de mão de ferro -- quando ela se tornar um país democrático, e isso um dia vai acontecer inevitavelmente, a história será outra. É só compará-la com a Índia, que tem uma população praticamente igual à chinesa, mas que é o oposto à China em termos de democracia. A China lida com suas etnias com mão de ferro (sem falar no Tibete ...), e a Índia lida com suas castas com a luva da democracia.

    Ao contrário do que você diz, não acho que a União Europeia seja fadada ao fracasso. Mas, o Mercosul leva um jeito danado p'ra isso -- o grupo é fraco em quantidade e qualidade, os egos são inversamente proporcionais às economias, e as economias são monstrengos híbridos de capitalismo de Estado e capitalismo privado. E no Brasil, o maior do bloco, o Estado é um buraco sem fundo de corrupção que leva p'ro ralo boa parte dos impostos absurdos que pagamos.

    P'ra concluir, é bom torcermos e rezarmos para que a União Europeia e o euro sobrevivam (e, se os EUA se recuperarem, melhor ainda), porque senão nossa vaca vai também p'ro brejo.

    Abs,
    Vasco

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