segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Restrição de fábrica -- a guerra do direito autoral

O blogue Link, do jornal O Estado de S. Paulo, publica hoje um longo e interessante artigo de Cory Doctorow sobre a guerra do direito autoral na área da informática e o que nela nos espera. Ele é um jornalista e escritor canadense, coeditor do blogue BoinBoing, e conhecido crítico das leis de direitos autorais  -- é ativo apoiador da organização Creative Commons.

Como o artigo é muito longo, fica impossível reproduzí-lo aqui na íntegra. Tento fazer a seguir um apanhado de suas ideias, expressas no texto citado.

Ele alerta que a guerra do copyright não está longe do fim. A próxima etapa não tratará apenas de arquivos e cópia, mas também dos próprios computadores.

"Quero falar de computadores de finalidade geral. Isso porque os computadores de finalidade geral são, de fato, espantosos – tão espantosos que nossa sociedade ainda está lutando para chegar a termos com eles: imaginar para que eles servem, imaginar como acomodá-los, e como lidar com eles. O que, infelizmente, me traz de volta ao copyright.  Porque a forma geral das guerras de copyright e as lições que elas podem nos dar sobre as futuras lutas iminentes sobre o destino do computador de finalidade geral são importantes. No começo, tínhamos software empacotado, e a indústria afim, e tínhamos sneakernet (sistemas mais antigos de gravação e transmissão de dados de computação via disquetes e outros dispositivos). Assim, tínhamos disquetes em sacos com zíper, ou em caixas de papelão, pendurados com pregadores de roupa em lojas, e vendidos como pirulitos e revistas. E eles eram eminentemente suscetíveis de duplicação, e por isso eram duplicados rapidamente, e amplamente, e essa era a grande mágoa de pessoas que criavam e vendiam software".

"Entra a DRM (gestão de direitos digitais, na sigla em inglês) 0.96. Começaram a introduzir defeitos físicos nos discos ou a insistir em outros indícios físicos que o software poderia buscar – dongles (dispositivos de proteção), setores ocultos, protocolos de desafio/resposta que requeriam a posse física de manuais grandes e difíceis de manejar que eram difíceis de copiar, e, claro, eles fracassaram por duas razões. Primeiro, eram comercialmente impopulares [...]. E, segundo, eles não pararam os piratas, que acharam trivial modificar o software e contornar a autenticação".

[...]

"O que nos levou à DRM 1.0. [...] Seria possível comprar um livro por um dia, vender o direito a assistir um filme por um euro, e depois alugar o botão de pausa por um tostão por segundo. Seria possível vender filmes por um preço em um país, e outro preço em outro, e assim por diante; [...] Mas nada disso teria sido possível se não pudéssemos controlar a maneira como as pessoas usam seus computadores e os arquivos que transferimos a elas".

[...]

"Mas, como dizem na internet, “agora você tem dois problemas”. Agora será preciso também impedir que o usuário salve o arquivo enquanto ele está desbloqueado, e impedir que o usuário descubra onde o programa de desbloqueio armazena suas chaves, porque se o usuário descobrir as chaves, ele simplesmente decodificará o arquivo e jogará fora aquele estúpido aplicativo de reprodução.  E agora temos três problemas, porque agora é preciso impedir os usuários, que descobrem como desbloquear o arquivo, de compartilhá-lo com outros usuários, e agora temos quatro problemas, porque agora é preciso impedir os usuários que descobrem como extrair segredos de programas desbloqueados de dizerem a outros usuários quais eram os segredos! Isso é um monte de problemas. Mas em 1996, nós tínhamos uma solução".

"Tínhamos o Tratado de Copyright da OMPI (WIPO na sigla em inglês), aprovado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual das Nações Unidas, que criou leis que tornaram ilegal extrair segredos de programas de desbloqueio, e criou leis que tornaram ilegal extrair texto não codificado de mídia dos programas de desbloqueio, e criou leis que tornaram ilegal hospedar obras protegidas por copyright e segredos e tudo com um processo enxuto e prático que permitia retirar material da internet sem ter de mexer com advogados, juízes, e toda essa tralha.

[...]

"Bem, a história não termina assim porque quase todos que compreendiam computadores e redes compreendiam que essas leis criariam mais problemas do que poderiam resolver; [...]".

[...]

"Porque não sabemos como construir um computador de finalidade geral que seja capaz de rodar qualquer programa que possamos compilar exceto alguns programas dos quais não gostamos, ou que somos proibidos por lei, ou que nos faça perder dinheiro. A maior aproximação que temos disso é um computador com spyware – um computador em que partes remotas estabeleceram políticas sem o conhecimento do usuário do computador, por cima da objeção do dono do computador. E assim é que a gestão de direitos digitais converge sempre para o malware".

[...]

"Agora, pode parecer que a SOPA é o fim do jogo em uma longa luta sobre o copyright e a internet, e pode parecer que se derrotarmos a SOPA, estaremos a caminho de assegurar a liberdade de PCs e redes. Mas, como eu disse no início desta palestra, a questão não é o copyright, porque as guerras de copyright são apenas a versão beta 0,9 da longa guerra que está para vir na computação. Os elementos da indústria do entretenimento foram apenas os primeiros beligerantes nesse conflito secular futuro. Tendemos a pensar neles como particularmente bem-sucedidos – afinal, aí está a SOPA, à beira da aprovação [ver postagem anterior sobre isto], e quebrando a internet nesse nível fundamental em nome de preservar as 40 Mais em música, reality shows na TV e filmes de Ashton Kutcher!"

[...]

"Mas a realidade é que a legislação sobre copyright chega até onde chega precisamente porque não é levada a sério, razão porque, por um lado, Parlamento após Parlamento no Canadá introduziu um projeto de lei de copyright estúpido depois de outro, mas, por outro lado, Parlamento após Parlamento não conseguiu realmente votar a questão. É por isso que tivemos a SOPA, uma lei composta de molécula por molécula de pura estupidez, uma espécie de “Estupidez 250”, que é normalmente encontrada no coração de uma estrela nova, e é por isso que essas audiências apressadas da SOPA tiveram de ser adiadas no meio do caminho no período de Natal para que os legisladores pudessem entrar num debate nacionalmente infame realmente perverso sobre uma questão importante, o seguro desemprego".

[...]

"A liberdade no futuro requererá de nós que tenhamos a capacidade de monitorar nossos aparelhos e estabelecer uma política significativa sobre eles, examinar e eliminar os processos que rodam neles, mantê-los como honestos servidores de nossa vontade, e não como traidores e espiões trabalhando para criminosos, malfeitores e histéricos por controle. E ainda não perdemos, mas precisamos vencer as guerras de copyright para manter a internet e o PC livres e abertos. Como estes serão o arsenal nas guerras que virão, não poderemos combater sem eles".

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