Pesquisadores do Centro de Hematologia e Hemoterapia (Hemocentro) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Sangue (INCT Sangue), apoiado pela FAPESP, desvendaram o papel desempenhado por uma proteína – chamada ARHGAP21 – nesses processos de adesão e migração celular. Os resultados da pesquisa ganharam a capa do The Journal of Biological Chemistry (JBC), editado pela Sociedade Americana de Bioquímica e Biologia Molecular [ver resumo], e podem contribuir para o desenvolvimento de técnicas que possibilitem inativar essa proteína nas células tumorais para impedir o surgimento de metástases.
[Reproduzo abaixo a capa da edição de 25/1/2013 do JBC, referente ao artigo da equipe da Unicamp:
On The Cover: The cover shows DU145 cells undergoing epithelial-mesenchymal transition (EMT) after hepatocyte growth factor (HGF) treatment,
with intracolony space, retraction fibers, and disassembly of cell-cell contacts. ARHGAP21 protein, in blue, is expressed in the nucleus and at the Golgi apparatus; actin is in red. For details see the article by Barcellos et al., pages 2179–2189.]
“O grande problema de um tumor é a metástase. Se conseguirmos
bloqueá-la, será possível impedir a propagação de células cancerosas
para outros órgãos e aumentar a chance de cura”, disse Karin Spat Albino
Barcellos, primeira autora do artigo, à Agência FAPESP.
Barcellos conta que a ARHGAP21 foi sequenciada e descrita pela
professora Sara Teresinha Olalla Saad, coordenadora do Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) do Sangue, durante o Projeto
Genoma Humano do Câncer, realizado pela FAPESP em parceria com o
Instituto Ludwig e concluído em 2002. Ainda não se sabia, no entanto,
qual era o papel desempenhado pela proteína nas células.
Nos últimos anos, durante um Projeto Temático
coordenado por Saad, Barcellos e outros pesquisadores participantes do
estudo descobriram que a ARHGAP21 regula o citoesqueleto (responsável
por manter a forma das células e as junções celulares) e atua nas
proteínas Rho-GTPases – grupo de aproximadamente 20 proteínas que
regulam o movimento, adesão, migração e diferenciação das células. “Vimos que as Rho-GTPases precisam da ARHGAP21 durante a formação da
adesão célula-célula, e que a ARHGAP21 participa desse processo ao ficar
entre as junções celulares e, depois de algumas horas que ele é
concluído, ela vai embora. Por isso, ainda não tínhamos conseguido ver a
presença da ARHGAP21 no processo de adesão célula-célula”, explicou
Barcellos.
Para observar o comportamento da ARHGAP21 nos processos de adesão e
migração celular, o grupo fez em laboratório um experimento que simula o
desenvolvimento de uma metástase. Denominada transição epitelial-mesenquimal, a técnica de simulação in vitro
de metástase já era explorada por grupos de pesquisa em outros países,
como os do Departamento de Fisiologia e Desenvolvimento Biológico da
Brigham Young University em Utah, nos Estados Unidos. Ao fazer um estágio em Utah com a reserva técnica de seu projeto de pós-doutorado,
realizado com Bolsa da FAPESP, no âmbito do Projeto Temático coordenado
por Saad, Barcellos conheceu a técnica e decidiu replicá-la para
analisar as funções da ARHGAP21em adesão e migração celular ao retornar
ao Brasil.
Uma das hipóteses dos pesquisadores antes de iniciar o experimento era
de que, como a ARHGAP21 tem um papel estratégico na adesão celular, ao
retirá-la de células humanas tumorais de câncer de próstata durante os
testes em laboratório, a sua migração e, consequentemente, a metástase,
seria muito maior do que a observada em células cancerígenas com a
proteína. Ao aplicar nas células cancerígenas sem a ARHGAP21 frações de HGF – um
hormônio produzido principalmente pelo fígado, que faz com que as
células se separem uma das outras para formar os órgãos e tecidos na
fase embrionária –, os pesquisadores constataram, no entanto, que elas
nem se moviam e não ocorria metástase. “No começo, achamos que estávamos errando em alguma fase do experimento,
como esquecer de colocar o HGF. Porém, repetimos várias vezes o
experimento e vimos que, de fato, sem ARHGAP21 as células cancerígenas
não se soltam e não migram. Esse resultado nos surpreendeu”, afirmou
Barcellos.
Os pesquisadores descobriram que, na realidade, a ARHGAP21 está
localizada na via de sinalização do HGF das células e regula a transição
epitelial-mesenquimal. As células sem a proteína na via de sinalização
do HGF, por exemplo, sentem a presença do hormônio, mas não conseguem se
soltar uma das outras. “Demonstramos que é possível bloquear metástases induzidas por HGF por meio da inativação da ARHGAP21 em testes in vitro”,
afirmou Barcellos. “Ainda não sabemos, no entanto, se é possível
inativar essa proteína em humanos, porque ela deve exercer muitas outras
funções, inclusive benéficas, nas células".
Por meio de um novo Projeto Temático,
também apoiado pela FAPESP e coordenado pela professora Sara Saad, os
pesquisadores pretendem realizar simulações de diversos tipos de tumores
em camundongos com células cancerígenas sem a ARHGAP21. “Será muito importante testarmos isso agora em camundongos e ver se
funciona para avaliar a possibilidade de utilizar a técnica em humanos
para bloquear metástase”, disse Barcellos. “Talvez seja preciso tirar a ARHGAP21 só das células com tumor ou
bloquear o sítio da proteína que sente o HGF, para que a proteína possa
desempenhar as outras funções benéficas”, estima.
Contribuição do LaCTAD
Segundo Barcellos, algumas das principais imagens dos experimentos – como a que ilustra a capa da edição de janeiro do The Journal of Biological Chemistry – foram capturadas por meio de um novo microscópico confocal, adquirido pela Unicamp com apoio do Programa Equipamentos Multiusuários (EMU) da FAPESP. O microscópio, além de diversos outros equipamentos que a universidade
adquiriu por meio do projeto, estão reunidos no Laboratório Central de
Tecnologias de Alto Desempenho em Ciências da Vida (LaCTAD), inaugurado
na Unicamp no início de março.
Unidade multiusuário concebida nos moldes das facilities
existentes em instituições de pesquisa no exterior, o laboratório dispõe
de equipamentos de última geração, para que pesquisadores possam fazer
experimentos nas áreas de genômica, bioinformática, proteômica e
biologia celular. O parque instrumental do laboratório contou com investimentos de cerca
de R$ 6 milhões. A contrapartida da Unicamp foi a construção do prédio e
a contratação de pessoal.
“Era um anseio da comunidade científica da Unicamp ter um laboratório
multiusuário com algumas infraestruturas pesadas de manutenção
centralizadas e suporte institucional para termos pessoal treinado e
capacitado para operar os equipamentos”, disse a professora Sara Saad,
integrante do Conselho Administrativo do LaCTAD. “Não daria para fazer a imagem do artigo que ilustra a capa do The Journal of Biological Chemistry, em que é possível ver a transição epitelial-mesenquimal, se não tivéssemos a expertise
da pessoa que operou o equipamento e analisou as imagens, que foi
contratada pelo LaCTAD, além da própria pesquisadora e o microscópio
adquirido com recursos da FAPESP”, avaliou Sara Saad, que também é uma
das autoras do artigo.
Para Barcellos, a possibilidade de dispor de um equipamento como o
microscópio confocal – que o LaCTAD utilizou para analisar o papel da
ARHGAP21 na formação da adesão celular – foi fundamental tanto para as
descobertas que fizeram no estudo como para se certificar de que os
resultados estavam corretos. “Se não tivéssemos usado um microscópio confocal de última geração como o
utilizado para obter as imagens, poderíamos ficar em dúvida, por
exemplo, se a proteína estava localizada no citoplasma ou no núcleo da
célula”, explicou Barcellos. “Ao contar com um equipamento como esse, foi possível termos a certeza
de que a ARHGAP 21 migra para o núcleo da célula cancerígena durante a
metástase, como demonstra a imagem que ilustra a capa do The Journal of Biological Chemistry”, afirmou.
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