Uma das mais tradicionais faculdades de Engenharia do País, a Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) aprovou na semana
passada uma grande reforma no currículo de seus cursos. A ideia é
facilitar o trânsito dos alunos pelas diversas modalidades da
Engenharia, formando profissionais mais generalistas. A mudança está
sendo acompanhada de perto pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica
(ITA), que também deve alterar sua grade de disciplinas da graduação
neste ano.
As mudanças surgem na esteira de uma revolução no perfil do engenheiro.
Também coincidem com o avanço do interesse dos estudantes pela carreira.
O ano de 2011 foi o primeiro em que o número de ingressos em Engenharia
superou o de Direito. A procura por Administração ainda é maior.
Se tudo ocorrer como o esperado na USP, os calouros de 2014 já vão notar
as diferenças: o ciclo básico, de disciplinas de Exatas, será diluído
em cinco semestres (hoje se concentra nos quatro primeiros). Assim,
haverá espaço para matérias de Engenharia no começo do curso – uma
reivindicação antiga dos alunos, que se dizem desmotivados pelo
“paredão” de Física e Matemática. Em outra frente, a escola criou módulos no quinto (e último) ano dos
cursos. O aluno poderá fazer um pacote de disciplinas de outra
modalidade da Engenharia e conseguir registro profissional para
desenvolver algumas atividades da área. Ou então se especializar ainda
mais na carreira e virar, por exemplo, um engenheiro eletrônico
habilitado a trabalhar com processamento de sinais.
A nova organização do currículo vai possibilitar que o aluno inicie
disciplinas do mestrado antes mesmo de terminar a graduação. Também
poderá cumprir os últimos créditos da formação em universidades
estrangeiras. Cada calouro terá um professor tutor, que o ajudará a definir o
percurso. “Os cursos serão mais parecidos, então o tutor será
fundamental para orientar a escolha das disciplinas optativas”, diz o
professor Paul Jean Jeszensky, que coordenou o projeto de mudança.
Inovação
Pesquisador do tema, o professor Roberto Lobo, ex-reitor da USP, vê uma
forte relação entre o currículo do estudante de Engenharia e a futura
capacidade de inovação. “O novo engenheiro precisa de uma formação mais
abrangente e menos focada para ser capaz de se adaptar rapidamente aos
novos conceitos e tecnologias, além de gerar inovação".
A excessiva fragmentação da carreira é questionada também por outras
escolas de elite. O ITA, por exemplo, deve reduzir a carga horária dos
seis cursos e oferecer disciplinas optativas que habilitem o aluno a
desenvolver outras atividades. Segundo o reitor, Carlos Américo Pacheco,
haverá campos secundários de estudos: Engenharia Física (foco em
matérias de Física e Matemática), de Sistemas (para o setor
aeroespacial) e de Inovação (em que o aluno desenvolverá projetos para o
consumidor). “Queremos estimular novos negócios e a formação de
empreendedores”, afirma.
No novo modelo, o centro de inovação que será construído com empresas
privadas no câmpus em São José dos Campos terá papel central. “As
companhias vão propor desafios a alunos, que deverão encontrar soluções
inovadoras”, diz Pacheco. Odebrecht e Embraer já demonstraram interesse
em participar. A Poli também terá laboratório de inovação e
empreendedorismo.
Interdisciplinar
Na Federal do ABC, a formação curricular mais ampla existe desde a
criação dos cursos, em 2006. A diferenciação começa pelo modo de
ingresso. Alunos entram em bacharelados interdisciplinares, com
currículo de três anos. No segundo quadrimestre, podem escolher
disciplinas além das obrigatórias. Quem se matricula em Ciência &
Tecnologia pode seguir para uma das oito Engenharias que a UFABC
oferece. “Além de permitir que o aluno construa a grade, ele pode se formar em
duas áreas. Cada estudante vai ter uma característica”, explica Gilberto
Martins, do Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Aplicadas da
UFABC. O aluno ainda poderá iniciar o mestrado após o bacharelado,
juntamente com a Engenharia.
Por causa da proposta interdisciplinar, houve dificuldades para que os
alunos entendessem o curso. Mas Martins diz que hoje essa característica
tem sido valorizada. “Estamos com três colações de grau por ano. Os
alunos precisam ser contratados".
Lá fora
Apesar das reformas no ensino, o Brasil ainda está longe de outros
países. O analista Bruno Amorim, de 27 anos, foi buscar uma formação
plural e abrangente na Europa. Ele se formou em 2010 em Engenharia
Mecânica na Poli, mas também garantiu diploma na École Centrale Paris,
onde fez intercâmbio por dois anos. “O fato de não focar em uma
Engenharia te permite estudar diversas áreas e ter uma visão do que é de
fato a Engenharia". Na França, Bruno conseguiu estudar Finanças, Gestão de Empresas e
Esportes. “Tive aula de Biologia focada em Biotecnologia”, conta. Como
muitos engenheiros, o mercado financeiro era seu objetivo. Depois dos
estudos, engatou um ano no BNP Paribas, em Paris. Voltou ao Brasil para
finalizar os créditos na USP em 2010, ano em que ingressou no Banco
Santander, onde está hoje.
O ainda estudante João Paulo Catanoce, de 28, também pegou o avião. Como
bolsista do programa federal Ciência sem Fronteiras, o aluno de
Engenharia de Materiais do Mackenzie passou um ano na Universidade da
Colúmbia Britânica, no Canadá. Desenvolveu pesquisa sobre novas
tecnologias de mineração de ouro, mas não ficou só nisso. “No Canadá,
tive aula até de Sociologia e Antropologia. Quando um aluno de
Engenharia vai ter isso no Brasil?”. Catanoce se forma no ano que vem. O plano é dar continuidade à pesquisa
da qual participou, talvez voltar ao Canadá. Mas, com propostas
surgindo, sabe que tudo pode mudar. “Se a oportunidade for boa, vou
abraçar. E continuar a pesquisa aqui no Brasil é complicado, o valor da
bolsas é muito baixo".
Resistência
Por trás das mudanças, está uma resolução do Conselho Federal de
Engenharia e Agronomia (Confea) que visa a habilitar os profissionais
conforme o histórico escolar. Pela norma, o nome da especialidade não
basta para credenciar os engenheiros em determinada área. É preciso
analisar a trajetória acadêmica. Segundo José Geraldo Baracuhy, do
Confea, as novas regras começarão a valer em 2014. Até lá, cada conselho
regional vai ganhar um software para “ler” o currículo de
recém-formados e indicar que atividades poderão desempenhar.
Insper
O Insper quer, em 2015, lançar um novo curso de Engenharia. A proposta
surge da demanda por alguém que não se encontra no mercado. “Precisamos
de um empreendedor, inovador, que saiba trabalhar em equipe, gerenciar
projetos e equipes multidisciplinares”, diz Irineu Gianesi, diretor de
Novos Projetos Acadêmicos.
Além de enfatizar o desenvolvimento de habilidades interpessoais, outro
diferencial será a integração com os demais cursos do Insper – de
Administração e Economia. Em parceria com o Olin College, de Boston, o
novo curso aposta no modelo de aprendizado hands on, que destaca a
execução de projetos e o princípio da motivação intrínseca dos alunos.
No currículo, a inovação nasce dos componentes de design orientados ao
usuário e do empreendedorismo, seguindo o conceito do Olin de que a
Engenharia deve preocupar-se com a oportunidade de mercado, a
viabilidade técnica e a viabilidade econômica das soluções. (Luiza Dias Vieira, especial para o Estado.)
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