[O artigo de hoje, no Globo, do sociólogo Demétrio Magnoli, é outro texto perfeito sobre a submissão dos governos petistas do NPA e da doce Dona Dilma a interesses empresariais privados que não coincidem com os interesses do país. O trio PT, NPA e Dilma mostra sua face hipócrita -- joga para a arquibancada, dizendo-se contra as privatizações, mas privatiza nosso dinheiro e a Petrobras para ajudar Eike Batista. No texto abaixo, onde estiver escrito "Lula" leia-se NPA, Nosso Pinóquio Acrobata. Ver postagens anteriores sobre Eike -- uma 05/4/2013 e a outra em 11/4/2013.]
Eike, emblema e indício
Demétrio Magnoli (*) - O Globo, 25/4/2013
Eike Batista valia US$ 1,5 bilhão em 2005, US$ 6,6 bi em 2008, US$ 30 bi
em 2011 e US$ 9,5 bilhões em março passado, depois de 12 meses nos
quais seu patrimônio encolheu num ritmo médio de US$ 50 milhões por dia.
Desconfie das publicações de negócios quando se trata do perfil dos
investimentos de grandes empresários. Apenas cinco anos atrás, uma
influente revista de negócios narrou a saga de Eike sem conectá-la uma
única vez à sigla BNDES. Mas o ciclo de destruição implacável de valor
das ações do Grupo X acendeu uma faísca de jornalismo investigativo.
Hoje, o nome do empresário anda regularmente junto às cinco letrinhas
providenciais — e emergem até mesmo reportagens que o conectam a outras
quatro letrinhas milagrosas: Lula.
A história de Eike é, antes de tudo, um emblema do capitalismo de estado
brasileiro. Durante o regime militar, Eliezer Batista circulou pelos
portões giratórios que interligavam as empresas mineradoras
internacionais à estatal Vale do Rio Doce. Duas décadas depois, seu
filho converteu-se no ícone de uma estratégia de modernização do
capitalismo de estado que almeja produzir uma elite de megaempresários
associados à nova elite política lulista.
“O BNDES é o melhor banco do mundo”, proclamou Eike em 2010, no
lançamento das obras do Superporto Sudeste, da MMX. O projeto, orçado em
R$ 1,8 bilhão, acabava de receber financiamento de R$ 1,2 bilhão do
banco público de desenvolvimento, que também é sócio das empresas LLX,
de logística, e MPX, de energia. No ano seguinte, o banco negociou com o
empresário duas operações de injeção de capital no valor de R$ 3,2
bilhões, aumentando em R$ 600 milhões sua participação na MPX e abrindo
uma linha de crédito de R$ 2,7 bilhões para as obras do estaleiro da
OSX, orçadas em pouco mais de R$ 3 bilhões, no Porto do Açu, da LLX.
Hoje, o endividamento do Grupo X com o banco mais generoso do mundo gira
em torno de R$ 4,5 bilhões — algo como 23% do seu valor total de
mercado.
“A natureza sempre foi generosa comigo”, explicou Eike. “As pessoas
ricas foram as que mais ganharam dinheiro no meu governo”, explicou
Lula. A política, não a economia, a “natureza” ou a sorte, inflou o
balão do Grupo X. Dez anos atrás, o BNDES não era “o melhor banco do
mundo”. Ele alcançou essa condição por meio de uma expansão assombrosa
de seu capital deflagrada no fim do primeiro mandato de Lula da Silva. A
mágica sustentou-se sobre o truque prosaico da transferência de
recursos do Tesouro Nacional para o BNDES. O dinheiro ilimitado que
irrigou o Grupo X e impulsionou uma bolha de expectativas desmesuradas
no mercado acionário é, num sentido brutalmente literal, seu, meu,
nosso, dos filhos de todos nós e das crianças que ainda não nasceram,
mas pagarão a conta da dívida pública gerada pela aventura do empresário
emblemático.
Eike é emblema, mas também indício. A saga da célere ascensão e do ainda
mais rápido declínio do Grupo X contém uma profusão de pistas, ainda
não exploradas, das relações perigosas entre o círculo interno do
lulismo e o mundo dos altos negócios.
Na condição de “consultor privado”, em julho de 2006, o ex-ministro José
Dirceu viajou à Bolívia, num jatinho da MMX, exatamente quando o
governo de Evo Morales recusava licença de operação à siderúrgica de
Eike. Nos anos seguintes, impulsionado por um fluxo torrencial de
dinheiro do BNDES, o Grupo X atravessou as corredeiras da fortuna.
Durante a travessia, em 2009, o empresário contou com o beneplácito de
Lula para uma tentativa frustrada de adquirir o controle da Vale, pela
compra a preço de oportunidade da participação acionária dos fundos de
pensão, do BNDES e do Bradesco na antiga estatal. Naquele mesmo ano, o
fracasso de bilheteria “Lula, o filho do Brasil”, produzido com
orçamento recordista, contou com o aporte de um milhão de reais do
empreendedor X.
A parceria entre os dois “filhos do Brasil” não foi abalada pela
reversão do movimento da roda da fortuna. Em janeiro passado, a bordo do
jato do virtuoso empresário, Eike e o ex-presidente visitaram o Porto
do Açu. O tema do encontro teria sido um plano de transferência para o
Açu de um investimento de R$ 500 milhões de um estaleiro que uma empresa
de Cingapura ergue no Espírito Santo. Em março, depois que Lula
recomendou-lhe prestar maior atenção às demandas dos empresários, Dilma
Rousseff reuniu-se com 28 megaempresários, entre eles o inefável X. Dias
depois, numa reunião menor, a presidente e um representante do BNDES
teriam se sentado à mesa com Eike e seus credores privados do Itaú,
Bradesco e BTG-Pactual.
Equilibrando-se à beira do abismo, o Grupo X explora diferentes
hipóteses de resgate. O BNDES, opção preferencial, concedeu um novo
financiamento de R$ 935 milhões para a MMX e analisa uma solicitação da
OSX, de créditos para a construção de uma plataforma de petróleo.
Entrementes, diante da deterioração financeira do “melhor banco do
mundo”, emergem opções alternativas. No cenário mais provável, o Porto
do Açu seria resgatado por uma série de iniciativas da Petrobras e da
Empresa de Planejamento e Logística. A primeira converteria a imensa
estrutura portuária sem demanda em base para a produção de petróleo na
Bacia de Campos. A segunda esculpiria um pacote de licitações de modo a
ligar o porto fincado no meio do nada à malha ferroviária nacional,
assumindo os riscos financeiros da operação.
No registro do emblema, a vasta mobilização de empresas estatais e
recursos públicos para salvar o Grupo X pode ser justificada em nome da
“imagem do país no exterior”, como sugere candidamente o governo, ou da
proteção da imagem do próprio governo e de seu modelo de capitalismo de
estado, como interpretam as raras vozes críticas. No registro do
indício, porém, o resgate em curso solicitaria investigações de outra
ordem e de amplas implicações — que, por isso mesmo, não serão feitas.
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(*) Demétrio Magnoli é sociólogo
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