[O texto abaixo é da autoria de Elio Gaspari e foi publicado hoje nos jornais O Globo e Folha de S. Paulo. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]
Quem comprou um lote de ações da OGX de Eike Batista quando ela foi
lançada, em 2008, pagou R$ 1.200. Hoje ele vale R$ 150. Milhares de
pessoas tomaram esse tombo, sem que houvesse uma crise na economia ou
cataclismo. Pequenos e grandes investidores acreditaram num negócio e
deram-se mal. Assim é o mercado.
Diante das dificuldades do bilionário brasileiro, surgiram duas linhas
de argumentação defendendo um socorro da Viúva. Quase todas vindas da
privataria, outras, do comissariado.
Numa, Eike Batista deve ser amparado para evitar que suas dificuldades
comprometam a imagem do Brasil junto ao mercado de investidores
internacionais.
Ou então ele deve receber alguma proteção para evitar um risco sistêmico.
O primeiro argumento é uma falsidade. Imagine-se um investidor
americano, em seu escritório de Chicago, recebendo a informação de que o
governo brasileiro amparou o empresário que em 2011 foi listado como o
homem mais rico do país, com US$ 30 bilhões, e anunciou que pretendia
ser o primeiro do mundo. Ele tem grandes empreendimentos, mantém uma
Mercedes SLR McLaren atrás de uma vidraça de sua sala de estar e
disputou num programa de televisão a lingerie que pertencera a sua
mulher. Já veio a público defender o seu direito de emprestar um jatinho
para autoridades federais, estaduais e municipais. Na última campanha
do governador Sérgio Cabral pingou R$ 2 milhões. Noutra, do prefeito
Eduardo Paes, botou R$ 500 mil. Ademais, ele tem patrimônio para
oferecer ao mercado. O governo ampararia um empresário que em 2007
criticava a falta de "cultura de risco" de seus pares.
O sinal que o investidor estrangeiro recebe é o do triunfo, no Brasil,
do capitalismo de compadrio. Ele já viu o fim desse filme na Coreia em
1997, na Espanha em 2008 e na Grécia em 2010.
O segundo argumento, mencionando um "risco sistêmico", merece ser
traduzido: trata-se de usar dinheiro da Viúva para blindar bancos
oficiais e privados que emprestaram dinheiro ao grupo EBX, assumindo
riscos maiores que os dos acionistas. Típico resgate do andar de cima.
Coisa de pelo menos R$ 13 bilhões. Uns R$ 8 bilhões saíram do BNDES e da
Caixa, que lidam com recursos públicos. Outros R$ 5 bilhões foram
emprestados por banqueiros e fundos que tinham "cultura de risco".
Imagine-se a seguinte situação: Em 2008 Guido Coutinho comprou R$ 1,2
milhão de ações da OGX. Nesse mesmo ano, um grande banco emprestou R$
120 milhões a uma empresa de Eike Batista. Mais tarde, sem relação com o
investimento que fizera, Guido fez um empréstimo de R$ 1,2 milhão no
mesmo banco que comprou o "risco Eike". Hoje, o bom Guido está com R$
150 mil na sua carteira de ações e, com seu trabalho, tudo paga o que
deve ao banco. Ele sabe que nos próximos anos não recuperará o
investimento que fez nas ações, mas o banco que emprestou a Eike quer o
seu. Como metade do crédito saiu do BNDES, o capitalismo de compadrio
poderá colocar Guido Coutinho no pior dos mundos: perdeu nas ações,
pagou o que devia e o dinheiro dos seus impostos, convertido em aportes
do Tesouro, seria usado para refrescar os bancos que emprestaram a Eike.
O mesmo acontecerá se, por meio de alguma gambiarra, a Viúva
capitalizar as empresas X para fechar a conta com a banca privada.
Fracassada a tentativa de transferir um estaleiro capixaba para a
carteira do grupo X, surgiu uma manobra no mercado: a Petrobras pode
entrar no empreendimento do porto de Açu. Metade dessa grande obra está
pronta, recebeu R$ 4 bilhões de investimentos, emprega oito mil pessoas e
tem muito para dar certo. A doutora Graça Foster informou que a empresa
ainda não pensou nesse assunto. Se a Petrobras quiser entrar no Açu
pode-se perguntar por que esse interesse só apareceu agora, já que o
projeto existe desde 2007.
Se a estatal se decidir por essa transação, fará bem se exibir uma
transparência a que não está habituada, mostrando todos os números aos
seus acionistas. O petrocomissariado pode provar que está diante de uma
boa ocasião para fechar um grande negócio: basta contratar uma auditoria
internacional para referendar sua opinião, mostrando custos e preços.
[Vejam também:
Eike Batista, o milagreiro em causa própria
Santas Casas e empresas de Eike Batista -- dois exemplos emblemáticos da visão petista do bem-estar da população
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