terça-feira, 9 de abril de 2013

Clima, um tema sensível (III)

[Ver postagem anterior.]

Nuvens de incerteza

Isso significa também que a afirmativa de que o clima é menos sensível às emissões de CO₂ do que se pensava antes não pode basear-se apenas nos modelos empregados. Tem que haver outras explicações -- e, como acontece, elas existem: influências climáticas individuais e sistemas de realimentação (feedback loops) que amplificam (e algumas vezes atenuam) a mudança climática.

Comecemos com os aerossóis, como os de sulfatos. Eles interrompem o aquecimento da atmosfera refletindo a luz solar. Mas, alguns deles também aquecem. Mas, no somatório dos efeitos, os aerossóis contrabalançam o impacto aquecedor do dióxido de carbono e de outros gases de efeito estufa. A maioria dos modelos climáticos calcula que os aerossóis resfriam a temperatura em cerca de 0,3 - 0,5°C. Se isso subestimou os efeitos dos aerossóis, pode ser que explique a falta de aquecimento recente. Entretanto, não explica. Na realidade, aquele resfriamento pode estar superestimado. Nos anos recentes, as medições relativas a aerossóis melhoraram enormemente. Dados detalhados de satélites e de balões sugerem que seu efeito de resfriamento é menor, e sua geração de aquecimento, maior. A avaliação vazada do IPCC -- ainda sujeita a análise e revisão -- sinalizava que o "empuxo" radioativo estimado para os aerossóis (seu efeito aquecedor ou resfriador) havia mudado de menos 1,2 watts por metro quadrado da superfície da Terra avaliado em 2007 para menos 0.7 W/m² agora, ou seja, menos resfriamento.

Um dos aerossóis mais comuns e mais importantes é a fuligem (também conhecida como carbono negro). Ela aquece a atmosfera porque absorve a luz solar, como ocorre com o que é negro. O estudo mais detalhado da fuligem foi publicado em janeiro, e também encontrou um aquecimento líquido maior do que se tinha pensado anteriormente. Esse estudo calculou que a fuligem tem um efeito de aquecimento direto de cerca de 1,1 W/m². Embora efeitos indiretos possam minimizar parte disso, o efeito é ainda maior do que uma estimativa anterior feita pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que foi de 0,3 - 0,6 W/m².

Tudo isso torna o período recente de  temperaturas invariáveis ainda mais confuso e enigmático. Se os aerossóis não estão resfriando a Terra tanto como se pensava, então o aquecimento deveria estar se acelerando -- mas não está. Algo tem que estar freiando-o, e um candidato para isso é uma sensibilidade climática mais baixa.

Uma possibilidade relacionada a isso é que os modelos de circulação geral estejam superestimando o impacto da nuvens (que são elas próprias influenciadas pelos aerossóis).  Em todos esses modelos, as nuvens amplificam o aquecimento global, algumas vezes bastante. Mas, como diz o estudo vazado da IPCC, "a realimentação (feedback) das nuvens continua sendo o feedback radioativo mais incerto nos modelos climáticos". Pode até ser possível que algumas nuvens amorteçam, em vez de amplificar o aquecimento global -- o que também pode ajudar a explicar o hiato nas temperaturas crescentes. Se as nuvens tiverem um efeito menor, a sensibilidade climática seria mais baixa.

Assim, a explicação pode estar no ar -- mas, novamente, pode não estar. Talvez esteja nos oceanos -- mas, aqui também há fatos em sentido contrário. Ao longo da década passada, o aumento no longo prazo das temperaturas das águas da superfície do mar parecem ter estacionado (ver fig. 2), o que sugere que os oceanos não estão absorvendo tanto calor da atmosfera.

O mar fresco (anomalia do conteúdo de calor do oceano superior), em zettajoules (*) - Fonte: Marina do Pacífico, Laboratório Ambiental - (*) 1 zettajoule = 10²¹ joules - (Gráfico: The Economist).

Como no caso dos aerossóis, essa conclusão se baseia em dados melhores de dispositivos de medição recentes -- mas se aplica apenas aos 700 m superiores do mar. É obscuro o que se passa abaixo disso, particularmente em profundidades de 2 km ou mais. Um estudo de Kevin Trenberth, do Centro Nacional para Pesquisa Atmosférica dos EUA, e outros autores, publicado nas Geophysical Research Letters concluiu que 30% do aquecimento oceânico verificado na década passada ocorreram em oceano profundo (abaixo de 700 m). O estudo afirma que uma parcela substancial do aquecimento está indo para os oceanos, e os oceanos profundos estão se aquecendo de uma maneira sem precedentes. Se assim for, isso também ajudaria a explicar aquele hiato na temperatura. 

Duplo A menos [*]

Por fim, há alguma evidência de que a variabilidade climática natural -- não provocada pelo homem -- pode ser algo maior do que a IPCC pensou. Um artigo recente de Ka-Kit Tung e Jiansong Zhou nos Proceedings of the National Academy of Sciences [ver abstrato aqui] vincula as mudanças de temperatura desde 1750 a fatores naturais (tais como as temperaturas do mar no Oceano Atlântico), e sugere que "as tendências de aquecimento global geradas pelo homem podem ter sido superestimadas por um fator 2 na segunda metade do século 20". É possível, portanto, que tanto os aumentos de temperatura nos anos 1990s como o nivelamento dos anos 2000s tenham sido causados em parte pela variabilidade natural.

Assim sendo, o que vale isso tudo? Os cientistas estão cautelosos quanto à interpretação de seus resultados. Como diz o Dr. Knutti, "o resultado final é que há várias linhas de evidência, nas quais as tendências observadas estão pressionando para baixo enquanto os modelos estão pressionando para cima. Então, na minha avaliação pessoal, a avaliação total não mudou muito". Mas, tendo em vista o hiato no aquecimento e as evidências recentes, uma pequena redução nas estimativas da sensibilidade climática pareceria justificada: um pequeno empurrão para baixo em várias das melhores estimativas de 3°C para 2,5°C , talvez; um teto mais baixo (para cerca de 4,5°), certamente. Se os cientistas climáticos fossem agências de classificação de riscos, a sensibilidade climática estaria sob vigilância de viés negativo mas não seria ainda rebaixada.

A sensibilidade climática de equilíbrio é uma referência (benchmark) na ciência do clima, mas é uma medição ou parâmetro muito específico. Ela tenta descrever o que aconteceria com o clima depois que todos os mecanismos de feedback tivessem atuado inteiramente -- equilíbrio, nesse sentido, leva séculos para ocorrer, um tempo excessivamente longo para a maioria dos formuladores de políticas. Como Gerard Roe, da Universidade de Washington, argumenta, mesmo que a sensibilidade climática fosse tão alta como a IPCC sugere, seus efeitos seriam minúsculos sob qualquer taxa de redução plausível por ela atuar por períodos tão longos. Desse modo, uma coisa é indagar/buscar como a sensibilidade climática pode estar se alterando, outra diferente é indagar/buscar que consequências podem ocorrer na formulação de políticas [climáticas].

Uma medição ou parâmetro mais útil para satisfazer a isso é a Resposta Climática Transitória (TCR, em inglês), que é a temperatura a que se chega após duplicar o CO₂ gradualmente ao longo de 70 anos [que número mágico é esse "70"?]. Diferentemente da resposta de equilíbrio, a transitória pode ser observada diretamente, há muito menos controvérsia a respeito dela. A maioria das estimativas coloca a TCR em cerca de 1,5°C , com uma faixa de 1 - 2°C. Isaac Held, da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA, calculou recentemente sua "melhor estimativa pessoal" para a TCR: 1,4°C , refletindo as recentes estimativas para aerossóis e variabilidade climática natural. 

Isso soa tranquilizador: a TCR está abaixo das estimativas para a sensibilidade climática de equilíbrio. Mas, a TCR captura apenas parte do aquecimento que aqueles 70 anos de emissões iriam gerar ao final, porque o dióxido de carbono permanece na atmosfera por muito mais tempo.

Como uma regra do polegar, as temperaturas globais aumentam em cerca de 1,5°C para cada trilhão de toneladas de carbono despejado na atmosfera [aqui é preciso ter cuidado com as cifras -- por se tratar de uma publicação inglesa, e não americana, um trilhão vale 10¹⁸ (o trilhão americano é como o nosso, 10¹²)]. O planeta bombeou para a atmosfera meio trilhão de toneladas de carbono desde 1750, e as temperaturas aumentaram em 0,8°C. Nas taxas de emissão atuais, o próximo meio trilhão de tonelas será emitido por volta de 2045, e o seguinte ocorrerá antes de 2080.

Como o CO₂ se acumula na atmosfera, isso poderia aumentar as temperaturas em cerca de 2°C em comparação com os níveis pré-industriais, mesmo com uma sensibilidade menor, e talvez ficar mais próximo de 4°C no extremo superior das estimativas.  Apesar de todo o trabalho feito em torno da sensibilidade climática, ninguém na realidade sabe como o clima reagiria se as temperaturas subisse tanto como 4°C -- o que é quase nada tranquilizador.
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(*) Para entender o "duplo A menos" (2AA-) veja a tabela das agências de classificação de risco -- essa classificação está na fronteira entre nota alta e boa:


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