[No dia 28 de março passado, a revista Época publicou uma longa e documentada reportagem sobre a estranha liquidação que a Petrobras vem fazendo de seus ativos na Argentina. Reproduzo a seguir trechos dessa reportagem. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade. Ver postagem anterior sobre o assunto.]
Na quarta-feira, dia 27 de março, o executivo Carlos Fabián, do grupo
argentino Indalo, esteve no 22o andar da sede da Petrobras, no Rio de Janeiro, para fechar o negócio de sua vida. É lá que funciona a Gerência de Novos Negócios da Petrobras,
a unidade que promove o maior feirão da história da estatal – e talvez
do país. Sem dinheiro em caixa, a Petrobras resolveu vender grande parte
de seu patrimônio no exterior, que inclui de tudo: refinarias, poços de
petróleo, equipamentos, participações em empresas, postos de
combustível. Com o feirão, chamado no jargão da empresa de “plano de
desinvestimentos”, a Petrobras espera arrecadar cerca de US$ 10 bilhões.
De tão estratégica, a Gerência de Novos Negócios reporta-se diretamente
à presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster. Ela acompanha
detidamente cada oferta do feirão. Nenhuma causou tanta polêmica dentro
da Petrobras quanto a que o executivo Fabián viria a fechar em sua
visita sigilosa ao Rio: a venda de metade do que a estatal tem na
Petrobras Argentina,
a Pesa. ÉPOCA teve acesso, com exclusividade, ao acordo confidencial
fechado entre as duas partes, há um mês. Nele, prevê-se que a Indalo
pagará US$ 900 milhões por 50% das ações que a Petrobras detém na Pesa.
Apesar do nome, a Petrobras não é a única dona da Pesa: 33% das ações
dela são públicas, negociadas nas Bolsas de Buenos Aires e de Nova York.
A Indalo se tornará dona de 33% da Pesa, será sócia da Petrobras no
negócio e, segundo o acordo, ainda comprará, por US$ 238 milhões, todas
as refinarias, distribuidoras e unidades de petroquímica operadas pela
estatal brasileira – em resumo, tudo o que a Petrobras tem de mais
valioso na Argentina.
O negócio provocou rebuliço dentro da Petrobras por três motivos: o
valor e o momento da venda, a identidade do novo sócio e, sobretudo, o
tortuoso modo como ele entrou na jogada. Não se trata de uma preocupação
irrelevante – a Petrobras investiu muito na Argentina nos últimos dez
anos. Metade do petróleo produzido pela Petrobras no exterior vem de lá.
Em 2002, a estatal brasileira gastou US$ 1,1 bilhão e assumiu uma
dívida estimada em US$ 2 bilhões, para comprar 58% da Perez Companc,
então a maior empresa privada de petróleo da Argentina, que já tinha
ações negociadas na Bolsa. Após sucessivos investimentos, a Perez
Companc passou a se chamar Pesa, e a Petrobras tornou-se dona de 67% da
empresa. Nos anos seguintes, a Petrobras continuou investindo
maciçamente na Pesa: ao menos US$ 2,1 bilhões até 2009. Valeu a pena. A
Pesa atua na exploração, no refino, na distribuição de petróleo e gás e
também na área petroquímica. Tem refinarias, gasodutos, centenas de
postos de combustível. Em maio de 2011, a Argentina anunciou ter
descoberto a terceira maior reserva mundial de xisto – fonte de energia
em forma de óleo e gás –, estimada em 23 bilhões de barris, equivalentes
à metade do petróleo do pré-sal brasileiro. A Pesa tem 17% das áreas na
Argentina onde se identificou esse produto. No ano passado, por fim, a
Pesa adquiriu uma petroleira argentina, a Entre Lomos, que proporcionou
um aumento em sua produção.
Apesar dos investimentos da Petrobras, quando a economia da Argentina
entrou em declínio, há cerca de dois anos, as ações da Pesa
desvalorizaram. As desastrosas políticas intervencionistas da presidente
Cristina Kirchner
contribuíram para a perda de valor da Pesa. De 2011 para cá, as ações
da empresa caíram mais de 60%. É por isso que técnicos da Petrobras
envolvidos na operação questionam se agora é o melhor momento para fazer
negócio – por mais que a Petrobras precise de dinheiro. Seria mais
inteligente, dizem os técnicos, esperar que a Pesa recupere valor no
mercado. Reservadamente, por medo de sofrer represálias, eles também
afirmam que os bens da Petrobras na Argentina – as distribuidoras,
refinarias e unidades de petroquímica que constituem a parte física do
negócio – valem, ao menos, US$ 400 milhões. Um valor bem maior,
portanto, que os US$ 238 milhões acordados com a Indalo. “Se o governo
não intervier tanto, a Pesa pode valer muito mais”, diz um dos técnicos.
A Petrobras, até dezembro do ano passado, tinha um discurso semelhante.
Na última carta aos acionistas, a Pesa diz: “Estamos otimistas em
relação ao futuro da Petrobras Argentina. E agora renovamos o
compromisso de consolidar uma companhia lucrativa, competitiva e
sustentável, comprometida com os interesses do país (Argentina)...”.
Em outro trecho da carta, informa-se que os resultados do ano passado
foram “encorajadores” e permitiram, como nos cinco anos anteriores, a
distribuição de dividendos milionários aos acionistas.
(...) Como o “czar do jogo” da Argentina virou sócio da Petrobras? No dia 5 de
novembro do ano passado, López enviou uma carta, em espanhol, à
presidente da Petrobras, Graça Foster. Na carta, a que ÉPOCA teve
acesso, López revela ser um homem bem informado. Não se sabe como, mas
ele descobrira que a Petrobras estava negociando a venda da Pesa com
três de seus concorrentes. O assunto da carta, embora em economês,
deixava claras as intenções do empresário López: “Ref. Pesa Proposta de
aquisição e integração de ativos”. López, portanto, queria comprar um
pedaço da Pesa. Na carta, ele manifestou a “firme intenção de chegar a
um entendimento entre Pesa e Oil Combustibles S.A.”, a empresa de
petróleo de López, para que a operação viesse a ser fechada. No
documento, López propôs comprar 25% das ações que a Petrobras detinha na
Pesa. Queria também a opção de, se a parceria desse certo, comprar mais
23,52% das ações – uma proposta mais modesta do que o acordo que ele
conseguiu depois.
A resposta da Petrobras também veio por escrito, semanas depois. No dia
21 de novembro, Ubiratan Clair, executivo de confiança de Graça Foster,
que toca o feirão da Petrobras e negociava a venda da Pesa aos
concorrentes do “czar do jogo”, escreveu a López: “Nos sentimos honrados
pelo interesse manifestado na compra de 25% (da Pesa). No
entanto, devemos indicar que as ações da Pesa não fazem parte de nossa
carteira de desinvestimentos, razão pela qual não podemos iniciar
qualquer negociação relativa às mesmas”. Diante do que aconteceu em
seguida, a carta do assessor de Graça Foster causa espanto. Não só ele
escondeu que a Pesa estava, sim, à venda – como, semanas depois, fechou
acordo com o próprio López. No dia 18 de dezembro, menos de um mês após a
inequívoca negativa, o mesmo assessor de Graça Foster firmou um
“convênio de confidencialidade” com López para lhe vender a Pesa.
O que houve nesse espaço de um mês? Por que a Petrobras mudou de ideia e
resolveu fechar negócio com López? A estatal não explica. Assessores
envolvidos na operação dizem apenas que “veio a ordem” de fechar com o
amigo de Cristina Kirchner. Procurada por ÉPOCA em três oportunidades, a
assessoria da Petrobras limitou-se a responder que “não vai emitir
comentários sobre assuntos relacionados com o seu Programa de
Desinvestimento”. Graça Foster e o executivo Ubiratan não responderam às
ligações. A assessoria de López confirmou apenas que o grupo Indalo fez
uma proposta pela Pesa.
(...) Depois que a Petrobras fechou o acordo de confidencialidade com López, o
negócio andou rápido. Ele apresentou uma proposta em 7 de janeiro,
aumentou o valor numa segunda proposta, um mês depois – e fechou a
compra das ações por US$ 900 milhões em 22 de fevereiro. Com o acordo,
López e a Petrobras discutem agora os detalhes do contrato a ser
assinado. Se tudo correr como previsto, resta apenas a aprovação do
Conselho de Administração da Petrobras, que se reunirá no final de
abril. A Pesa, porém, enfrentará resistências na Argentina se assinar o
contrato. O atual governador de Santa Cruz, Daniel Peralta, um desafeto
de López, ameaçou tirar dele as concessões das sete reservas de petróleo
que López tem na região. Peralta diz que ele não fez os investimentos
previstos. Diz, ainda, que a situação em Santa Cruz pode “inviabilizar” o
negócio com a Petrobras – mas não diz como.
O maior problema do negócio da Petrobras com o “czar do jogo”, e com
todas as operações do feirão, é a falta de transparência. Como demonstra
o caso da Argentina, não há critérios claros para a escolha das
empresas que farão negócio com a Petrobras. Esse modelo sigiloso e sem
controle resultou em calamidades, como a compra da refinaria de
Pasadena, nos Estados Unidos. Em 2004, a Astra Trading pagou US$ 42
milhões pela refinaria. Meses depois, a Petrobras pagou US$ 360 milhões
por metade do negócio. Tempos depois, um desentendimento entre as sócias
levou a questão à Justiça. A Petrobras perdeu e foi condenada a comprar
não só a parte da sócia, como a pagar multa, juros e indenização. Em
junho, a Petrobras anunciou que pagaria mais US$ 820 milhões. [Ver postagem anterior sobre o assunto.]
ÉPOCA teve acesso a um documento interno da Petrobras, elaborado em
2009. Um trecho afirma que a então diretoria, comandada pelo petista
José Sergio Gabrielli, decidiu manter o processo devido à “prepotência”
com que a Astra se colocava no caso. Logo depois, o documento lista
razões para fazer um acordo. Uma delas é que um representante da Astra
procurara a Petrobras em busca de entendimento. A razão mais forte era
clara: “Caso no litígio a Petrobras perca, o custo total irá para cima
de US$ 1 bilhão (...). Vale lembrar que a Petrobras já perdeu na
arbitragem, e a possibilidade de perder na corte é preocupante”. A opção
do acordo era a menos pior. A Petrobras gastaria, no máximo, US$ 639
milhões. O documento afirma que a (então) “ministra (de Minas e Energia)
Dilma Rousseff deverá ser procurada para ser informada de que a Astra
está procurando entendimentos, inicialmente por canais informais”. O
texto diz que Dilma Rousseff deveria comunicar isso na reunião do
Conselho da Petrobras, marcada para 17 de julho de 2009. O Conselho
daria então um prazo para um acordo com a Astra. O pior cenário
sobreveio. A Petrobras não fez nenhum acordo com a Astra, perdeu na
Justiça e gastou mais de US$ 1 bilhão (boa parte dele dinheiro público) –
24 vezes o que a Astra pagou pela refinaria. O Tribunal de Contas da
União investiga como a Petrobras pôde fazer um negócio tão ruim – pelo
menos para seu caixa e para os cofres públicos.
A ausência de critério, segundo executivos da Petrobras, aparece também
na parte mais valiosa do feirão: as operações da estatal na África.
Cálculos do mercado e da Petrobras estimam o patrimônio no continente
num patamar entre US$ 5 bilhões e US$ 8 bilhões. A Petrobras produz e
explora petróleo em Angola, Benin, Gabão, Líbia, Namíbia, Nigéria e
Tanzânia. De 2003 a 2010, investiu cerca de US$ 4 bilhões na África.
ÉPOCA teve acesso a documentos internos da Petrobras que apresentam um
diagnóstico sobre os negócios na África que devem ser vendidos,
incluindo mapas com a localização dos poços e informações sobre seu
potencial produtivo. O material mostra muitas possibilidades de lucro. A
maior fatia de investimento está na Nigéria, responsável por 23% da
produção atual de toda a área internacional da companhia – uma média
equivalente a 55 mil barris de óleo por dia. São três poços na Nigéria:
Agbami, Akpo e Engina. Os documentos da Petrobras mostram que os três
poços têm “reservas provadas” de 150 milhões de barris de petróleo.
Para quem a Petrobras planeja vender tamanho tesouro? A estatal, de
novo, não explica os critérios. Até agora, a única negociação avançada é
com o grupo BTG, do banqueiro André Esteves. Por meio do investidor
Hamylton Padilha, uma das mais poderosas influências na Petrobras,
Esteves, segundo executivos da estatal envolvidos com a transação,
negocia a compra de parte das operações na Nigéria. Questionado por
ÉPOCA, Padilha afirmou ter se reunido com representantes do banco para
avaliar investimentos na Petrobras. “Conversei com o pessoal (BTG) sobre
esse assunto (venda de ativos da Petrobras). A Petrobras
convidou diversas empresas estrangeiras para poder fazer ofertas no
Golfo do México, África e até na América Latina. Sei que na área de
petróleo eles (BTG) estão olhando. Têm participação em duas empresas
ligadas ao setor: Bravante e Sete Brasil”, disse. “Não trabalho para o
BTG. Sou investidor. Investi algum dinheiro na Sete Brasil (ligada à construção de plataformas de petróleo).”
Indagado sobre quem é a pessoa mais indicada para falar, pelo BTG,
sobre investimentos na Petrobras, sobretudo na África, Padilha disse: “A
pessoa que trata desse assunto diretamente é o André Esteves”. O BTG
disse que não se manifestaria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário