A produção científica brasileira, medida pela quantidade de trabalhos acadêmicos publicados em periódicos especializados, está em ascensão. Mas a qualidade dos trabalhos não acompanha o ritmo.
O cenário foi encontrado em informações tabuladas pela Folha a partir da base aberta de dados Scimago (alimentada pela plataforma Scopus, da editora de revistas científicas Elsevier). Ela traz números da produção científica de 238 países.
De 2001 para 2011, o Brasil subiu de 17º lugar mundial na quantidade de artigos publicados para 13º -- uma conquista que costuma ser comemorada em congressos científicos do país. Em 2011, os pesquisadores brasileiros publicaram 49.664 artigos. O número é equivalente a 3,5 vezes a produção de 2001 (13.846 trabalhos). O problema é que a qualidade dos trabalhos científicos, medida, por exemplo, pelo número de vezes que cada estudo foi citado por outros cientistas (o chamado "impacto"), despencou.
O Brasil passou de 31º lugar mundial para 40º. China e Rússia, por outro lado, ganharam casas no ranking de qualidade nesse período.
Como é feita a escala da qualidade (clique na imagem para ampliá-la) - (Ilustração: Editoria de Arte/Folhapress).
Mais brasileiros
Segundo especialistas ouvidos pela Folha, um dos motivos do salto de
produção com queda de qualidade foi o aumento do número de periódicos
brasileiros listados nas bases de dados: de 62 para 270 em dez anos. "Isso aconteceu por causa de uma política de abertura para revistas
científicas nacionais de países como Brasil, China e Índia", explica o
cienciometrista da USP Rogério Meneghini, coordenador da base Scielo,
que reúne 306 periódicos brasileiros.
O problema é que os trabalhos de periódicos científicos brasileiros têm
pouco impacto. Apenas 16 dessas revistas receberam, em 2011, uma ou mais
citações por artigo. Para ter uma ideia, cada artigo da revista
britânica "Nature" recebeu cerca de 36 citações.
O maior impacto entre os periódicos nacionais é igual a 2,15, da revista "Memórias do Instituto Oswaldo Cruz".
"Cerca de 45% dos trabalhos científicos que recebemos são de autores
estrangeiros", conta Francisco José Ferreira da Silva Neto, do corpo
executivo do periódico.
Mas não são apenas os periódicos nacionais que derrubam o impacto da ciência brasileira no mundo.
"A política atual de ensino superior no Brasil pressiona para que os
pesquisadores publiquem mais e para que publiquem de qualquer jeito",
diz o biólogo Marcelo Hermes-Lima, da UnB (Universidade de Brasília). [Essa é a velha conhecida e extremamente perniciosa regra do "publish or perish" (publique ou morra), que acaba desaguando no estímulo à quantidade em detrimento da qualidade, como parece estar ocorrendo no país. Mas, aqui vale igualmente a velha máxima: nada, em lugar nenhum, acontece de graça e de maneira isolada. É só analisar com calma o cenário político, ético e moral de um bom tempo para cá, para se verificar o forte estímulo ao fisiologismo, à malandragem e à avacalhação em prejuízo da meritocracia. É só desfolhar a margarida e observar o que anda acontecendo na política, na gestão da coisa pública, na saúde pública, no ensino público, no respeito à ética, etc, etc.]
Salame
Cientistas brasileiros acabam desmembrando trabalhos parrudos em artigos com menos impacto, fenômeno conhecido como "salame".
"Cada descoberta é fatiada e publicada separadamente", explica Fernando
Reinach, biólogo que deixou a academia e agora está na iniciativa
privada. "O número de trabalhos aumenta, as descobertas ficam
semelhantes e o impacto diminui".
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