[A notícia abaixo, publicada no jornal O Estado de S. Paulo ("Estadão") do dia 21/9, é mais um caso em que atividades que põem em risco a segurança e até a vida de cidadãos só são descobertas por denúncias anônimas -- o Estado, a quem cabem a obrigação e a responsabilidade de cuidar disso, descumpre o que é de seu mister ou é omisso em suas funções.]
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) abriu um processo
administrativo contra a Trip Linhas Aéreas para investigar o uso de um
procedimento de pouso não autorizado, considerado de "alto risco" pelo
órgão. A companhia aérea confirmou que foi notificada sobre a questão
nesta quinta-feira e orientou seus pilotos a não utilizarem mais o
procedimento.
"A empresa Trip recorrentemente realiza procedimentos de aproximação não
aprovados em sua especificação operativa", disse relatório de
fiscalização da Anac de 27 de agosto, obtido pelo Estadão.
A Anac recebeu denúncia anônima sobre o uso pela Trip de uma técnica de
pouso chamada RNAV Approach. A técnica usa instrumentos de precisão,
como GPS, e permite à empresa voar a alturas mais baixas antes de
pousar, segundo o professor do curso de Ciências Aeronáuticas da PUC-RS,
Ênio Dexheimer. Com isso, a empresa tem condições de pousar mesmo com
visibilidade baixa, evitando sobrevoar até que as condições melhorem ou
ter de se dirigir a outro aeroporto - o que aumentaria o custo [filosofia da Trip: poupar gastos, que se danem a segurança e as vidas de passageiros e tripulantes].
O uso da técnica requer a certificação da empresa e do avião, o que a
Trip não possui. E, mesmo com o certificado, as companhias só podem
pousar em aeroportos onde o procedimento é autorizado pelo Departamento
de Controle do Espaço Aéreo (Decea). "Como resultado do processo, a
empresa poderá ser autuada, sujeitando-se à imposição de sanções
administrativas", disse a Anac, em comunicado ao Estado. Se confirmadas
as irregularidades, as sanções poderão ir de multas à suspensão dos voos
da empresa.
A fiscalização da Anac flagrou o uso do procedimento em pelo menos três
voos da Trip em agosto, nos aeroportos de Juiz de Fora (MG) e nos
catarinenses Criciúma e Joinville, segundo o documento de 27 de agosto.
Outro relatório, de 4 de setembro, diz que a Anac encontrou anotações de
pilotos da Trip que definem alturas mínimas para o pouso com a técnica
de aproximação por instrumentos em 15 aeroportos onde o procedimento não
é autorizado pelo Decea.
Segundo quatro especialistas consultados pelo Estado, o uso da técnica
sem certificação compromete a segurança. "É uma infração grave do
regulamento do setor aéreo", disse o comandante Carlos Camacho, diretor
de segurança de voos do Sindicato Nacional dos Aeronautas. "Só o Decea
pode criar o procedimento. Nenhum piloto pode fazer isso. O risco é
errar na precisão e atingir um obstáculo, por exemplo".
A Trip disse que sua operação é segura. "O procedimento RNAV Approach é
uma técnica moderna e muito segura", disse o presidente da Trip, José
Mario Caprioli. Ele admitiu que a empresa vinha utilizando a técnica,
mas o procedimento foi suspenso na quarta-feira após determinação da
Anac.
Anac recomenda afastamento de diretores da Trip
As investigações da operação da Trip podem resultar na intervenção da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) na empresa e no afastamento de membros da diretoria. A recomendação está em relatório de fiscalização
da empresa, datado de 27 de agosto, e obtido pela reportagem. "Face ao
risco envolvido nas operações da empresa Trip Linhas Aéreas,
recomenda-se a substituição do diretor de Operações (Fernando Paes
Barros) e também do diretor de Segurança Operacional, Rafael Cohen", diz
o documento.
O relatório, assinado por três agentes da Anac, também recomenda a
"intervenção da Anac na área operacional da empresa" e o encaminhamento
do processo ao Ministério Público Federal, pois "os fatos também se
enquadram no rol dos ilícitos penais". A Anac informou que o processo
ainda está em curso e a empresa tem direito a se defender. As
recomendações dos fiscais poderão ou não ser adotadas no fim da
investigação, que ainda não tem uma data definida. A Anac abriu processo
administrativo contra a Trip Linhas Aéreas para investigar o uso de um
procedimento de pouso não autorizado, considerado de "alto risco" pelo
órgão.
[O que se depreende dessa história é mais uma falha absurda e inadmissível da Anac, engrossando o currículo de ineficiência e incompetência dela em particular, e das agências regulatórias em geral. Foi preciso uma denúncia anônima para a Anac se dar conta de uma infração de alto risco -- como a própria Anac a classifica -- que a Trip vinha cometendo "recorrentemente". A Anac nos deve as seguintes explicações, pelo menos: - a) quantas vezes significa esse"recorrentemente" e há quanto tempo isso vem acontecendo?; - b) por que a Anac não detetou antes essa infração de alto risco da Trip, e só tomou dela conhecimento após uma denúncia anônima?; - c) dado o número significativo de aeroportos em que a infração foi cometida (15), como se explica essa falha da Anac? Nenhum desses aeroportos possui torre de controle de voos ou algo equivalente? Esses agentes locais não são obrigados a reportar a ninguém esse tipo de falha da Trip?!
Pelo visto, fica evidente que, se depender da Anac, nossa segurança em voos, pousos e decolagens está entregue às baratas ou a uma bendita denúncia anônima, porque para as empresas aéreas (para a Trip, pelo menos) somos meros cifrões.]
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