[Pode ser que tenhamos deixado de ser o país do futuro, mas continuamos ainda como um país com excesso de impunidade e de incoerências éticas, morais e legais inexplicáveis e inaceitáveis. Como pode um mesmo país conviver com, e aceitar, um julgamento como o do mensalão que nos enche de orgulho e de fundadas esperanças por dias de uma política mais ética e menos imunda, e permanecer anestesiado diante do teatro de horrores éticos que é a CPI do Carlinhos Cachoeira?! Como admitir que crimes sejam escancarados e outros permaneçam obviamente implícitos, e que uma empresa (Delta Engenharia) se revele aberta e abusivamente uma usina de corrupção desenfreada, com canais de distribuição de dinheiro e receptores -- pessoas físicas e jurídicas -- dessa dinheirama claramente identificados, e se acene abertamente com a conclusão dos trabalhos sem a punição de quem quer que seja?!
O texto abaixo é da autoria de João Bosco Rabello e foi publicado hoje no blogue Política do jornal O Estado de S. Paulo. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]
A decisão do comando da CPI do Cachoeira de congelar as atividades até o
primeiro turno das eleições enterra, na prática, a tentativa de
aprofundar as investigações dos laços da construtora Delta com o governo
federal. É a terceira vez, em 20 anos, que o Congresso barra o avanço
de uma comissão de inquérito que se propôs a investigar as relações das
empreiteiras com o poder público.
A primeira tentativa nesse sentido ocorreu em 1993, na esteira da CPI do
Orçamento, por iniciativa da deputada Márcia Cibilis Viana (PDT-RJ). A
partir de um caderno de anotações de um diretor da construtora Norberto
Odebrecht, apreendido pela Polícia Federal, com os nomes de mais de cem
políticos ligados à empresa, integrantes da comissão propuseram abrir
nova linha de investigação com foco na atuação dos corruptores. Um dos
nomes que figuravam no caderno do diretor da Odebrecht era o do próprio
relator da CPI, deputado Roberto Magalhães.
Como a CPI do Orçamento não quis aprofundar essa investigação, Márcia
Cibilis propôs a criação de uma “CPI mista das Empreiteiras”, ou dos
“Corruptores”, a fim de “apurar denúncias de corrupção e suborno na
atuação de empreiteiras junto ao setor público”. A comissão chegou a ser
criada e ter os integrantes indicados pelos líderes, mas jamais foi
instalada. Com o tempo, o foco sobre os empresários diluiu-se ante o
início das cassações de deputados, e na sequência, da campanha eleitoral
de 1994.
Uma segunda tentativa de investigar as empreiteiras ocorreria dois anos
depois, em 1995, por iniciativa do senador Pedro Simon (PMDB-RS), também
em decorrência da CPI do Orçamento. O peemedebista queria investigar
quais eram as empresas que haviam alimentado os esquemas de PC Farias e
dos “anões do orçamento”. No entanto, após a sua criação, o colegiado
nunca chegou a ser instalado. Foi esvaziado pelos líderes partidários,
que nunca indicaram os seus integrantes.
Durante reunião da CPI [de Carlinhos Cachoeira] na semana passada, Pedro Simon lembrou as tentativas frustradas de investigar os corruptores: “Há muito tempo, eu sinto a mágoa e o ressentimento de que Câmara e
Senado não têm competência e capacidade para buscar o empresário, uma
pessoa importante, a figura do corruptor”, desabafou Simon. “Temos muito peito, até do presidente fizemos o impeachment. Vários
senadores, vários deputados, empresário nenhum, banqueiro nenhum”,
lamentou o peemedebista.
A suspensão dos trabalhos da CPI do Cachoeira, ainda que temporária,
joga uma pá de cal sobre a tentativa de aprofundar a investigação da
Delta, porque ainda que posteriormente sejam aprovados novos
requerimentos de quebra de sigilos das empresas de fachada ligadas à
empreiteira, não haverá tempo hábil para o recebimento das informações.
Isso porque a comissão funciona até 4 de novembro, e um acordo firmado
entre PT, PMDB, PR e PSDB impede a sua prorrogação.
A suspeita dos senadores Álvaro Dias (PSDB-PR), Randolfe Rodrigues
(PSOL-AP) e do deputado Rubens Bueno (PPS-PR) – e que depende de novas
quebras de sigilos bancário e fiscal – é que a Delta patrocinaria, junto
com Carlos Cachoeira, um esquema de desvio de recursos públicos para o
financiamento de campanhas eleitorais e pagamento de propinas. “Como
justificar empresas de fachada, criadas em sua grande maioria a partir
de 2008, recebendo significativas somas em períodos próximos a
eleições?”, questiona Álvaro Dias.
Um levantamento feito pelo senador tucano, a partir dos dados bancários
da Delta nos últimos dez anos, mostra que foram repassados mais de R$
420 milhões a 18 empresas supostamente fantasmas ligadas à Delta,
distribuídas entre cinco Estados (Goiás, São Paulo, Distrito Federal,
Rio de Janeiro e Espírito Santo). As mais favorecidas foram S.P.
Terraplenagem Ltda. (R$ 46 milhões), Power To Ten Engenharia Ltda. (R$
43 milhões), ambas em Santana de Paranaíba (SP) e Adécio & Rafael
Construções Ltda. (R$ 37 milhões) em Novo Gama (GO). O levantamento aponta, ainda, que os repasses a essas empresas dobram
nos anos eleitorais. Em 2009, esse valor totalizou R$ 47,9 milhões. No
ano seguinte, de eleição presidencial, os repasses subiram para R$ 117,1
milhões. [Os partidos e governadores dos Estados citados são: Goiás (PSDB - Marconi Perillo), São Paulo (PSDB - Geraldo Alckmin -- o PSDB governa o Estado desde 1995, com uma interrupção de apenas um ano (2006-2007), quando foi governado por Cláudio Lembo, do PFL), Distrito Federal (PT - Agnelo Queiroz), Rio de Janeiro (PMDB - Sérgio Cabral Filho), Espírito Santo (PSB - Renato Casagrande) -- diante desses nomes, fica fácil entender porque o PT, o PMDB e o PSDB fizeram conchavo para não prorrogar a CPI após o 4 de novembro vindouro, a chance de respingar lama indelével em seus governadores é enorme. Chegamos então à seguinte situação surreal: ficou mais do que evidente que Carlinhos Cachoeira e Fernando Cavendish (Delta) distribuiram dinheiro sujo a mancheias, uma enxurrada de empresas laranjas da Delta foi identificada país afora, e a CPI entrega os pontos sem levar ou indiciar ninguém p'ra cadeia?! Ninguém pode ou quer botar os pilantras para ver o sol nascer quadrado?!]
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