[Depois de se prestar a um papel deplorável, mesquinho e a médio e longo prazos absolutamente contrário aos nossos interesses -- principalmente quanto a Itaipu -- de "congelar" o Paraguai no Mercosul e, assim, tirar do cenário o único voto contrário ao ingresso da Venezuela nesse bloco, o Brasil agora ensaia uma de Madalena arrependida e fala em "se esforçar para reintegrar o Paraguai ao Mercosul". Além de tardia, essa posição brasileira é profundamente hipócrita, além de distorcer os fatos -- o Paraguai não saiu do Mercosul, ele foi "saído" do bloco numa jogada de baixo nível de envergonhar qualquer diplomacia que se preze.]
O Paraguai é "vizinho de primeira importância" para o Brasil e o governo brasileiro fará esforços para reintegrar o país ao Mercosul, disse
nesta quarta-feira o ministro de Relações Exteriores, Antônio Patriota,
que participa neste momento de audiência na comissão de Relações
Exteriores da Câmara dos Deputados. "Não existe mais tolerância ou aceitação de aventuras antidemocráticas
na região. a democracia é o pressuposto do aprofundamento da
integração", disse o ministro, ao relatar o processo de suspensão do
Paraguai, por consenso entre os demais sócios do Mercosul e os países
associados da União das Nações da América do Sul (Unasul), devido ao
impeachment do ex-presidente Fernando Lugo.
O Paraguai ainda tem "centralidade" da política externa brasileira, pela
sociedade em Itaipu, pelos 250 mil a 300 mil brasileiros que vivem no
país e pelos laços econômicos bilaterais, argumentou Patriota. [Como se explica então o papel decisivo do Brasil para a rasteira sem-vergonha dada no Paraguai?!]
O ministro defendeu a decisão de incorporar a Venezuela como membro
pleno do bloco, não só pelos interesses econômicos e comerciais, mas
também pelo papel do país como potência energética, e pelo "potencial
extraordinário" do vizinho. A entrada da Venezuela mostra que a
influência do Mercosul não se limita à região Sul país e poderá
beneficiar as regiões Amazônica, Norte e Nordeste, argumentou.
[...] Ele informou, ainda, que a entrada da Venezuela no bloco, decidida em
junho, terá como consequência, ainda, a ampliação dos recursos
destinados ao Fundo de Compensação Estrutural (Focem), hoje de US$ 100
milhões anuais, usado para financiar obras de infraestrutura e de
redução das assimetrias entre as economias no Mercosul.
[O Itamaraty está, arriscadamente, dando uma de "sopra e morde" com o Paraguai. Depois de nos ferrar em verde e amarelo, alterando injustificada e subservientemente o Tratado de Itaipu para acolher mais uma chantagem dos paraguaios, o Itamaraty fez essa baixaria com o Paraguai no Mercosul. Nossos ilustres diplomatas deixaram prontinho o caldo de cultura para esses nossos vizinhos nos chantagearem com Itaipu, que será sempre uma pedra no nosso sapato. Para entender melhor o pepino que é Itaipu, recomendo fortemente a leitura do artigo abaixo de Elio Gaspari, publicado no Globo em 15 de agosto passado. O Itamaraty não deve ter ficado nada satisfeito com a revelação de detalhes dos bastidores de Itaipu que vinham sendo mantidos sigilosos pelo nosso Ministério das Relações Exteriores.]
Itaipu é uma encrenca fabricada
Elio Gaspari - O Globo (15/8/2012)
As colinas de Golan envenenam as relações de Israel com a Síria e a
Jordânia, mas foi o Padre Eterno quem as colocou lá. A hidrelétrica de
Itaipu virou um espinho nas relações do Brasil com o Paraguai, mas foi
produzida pela megalomania da ditadura militar. A velha história de
“maior do mundo”, “Brasil grande”, “Ame-o ou deixe-o”.
Se os generais tivessem dado atenção ao embaixador Guimarães Rosa,
que chefiava a divisão de fronteiras do Itamaraty, não teriam
reconhecido que o Paraguai tinha soberania sobre a outra margem do Rio
Paraná. Em 1966, ele sustentava que se criara uma disputa fronteiriça na qual a
ditadura-irmã do general Alfredo Stroessner apresentava argumentações
“desastradas, falseadas e declaradas sem pejo”. Na sua mesa do Itamaraty, com uma cumbuca cheia de lápis de cor,
Guimarães Rosa era capaz de mostrar exatamente onde ficaria a tão
sonhada hidrelétrica, objeto do desejo dos paraguaios.
Se tivessem ouvido o engenheiro Octávio Marcondes Ferraz (1896-1990),
presidente da Eletrobrás e construtor de Paulo Afonso, não teriam
compartilhado a hidrelétrica com o Paraguai, nem afogado as cataratas de
Sete Quedas. Ele defendia a construção de uma série de pequenas barragens dentro do
território brasileiro. Partiu-se para a maior hidrelétrica do mundo. Uma metade da energia ficaria com o Brasil e a outra, com o Paraguai.
Como ele não tinha o que fazer com ela, venderia sua parte para o
Brasil.
Marcondes Ferraz bateu em todas as portas, nada. Brincava-se de
geopolítica, acreditando-se que o tratado assinado por Stroessner seria
eterno. Em 2006 o governo paraguaio forçou uma revisão marota do acordo. No ano
seguinte o companheiro Fernando Lugo fez campanha defendendo um novo
ajuste e ameaçou levar o Brasil à Corte de Haia. Acertou-se com Lula,
mas o problema continuou do mesmo tamanho.
Depois da estudantada de julho da doutora Dilma, suspendendo o Paraguai
do Mercosul para abraçar o companheiro Hugo Chávez, o presidente
Federico Branco reabriu a questão. Fez isso em termos vagos dizendo que
não pretende “ceder” a energia de seu país. Como ele não cede coisa
alguma, pouco haveria a discutir. Em vez de tratar a questão na suavidade das negociações diplomáticas, os
companheiros partiram para cima. Trataram-no como um demagogo. Era o
que ele queria, a mobilização política de seu país.
Atualmente o Paraguai só consome 8% da energia produzida por Itaipu.
Cada quilowatt da hidrelétrica é essencial para a economia brasileira.
Do outro lado do Equador, há duas grandes nações de olho nessa energia
barata. A China, porque precisa, já andou namorando projetos no
Paraguai. Os Estados Unidos, porque finalmente ganharam uma oportunidade
para colocar um pé no país.
Há quase 50 anos, Guimarães Rosa procurou, sem sucesso, apontar os
perigos de um debate irracional. Se dependesse dele, talvez a
hidrelétrica estivesse em outro lugar. Prevaleceram falsos argumentos geopolíticos, sonhos de marquetagem e a encrenca está aí.
Se a doutora Dilma tirar o Paraguai da agenda pública do seu governo,
poderá negociar numa posição mais confortável do que aquela em que se
meteram os militares.
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