[O texto abaixo é de autoria do jornalista Cristian Klein, e foi publicado no jornal Valor Econômico de 06/9. Embora não concorde integralmente com o autor, acho que expõe alguns pontos dignos de interesse e análise. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]
Como Lula [o Nosso Pinóquio Acrobata] passou de protetor a protegido
Cristian Klein - Valor Econômico (06/9/2012)
Os anos Dilma Rousseff têm sido caracterizados pela queda inédita das
taxas de juros e uma administração de coloração tecnocrática, mas ainda
não representaram uma grande inovação. A margem de manobra da presidente
é menor depois da conquista da estabilidade econômica, na era Fernando
Henrique Cardoso (PSDB), e do avanço social ocorrido no período de seu
padrinho político Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
[o Nosso Pinóquio Acrobata - NPA].
Dilma precisa de uma marca. Até agora tem sido ela mesma, com o estilo
duro, o temor que desperta nos assessores mais próximos e as demissões
em série que levaram à queda de quase uma dezena de ministros. Neste
ano, Dilma estava um tanto quieta e faltava esbravejar com alguém.
Sobrou para Fernando Henrique. O tucano levou um pito da presidente por ter criticado em artigo a
"herança pesada" que Lula
[NPA] teria legado para ela. O assunto é um
nhenhenhém, como diria o próprio FHC, em torno do qual ele e Lula
[NPA] já
debateram muito publicamente. A novidade é a resposta de Dilma e seu tom
"overreacting".
[Ver postagem anterior sobre a resposta de Dilma a FHC.]
A reação desperta um monte de interpretações, mas nenhuma deveria partir
da premissa de que o exagero foi resultado da emoção. Para uma atitude
desta magnitude, em meio às eleições municipais e com os riscos
envolvidos à imagem da presidente, há pouco de impulso e muito de
cálculo político. Dilma iniciou seu governo estabelecendo justamente um contraponto em
relação ao padrinho. Lula
[NPA], nos dois mandatos, sempre esteve às rusgas
com FHC. Mas a presidente aproximou-se do tucano, conferiu-lhe um
tratamento especial e até enviou-lhe carta elogiosa no aniversário de 80
anos. Era uma amizade republicana, a despeito das diferenças
ideológicas e partidárias que Dilma sabia existir.
O que mudou, então?
A discussão sobre heranças malditas ou benditas poderia ter continuado
entre dois velhos ex-presidentes. Lula
[NPA] já recuperou a voz para correr o
país, subir palanques e dar declarações de apoio a seus candidatos a
prefeito. Poderia muito bem ter respondido. Dilma, no entanto, comprou a
briga com FHC. Houve senso de oportunidade. O efeito simbólico é imediato. Lula
[NPA], de uma hora para outra, passou de
protetor a protegido. A estratégia de fortalecimento da imagem
presidencial pôs Dilma em novo patamar. O bate-boca é com FHC, mas o
subproduto principal é o deslocamento de Lula
[NPA] como o peão do jogo. Não é pouco, uma vez que ainda há dúvidas sobre quem será o nome do PT na eleição de 2014: se criador ou criatura.
O panfleto de Dilma foi eminentemente político. Contrasta com sua
atuação discreta, voltada para o gabinete. Aos poucos, a presidente
amplia seu espaço, além da técnica, e entra no campo político - o que
parece mostrar sua disposição de tentar um novo mandato. O duelo com Fernando Henrique é a segunda grande intervenção da
presidente que claramente dispensa a participação do padrinho. A
primeira foi na troca de comando de líderes do governo no Congresso, em
fevereiro, quando suas decisões ainda eram vistas como dependentes de
conversas com Lula
[NPA]. Foi uma prova de autonomia no trato com as raposas
do Legislativo. Agora, Dilma mostra independência para liderar a luta
partidária/eleitoral.
Se quiser a reeleição, Dilma precisará dominar o território e andar com
as próprias pernas. Precisará falar a seu partido e aos que dão
sustentação ao governo, muitos descontentes com seu estilo.
Para sua legenda, a bronca em Fernando Henrique soa como música ou, ao
menos, mea culpa. Dilma tem se aproximado de uma agenda muito mais
tucana - privatizações, retaliação às greves do funcionalismo - do que
das preferências dos petistas. Se um partido pode ser dividido em três -
filiados/simpatizantes; direção; e governo/face pública-, Dilma sabe
que precisará contar com o engajamento dos dois primeiros em seu
projeto. Para os aliados, o passa-fora no tucano é um aviso de que a presidente
está à frente do debate e que uma romaria queremista em torno de Lula
[NPA]
tende a ser inócua.
A ação atinge vários objetivos ao mesmo tempo. Dilma se aproveita dos
reveses de Lula
[NPA] e da oposição. O ex-presidente tem posto à prova nestas
eleições sua sagacidade política e sua popularidade. Em São Paulo, a
candidatura do ex-ministro Fernando Haddad avança menos do que o
esperado depois de iniciada a campanha na TV. Lula
[NPA] não repete o que fez
em 2010, com a transferência de votos para Dilma. Na batalha no Recife,
está em desvantagem no duelo de padrinhos. O até pouco tempo
desconhecido candidato do governador Eduardo Campos, Geraldo Julio,
ambos do PSB, ultrapassou como foguete o senador Humberto Costa, apoiado
pelo ex-presidente. Para petistas que concorrem nas capitais, é a presença de Dilma que
surge agora como esperança para inverter o quadro desfavorável. Em
apenas duas destas 26 cidades, Goiânia e Rio Branco, há um candidato do
PT na liderança.
A oposição - especialmente o PSDB, que lidera em seis - não vai mal nos
municípios, mas seus caciques nacionais tropeçam, de um jeito ou de
outro. O libelo de Fernando Henrique, cujo governo foi tão renegado por
seu partido, surge no momento em que o senador mineiro Aécio Neves é
filmado trôpego num boteco carioca e o ex-governador José Serra cai na
tabela da disputa pela Prefeitura de São Paulo. FHC também teve senso de oportunidade. Quis reafirmar sua liderança e
ser lembrado como principal face pública do PSDB e da oposição. Só não
contava com o chega-pra-lá da "muy leal e amiga" presidente da
República.
Se os atuais anos ainda não têm uma grande marca, os últimos dias, no
melhor estilo Dilma, representaram tempos de violência para velhos
caciques. A presidente rebate o octogenário FHC; Eduardo Campos atropela
o sexagenário Lula
[NPA]; São Paulo vira as costas para o septuagenário José
Serra. Enquanto isso, a novidade Celso Russomanno (PRB), que diz não querer
briga com ninguém, conquista o eleitorado paulistano, para desespero de
ambas as partes, de tucanos e petistas.
[Ver postagem anterior sobre o cenário eleitoral em S. Paulo. -- O currículo de Celso Russomano se depreciou ainda mais, depois que foi declarado o candidato preferido da Igreja Universal do Reino de Deus (leia-se "bispo" Edir Macedo).]
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