[Não é fácil, nem simples entender o Itamaraty -- ele aceita pacificamente todas as molecagens que Argentina, Bolívia, Paraguai, Equador et al fazem com a gente e, de repente, nos surpreende agradavelmente engrossando a voz e dando o devido troco a quem o merece. O alvo agora foram os EUA, que nos mandaram uma carta malcriada reclamando em tom inaceitável da decisão do Brasil de elevar os impostos de importação de vários produtos de interesse dos americanos.
Para facilitar o entendimento do contexto, reproduzo primeiro trechos da carta americana, enviada pelo representante dos EUA para assuntos comerciais, Ron Kirk, ao governo brasileiro.]
Trechos da carta do governo americano
"Estou escrevendo para dizer em termos fortes e claros que os Estados
Unidos estão preocupados com os aumentos de tarifas definidos e
propostos no Brasil e no Mercosul", disse Kirk, em carta endereçada ao
ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota, em 19 de setembro.
"Além disso, essas duas etapas de elevação tarifária seguem aumentos
anteriores que foram implementados no decorrer do ano passado. O aumento
de tarifas de importação pelo Brasil vai restringir significativamente o
comércio em relação aos níveis atuais e claramente representa medidas
protecionistas", ressaltou Kirk.
"O efeito geral é que uma gama mais ampla de bens industriais enfrentam
condições de mercado em deterioração no Brasil", afirmou Kirk.
Ele também expressou preocupação com os parceiros comerciais do Brasil
poderem responder da mesma forma, elevando suas próprias tarifas (de
importação), uma medida que "amplificaria o impacto negativo" das ações
brasileiras.
Segundo o representante norte-americano, os Estados Unidos não se sentem
confortáveis com o fato de que os aumentos das tarifas sejam
temporários.
Reação do Itamaraty
O governo brasileiro reagiu duramente à carta em que o representante de
Comércio dos Estados Unidos, Ron Kirk, criticou a política do País de
elevação de tarifas de importação. "Injustificável" e "inaceitável"
foram alguns dos adjetivos usados pelo Itamaraty para classificar o
documento, recebido ontem à tarde pelo ministro das Relações Exteriores,
Antonio Patriota.
"Não gostamos nem do conteúdo nem da forma. Consideramos injustificadas
as críticas, não têm fundamento", afirmou o porta-voz do Itamaraty,
embaixador Tovar Nunes. "Temos um relacionamento muito bom com os
Estados Unidos e essa forma de comunicação não é aceitável, não ajuda e
não reflete esse bom relacionamento".
O tom do texto de Kirk, que tem o posto equivalente a um ministro do
Comércio Exterior, incomodou o governo brasileiro. Há uma semana, o
embaixador americano na Organização Mundial do Comércio, Michael Punke,
também havia reclamado da decisão brasileira de aumentar as tarifas de
importação de 100 produtos e a reação de Patriota não foi tão dura.
Em entrevista ao Estado, o ministro afirmou que considerava naturais as
críticas feitas na organização, um fórum onde os países podem levantar
suas "preocupações comerciais". Ainda assim, lembrou que o Brasil é um
dos quatro países que mais importam produtos americanos e que também
medidas dos EUA benéficas às suas empresas, como o chamado afrouxamento
quantitativo realizado há uma semana, prejudicam economias emergentes.
"O Brasil tem levantado na OMC um debate sobre câmbio e comércio e vê
com muita preocupação essas medidas de afrouxamento quantitativo, que
têm um impacto extremamente deletério sobre economias em
desenvolvimento. Economias que inclusive estão ajudando o mundo
desenvolvido com o seu dinamismo econômico e com a absorção de produtos
exportados pelos EUA e por europeus", disse. "Além da retórica temos de olhar para realidade, e há questões que
precisam ser legitimamente debatidas. O Brasil as têm levado para a OMC e
esperamos que também sejam tratadas com seriedade".
Tom da carta. A diferença agora é, especialmente, o tom da carta do
representante americano. No texto, Kirk não só começa dizendo que
escreve para declarar "em termos fortes e claros" a preocupação dos EUA
com a política brasileira, como acusa o governo brasileiro de tomar
medidas protecionistas e de mirar especificamente as importações
americanas. Além disso, o tom de ameaça - Kirk diz que medidas como essa
podem levar a respostas à altura e podem prejudicar as relações dos
dois países - foi considerado desrespeitoso.
O Brasil teve, em 2011, um déficit comercial de US$ 8,2 bilhões com os
EUA. Este ano, entre janeiro e agosto, a diferença na balança comercial
já alcança US$ 2,7 bilhões contra o Brasil. Além disso, as ações
americanas para proteger seu comércio também não costumam levar em conta
os problemas que causam nos outros países.
A recente decisão do Fed de comprar US$ 40 bilhões em títulos públicos
para injetar dinheiro na economia foi classificada pela presidente Dilma
Rousseff como um "tsunami monetário", que fortalece artificialmente as
moedas dos demais países e prejudica o comércio. No quesito subsídios, o
Congresso americano negocia uma nova lei agrícola, a "Farm Bill", que
pode ser ainda mais danosa para os produtos agrícolas que a atual,
apesar de o país já ter perdido contenciosos na OMC por subsídios.
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