A Petrobras, principal fornecedora de gás natural no país, não deverá elevar no curto prazo sua oferta de matéria-prima para as concessionárias, uma vez que a prioridade da estatal é alavancar o pré-sal, afirmam fontes da estatal ouvidas pelo Valor. A estatal, que tem participação em empresas de distribuição de gás canalizado na maioria dos Estados brasileiros, está com dificuldade para cumprir suas metas de expansão, afirmaram fontes do setor. Procuradas, a Petrobras e sua controlada, a Gas Brasiliano, não comentaram o assunto.
Em entrevista ao Valor, Silvia Calou, presidente da Arsesp (Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo), reconhece que a limitação de oferta de matéria-prima é um dos principais entraves para a expansão de gás do Estado e que os preços não são competitivos - a Petrobras dita as regras. [Em 9/11/1995 foi aprovada a Emenda Constitucional n° 9, que instituía a chamada "flexibilização do monopólio do petróleo". No setor de gás natural, no entanto, essa emenda não pegou nem emplacou, porque nada se faz com gás natural no Brasil sem o beneplácito da Petrobras (que não faz, nem sai de cima) e, por causa disso, o país se ferra em verde e amarelo, como esta reportagem demonstra em apenas uma das inúmeras facetas do problema. Na área de termogeração a gás é o mesmo problema -- a melhoria do suprimento elétrico a Manaus com energia suprida pela Venezuela (a partir de Boa Vista), por exemplo, foi inviabilizada criminosa e irresponsavelmente pela Petrobras, que praticamente chantageou a Eletrobras durante anos com o suprimento de gás de Urucu. Participei pessoalmente das negociações entre a venezuelana Edelca e a Eletrobras para o atendimento a Manaus em 1997 -- a Petrobras inviabilizou esse atendimento com preços fictícios do gás na boca do poço e com um cronograma mentiroso de disponibilização desse gás, que só ocorreu 12 anos depois (!!), com a inauguração do gasoduto Urucu-Manaus em 26/11/2009.]
No mercado, a expectativa é de que a Arsesp aprove neste mês a mudança do controle de concessão da Comgás - da BG para a Cosan. Desde maio, quando a operação foi anunciada, a Comgás - a maior distribuidora de gás canalizado do país - vive em uma espécie de "limbo". "A Cosan não pode assumir porque a aquisição ainda não foi aprovada pela Arsesp e a BG já não se sente mais dona do negócio", afirmou Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
A entrada da Cosan dará uma dinâmica maior a esse mercado, que está nas mãos da Petrobras, de acordo com Pires. "A estatal está em praticamente todos os Estados como distribuidora e não tem feito grandes investimentos em expansão. A Cosan é a única empresa hoje que poderá desafiar o monopólio da Petrobras e tentar forçar um diálogo com o governo na busca de um outro fornecedor".
Mapa do Estado de S. Paulo com as áreas de atuação das três concessionárias de gás natural (clique na imagem para ampliá-la) - (Fonte: Valor Econômico).
Cautelosa, Silvia Calou evita comentar a entrada da Cosan nesse setor,
uma vez que a operação ainda está sob análise da agência reguladora. Já o
fato de a Petrobras atuar em todos os elos da cadeia também não
intimida a gestora. Ela explicou que há todo um cuidado para que a
estatal não faça nenhuma ação discriminatória por conta da
verticalização do negócio. "Nós monitoramos os contratos e eles
[Petrobras] apresentam periodicamente suas ações. Nós podemos dizer que
não há problema de a Petrobras ser a dona do Gas Brasiliano", disse.
O Estado de São Paulo é considerado referência nesse segmento. Na área onde a Comgás atua, que compreende a região metropolitana de São Paulo, Campinas, Baixada Santista e Vale do Paraíba, a malha de gasoduto saiu de 3.000 quilômetros, quando foi privatizada em 1999, para cerca de 9 mil quilômetros. Em 2011, o volume de gás comercializado totalizou 4,8 bilhões de metros cúbicos, um aumento de 3,8% sobre 2010. Nesse total está excluído o gás destinado à termogeração.
O ciclo de expansão da companhia prevê investimento, de 2010 a 2014, de R$ 2,08 bilhões. Do total, o BNDES aprovou financiamento no valor de R$ 1,135 bilhão, que será usado na expansão da rede de distribuição de gás natural entre 2012 e 2014. O Valor apurou que os novos gestores querem focar na expansão da área residencial na região metropolitana de São Paulo e elevar os contratos para as indústrias.
Nos casos da Gás Natural Fenosa, com concessão na região Sul do Estado, e da Gás Brasiliano, que atende o Noroeste do Estado, que à época da privatização pertencia à italiana Eni (foi vendida para Petrobras em 2010), os projetos saíram do zero ("greenfield") a partir de 2000. A malha da GN é de 1.349 quilômetros e da Gas Brasiliano de 776 quilômetros. As duas concessionárias não têm feito pesados aportes. Para o ciclo de investimento atual, o capex (investimento) da Gas Brasiliano é de R$ 169,2 milhões e o da Gas Natural Fenosa, de R$ 179,8 milhões.
"No começo da concessão, havia metas mínimas, com uma série de investimentos que as empresas tinham de fazer. Este período, passado duas revisões tarifárias, já terminou. Estamos em uma fase na qual as propostas de expansão são feitas pelas concessionárias", disse Silvia Calou. "Agora os investimentos têm de ser viáveis técnica e economicamente. Tem de ter mercado que viabilize essa expansão. É assim que estamos avaliando a expansão da rede daqui para frente".
A Gás Natural Fenosa foi enquadrada em seu último ciclo tarifário, quando assinou um Termo de Compromisso (TAC) por não cumprir com seu projeto de expansão. E apesar das críticas de que não tem conseguido cumprir com seus planos de expansão em suas áreas de concessão no país, a Gas Brasiliano não foi autuada pela Arsesp no Estado.
A oferta limitada de gás natural e os preços pouco competitivos afetam importantes setores no Estado, como a indústria cerâmica, localizada nas áreas atendidas pela Comgás e Gas Brasiliano. "O problema desse setor [cerâmicos] foge um pouco da nossa alçada. Eles enfrentaram uma concorrência muito forte dos chineses. Então, os insumos se tornaram um peso para eles. O porcelanato brilhante, eles não produzem mais. O problema não é falta do gás, é o custo que para eles está comprometendo a competitividade", afirma Silvia. "Qual é o problema do custo? Temos praticamente um único produtor, que é a Petrobras, que produz cerca de 95%; no escoamento e processamento, é 100%; no transporte, 100%; e na importação, 100%".
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