Na tarde de 30 de agosto de 2011, três botes da Polícia Federal (PF) deixaram a Marina da Glória, no Rio de Janeiro, rumo à Refinaria de Duque de Caxias, a Reduc, a quarta maior da Petrobras. Os botes singravam as águas do Rio Iguaçu quando, súbito, depararam com boias laranja impedindo a passagem. A água escurecida reluzia óleo. O rio estava tomado por uma língua negra de poluição, que se espalhava pela Baía de Guanabara – perto dali, ela tinha profundidade de 2 palmos. “Parece uma privada!”, disse um agente da PF. Os policiais retiraram as boias, esperaram a maré subir e chegaram às margens da Reduc, onde funcionários aguardavam-nos. A PF, comandada pelo delegado Fábio Scliar, chefe da Divisão de Crimes Ambientais no Rio de Janeiro, investigava por que a Petrobras descartava poluentes diretamente nas águas do Iguaçu e na vegetação da área. Era o início de um processo criminal que culminou, há dois meses, no indiciamento de dois gerentes da Petrobras por crime de poluição – e na descoberta, segundo a PF e o Ministério Público Federal, da negligência da Petrobras ao descartar o principal subproduto poluente da extração do petróleo, a “água negra”.
A blitz na Petrobras começara às 7 horas daquele dia, quando peritos do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), órgão subordinado ao governo do Rio, sobrevoaram de helicóptero a Reduc e constataram a mancha de óleo. Três horas depois, os peritos visitaram a refinaria. Percorreram, acompanhados de funcionários da Petrobras, as margens do rio. Perto de um dos pontos onde eles haviam avistado as manchas de óleo, uma placa dizia: “Interditada”. Os gerentes da Petrobras insistiram que os fiscais não atravessassem a área, embora não explicassem por quê. Os fiscais foram assim mesmo. Encontraram uma operação de emergência da Petrobras, montada para retirar a poluição do local – e, segundo o MP, encobrir o crime. Havia caminhões de sucção de óleo, barreiras, funcionários correndo para lá e para cá. “Presenciamos as tentativas, a todo o custo, de conter a grande quantidade de óleo ainda retido ali”, escreveram os peritos. “Os funcionários que nos atenderam negaram até a derradeira descoberta do vazamento".
Nas águas que margeiam a Reduc, na vegetação contígua e no manguezal que (ainda) existe no terreno da refinaria, os fiscais descobriram grandes quantidades de óleo. Parte já estava havia tanto tempo no local que apresentava a aparência de “chocolate cupcake”, apelido desse detrito – as fotos mostram que o manguezal de 353 hectares parecia um bolo mofado. Óleo novinho, misturado a dezenas de poluentes, era lançado ao rio durante a vistoria dos fiscais. Vazava dos dutos da estação de tratamento de detritos. Em vez de limpar, a estação sujava. Como escreveram os investigadores, “parecia um filme de terror”.
As substâncias coletadas pelos fiscais mostraram-se altamente tóxicas. Havia níveis de óleo, graxas e fenóis “muito acima” dos limites legais. A origem dos detritos era o petróleo da refinaria. Como resultado, o Inea multou a Petrobras em R$ 3,3 milhões. Depois, fechou acordo com a empresa. A Petrobras prometeu construir uma nova estação de tratamento na Reduc – até 2017. Prevê-se, nas palavras da Petrobras, um “investimento conceitual” de R$ 1 bilhão para modernizar a limpeza de poluentes como a água negra. Em 7 de novembro do ano passado, após o acordo, os fiscais voltaram à Reduc. Coletaram novamente a água negra despejada no Rio Iguaçu. Verificaram que havia toda sorte de poluente, a maioria acima dos limites legais, um com nome mais apavorante que outro: óleos, graxas, sólidos sedimentáveis, fenóis, nitrogênio amoniacal. Emitiram um novo alerta à Petrobras.
Ao ouvir os responsáveis pela poluição na Reduc, o delegado Scliar foi
informado de que havia um desastre ambiental em curso: o descarte da
água de produção nas plataformas de petróleo. A água de produção, ou
água negra, é um subproduto da prospecção de petróleo. O produto final
é, basicamente, água do mar misturada com óleo, graxa e várias
substâncias tóxicas. A lista das substâncias parece uma viagem à tabela
periódica. Estão lá metais como bário, berílio, cádmio, cobre, ferro,
além de elementos radioativos. Ao cair no mar sem tratamento, é um
perigo para a vida aquática. A denúncia que chegou a Scliar afirmava que
a Petrobras não tratava a água negra, nas plataformas ou em terra, como
manda a lei (leia o quadro abaixo - clique na imagem para ampliá-la). Scliar e sua equipe
passaram a rastrear o destino da água negra. Nas plataformas, seria
impossível fiscalizar. Mas, como a Petrobras afirma enviar 1% dela a
terminais em terra, ele passou a ouvir os encarregados de tratá-la. No
Rio, a primeira escala da água negra em terra são os terminais de Ilha
Grande e de Cabiúnas.
No papel, uma das funções dos terminais de Ilha Grande e de Cabiúnas é
“retirar o máximo possível” da água negra que lá chega misturada ao
petróleo extraído das plataformas. Desses dois terminais, o óleo segue
para as refinarias. Quanto mais puro chegar a elas, menor o custo de
produção da Petrobras – e, potencialmente, maior o lucro. Como elas
armazenam petróleo e água negra nos mesmos tanques, a água negra apenas
ocupa o espaço que deveria ser do petróleo. Portanto, quanto mais água
negra misturada aos tanques, menor a capacidade de produção da
refinaria. De modo que empresas como a Petrobras têm todo o incentivo
para se livrar dela sem o devido cuidado.
A mesma lógica aplica-se à exploração de petróleo em outras costas. Nos
Estados Unidos e na Austrália, os limites para o descarte de água negra
são similares aos do Brasil. Mas lá, ao contrário do que ocorre aqui, há
fiscalização. Na Noruega, um dos maiores produtores de petróleo do
mundo, a conversa é diferente: persegue-se a meta de “poluição zero” no
descarte de água negra – meta já cumprida nas plataformas mais modernas,
que dispõem de tecnologia para limpar e reaproveitar poluentes. A
Inglaterra adotou a mesma filosofia.
Na prática, de acordo com os depoimentos dos funcionários da Petrobras,
nada é tratado nos terminais de Cabiúnas e de Ilha Grande. O gerente de
Cabiúnas, Paulo Nolasco Barreto, disse ao delegado Scliar que o terminal
“não possui estação de tratamento de efluentes”. Há uma estação antiga e
desativada, segundo ele, “inoperante há cerca de seis ou sete anos”. O
gerente do terminal de Ilha Grande, Virmar Muzitano, contou a mesma
coisa a Scliar: o Terminal de Ilha Grande também não trata a água negra.
Até existia uma estação em Ilha Grande, como em Cabiúnas, mas, de
acordo com Muzitano, ela foi desativada por “ter ficado obsoleta”. Ambos
afirmaram que a Petrobras “planeja” construir novas estações. “Se
existia estação de tratamento nesses terminais, é porque há alguma coisa
a tratar. Por que deixaram chegar a esse ponto?”, diz Scliar. Ninguém
na Petrobras soube responder a ele. Flávio Santos de Araújo, gerente
executivo da Petrobras na área de meio ambiente, disse em depoimento não
saber que as estações de tratamento de dois dos principais terminais da
Petrobras estão desativadas: “São tantas as unidades da Petrobras no
âmbito (dele) que não há como conhecer essas informações”.
O petróleo e a água negra desses terminais seguem para a Reduc. Em abril
deste ano, o gerente da Reduc, Antônio César Aragão Paiva, admitiu à PF
que a estação da refinaria não trata a água negra que lá chega. Dias
depois, outra gerente da Petrobras, Carla Gamboa, confirmou que não há
tratamento algum na Reduc. “A estação de tratamento de efluentes tem
limitações por ter ficado obsoleta”, disse Carla ao delegado Scliar. Ela
não soube dizer há quanto tempo a estação funciona, ou deixa de
funcionar. Podem ser “30, 40 ou 50 anos”. Carla contou, porém, que a
Petrobras planeja, desde 2007, investir em reformas para melhorar a
limpeza dos poluentes. “Os processos dentro da Petrobras são lentos (…)
realmente complicados, tanto do ponto de vista técnico quanto do ponto
de vista burocrático”, disse. Como os dois gerentes são os responsáveis,
dentro da Petrobras, pelo descarte de poluentes na Reduc, ambos foram
indiciados por crime de poluição. Se forem condenados, podem cumprir de
um a cinco anos de prisão.
[...] Indagada sobre as investigações da PF e do MP, a Petrobras afirmou em
nota que “o tratamento de água produzida nas plataformas de produção da
Petrobras segue o padrão de descarte estabelecido pela Resolução Conama
393, semelhante aos padrões dos Estados Unidos e da Europa. As
plataformas que realizam descarte de água produzida o fazem com
aprovação do Ibama em processo de licenciamento ambiental, obedecendo ao
parâmetro estabelecido pela Resolução Conama (...) A Refinaria Duque de
Caxias não lança água de produção no rio Iguaçu. A Petrobras, como
outras empresas operadoras de plataformas, coleta amostras diariamente e
as análises seguem fielmente a legislação vigente. Também informa
anualmente através de relatórios os resultados de monitoramentos
realizados e metodologias adotadas em cumprimento à Resolução do Conama
393. O Ibama dispõe de todos os relatórios”. A nota diz ainda: “Todas as
discussões que houve por ocasião da elaboração da Resolução Conama 393
foram públicas, assim como públicas e legítimas foram as propostas de
parte a parte, como é de praxe em todos os processos de construção de
ideias ou regulamentos”.
Outros deslizes da Petrobras - clique na imagem para ampliá-la - (Fonte: Época).
Amigo VASCO:
ResponderExcluirEm se tratando da PETROBRAS, nada nos surpreende. Já não é mais aquela empresa que dava orgulho aos brasileiros. O aparelhamento politico-ideológico da empresa está a ponto de destruí-la.
Mas no tocante à poluição do rio Iguaçu, bem como de centenas/milhares de rios de nosso país, que "hospedam" industrias poluidoras em suas margens, acho que a solução seria se ter uma regra muito simples de despejo ddos resíduos.
Com certeza, a PETROBRAS utiliza as aguas do rio para seus propósitos produtivos e, edpois de utilizá-las, simplesmente despeja as aguas poluidas à jusante no mesmo rio.
Basca tranformar el lei a seguinte regra:
- o despejo de aguas tratadas deverá, obrigatoriamente, ser feito à montante da captação.
Assim vamos, em poucos anos, ter rios limpos.
Só depende dos nossos políticos.
Abraços - LEVY