Uma disputa legal internacional pode ter repercussões imprevisíveis sobre a luta mundial contra o tabagismo. Esta semana começam em Paris as audiências do processo aberto pela Philips Morris International (PMI) -- uma das maiores empresas fumageiras do mundo -- contra o Uruguai, um dos menores países da América Latina, reeditando o que seria uma nova luta entre Davi e Golias. A PMI acionou o Estado uruguaio, por considerar que suas políticas antitabagistas a prejudicam comercialmente.
A multinacional, com sede em Lausanne, Suiça, apresentou sua demanda no Centro Internacional para Solução de Disputas Relativas a Investimentos (ICSID, em inglês), vinculado ao Banco Mundial, porque assegura que o Uruguai viola um tratado de promoção e proteção de investimentos que firmou com a Suiça em 1998. É a primeira vez que uma empresa fumageira processa um Estado numa corte internacional.
Em comunicados anteriores, a filial da PMI no Uruguai manifestou suas críticas a algumas das medidas implementadas pelo Uruguai em sua luta contra o hábito de fumar, como a de proibir as versões "light" dos cigarros, o que a obrigou a retirar do mercado sete dos doze produtos que vendia no país. Outra disposição questionada pela PMI é a que obriga que 80% da superfície dos maços de cigarros mostrem imagens de advertência sobre os riscos de fumar. Uruguai é hoje um dos países do mundo com mais restrições contra o cigarro. Em 2006, o então presidente Tabaré Vázquez (2005-2010), um médico oncologista, proibiu fumar em ambientes fechados, tornando o Uruguai o primeiro país da América Latina e o quinto país do mundo a adotar essa medida.
Por que uma das principais multinacionais do planeta ameaça um país de 3 milhões de habitantes? "Se a PMI conseguir derrotar o Uruguai isto seria uma mensagem muito clara para o restante dos países, especialmente para os não desenvolvidos, para que não se metam nesse tipo de atitude", diz Eduardo Blanco, médico cardiologista, presidente do Centro de Pesquisa para a Epidemia do Tabaco e assessor do Ministério da Saúde do Uruguai.
Simon Clark, diretor do Forest, um grupo britânico que advoga pelos direitos dos fumantes, disse ao site BBC Mundo que as medidas adotadas pelo Uruguai discriminam os consumidores de cigarros. "O tabaco é um produto legal, e as pessoas deveriam poder fumar sem ser hostilizadas", diz ele. "Quem fuma já sabe que isso é potencialmente danoso para sua saúde, esse tipo de iniciativa fomenta a discriminação contra os fumantes", acrescenta Simon Clark. Acho repelentes, para dizer o mínimo, esse cinismo e esse enfoque hipócrita da indústria do tabaco e de seus defensores. No caso de uma eventual vitória da PMI, o que torço para que não aconteça, resta saber o que isso significaria para o Brasil e sua legislação restritiva ao fumo.
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