segunda-feira, 9 de maio de 2011

Um equivocado conceito das liberdades individuais

Sob o título "O estado não pode tudo", a Veja de 11/5/11 que está nas bancas publica em suas páginas amarelas a entrevista feita com o filósofo gaúcho Denis Lerrer Rosenfield, que é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com doutorado pela Universidade de Paris. Nessa entrevista, o filósofo faz carga contra o que considera abuso do estado contra as liberdades individuais e contra a deformação do PT.

Quanto ao que chama de cerceamento das liberdades individuais pelo estado, o filósofo faz afirmações que me parecem inadmissivelmente absurdas e desfocadas para uma pessoa com a bagagem, senão cultural, pelo menos acadêmica que ele carrega consigo. Ele afirma, entre outras coisa, que "a intromissão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) na vida dos brasileiros é coisa de esquizofrênicos", e que a tentativa dessa agência de proibir a publicidade de cigarro, bebida e de alimentos parece inofensiva, "mas sem publicidade a imprensa se torna dependente do governo, o que compromete a liberdade de expressão" (sic). Aqui o nosso filósofo já descamba meio que p'ra galhofa irresponsável -- quer dizer que, em nome da tal "liberdade de expressão" e do orçamento das empresas de publicidade, a mídia brasileira tem que ser liberada de anunciar e promover o que lhe aprouver, do sexo livre (com camisinha, porque a Johnson & Johnson é uma grande anunciante) ao uso irrefreado do fumo, da bebida, ou o que seja, para garantir o caixa da Souza Cruz e da Ambev, por exemplo, e, por consequência, de quem faz suas propagandas, que se danem os usuários desses produtos?! Quer dizer que, em nome da "liberdade de expressão", vale tudo?!!

Esse senhor ignora, ou finge ignorar, que o cidadão é o acervo máximo do estado e, como tal, lhe custa investimentos e gastos. Mesmo que não se trate de disciplina do seu curso de filosofia no Rio Grande do Sul ou em Paris, esse estranho filósofo não pode ignorar os comprovados e enormes danos que o fumo e a bebida causam à saúde individual de quem os consome em excesso ou mesmo rotineiramente, e o que isso custa ao estado -- nem que seja pelo hábito da leitura, que deve ser uma constante numa pessoa que, além de tudo, é professor, esse cidadão não pode ignorar o que o país gasta nos hospitais e ambulatórios públicos com as vítimas do tabagismo e da bebida -- e que isto é um problema no mundo inteiro. Ele também não tem o direito de ignorar os efeitos maléficos desses vícios no rendimento das pessoas no seu trabalho, público ou privado. Sem falar, no caso do fumo, nos seus efeitos maléficos sobre o meio ambiente -- será que o Dr. Rosenfield acha, por acaso, que as companhias aéreas proibiram o fumo em suas aeronaves por causa da saúde de seus passageiros, e não por causa dos danos que a fumaça provoca em vários componentes dessas aeronaves?

É óbvio ululante, como diria o saudoso Nelson Rodrigues, que o estado tem não só o direito mas o dever de coibir aquilo que faz danos irreversíveis à saúde de seus cidadãos e, por via de consequência, aos cofres públicos, à saúde pública, aos bolsos dos contribuintes, e ao meio ambiente. Me espanta também e ainda a incoerência do Dr. Rosenfield -- por que ele não se insurgiu também contra a obrigação do uso do cinto de segurança nos automóveis, dentro do seu conceito singular de liberdades individuais? Isto me faz lembrar a reação ridícula do Leon Eliachar quando da implantação dessa lei, dizendo que estavam "invadindo" sua privacidade e cerceando sua liberdade ...

Fiquei curioso em saber se o Dr. Rosenfield é fumante, se bebe socialmente, e se usa cinto de segurança quando dirige. E se tem alguém obeso na família que se automedica, comprando livremente remédios prejudiciais à saúde cujo uso indiscriminado a Anvisa quer controlar e que de há muito já são proibidos em países muito mais avançados que o Brasil em matéria de proteção ao cidadão e à sua saúde. Aliás, aquilo que o nosso douto filósofo chama de "abusos do estado" já é praticado há muitos anos em países com democracias muito mais sólidas e mais arraigadas que a nossa, e com conceitos e sistemas de proteção à saúde pública e privada muito mais científica e solidamente fundamentados que os nossos. Gostariamente imensamente de ver esse filósofo singular esbravejar na Paris de seu doutorado contra a extremamente rígida e abrangente lei francesa contra o fumo ... Mando-lhe, modestamente, a máxima latina "Tempora mutantur, nos et mutamur in illis" ("Os tempos mudam, e nós mudamos com eles").

3 comentários:

  1. Uma dileta amiga, mais atenta que eu, lembrou-me que a reação ao uso do cinto de segurança que atribuí a Leon Eliachar partiu na realidade de Millôr Fernandes. Leon Eliachar não viveu essa experiência, pois faleceu em 1987, sete anos antes do cinto de segurança tornar-se obrigatório no Brasil -- minhas desculpas à sua memória ...

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  2. Amigão, nós seres humanos somos livres sim.Não queira parecer "descolado" apelando para o SENSO COMUM ou para o POLITICAMENTE CORRETO. A propósito, se fumo, bebo ou faço qualquer coisa danosa a saúde,estou dentro de meus direitos e o estado tem o dever SIM, de me atender, pois eu se pago impostos é justamente para isso, para ter o DIREITO de ser atendido, como cidadão.
    thiago.rj.83@hotmail.com

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  3. Deixando de lado adjetivos vazios, registro que como cidadão não fumante tenho tanto direito de me manifestar quanto você como fumante -- e não abro mão disto.

    Não me preocupa absolutamente em nada o que um fumante faça com a sua saúde, desde que com isto ele não afete a minha. Não admito ser fumante passivo de quem só pensa em si mesmo; e quem não quer ou não pode deixar o cigarro, mas quer conviver com quem não fuma é fácil: ou se tranca numa redoma, ou se enquadra na sensata legislação vigente. Simples assim.

    No mais, mantenho na íntegra tudo o que disse na minha postagem.

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