quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Divergências entre França e Alemanha quanto ao BCE tornam-se públicas

O governo francês, cada vez mais nervoso pelos ataques dos mercados à sua dívida soberana e pelo obscuro futuro de sua qualificação máxima creditícia, o triplo A, decidiu tornar públicas nesta quarta-feira suas diferenças com a Alemanha sobre o papel que o Banco Central Europeu (BCE) deve desempenhar na solução da crise [da zona do euro].  -- [Sobre os rumores de rebaixamento da nota francesa e a "mancada" da agência Standard & Poor's sobre isso, vejam postagem anterior]. -- Paris defendeu abertamente um envolvimento mais decidido e contundente do organismo dirigido pelo italiano Mario Draghi, e culpou Berlim por não querer transigir por seu medo histórico da inflação.

Clamando no deserto, o ministro da Economia, François Baroin, reconheceu em uma entrevista ao diário econômico Les Echos que a França continua pensando que "uma boa solução" seria converter em banco o fundo de resgate europeu e permitir-lhe acesso aos fundos do BCE. "A Alemanha, por razões históricas (de inflação e dívida), fechou a porta a uma participação direta do BCE", acrescentou.

"O papel do BCE é assegurar a estabilidade do euro, e também das finanças europeias", insistiu a porta-voz governamental Valerie Pecresse, depois de uma reunião do gabinete em Paris. Ela enfatizou sua intervenção, assinalando que "o governo confia em que o BCE tomará as medidas necessárias para assegurar a estabilidade financeira na Europa". Nesse momento, as compras de bônus pelo BCE não conseguiam reduzir a agitação dos mercados, e a diferença entre o bônus francês de 10 anos e seu equivalente alemão atingia uma nova cifra recorde de 195 pontos básicos.

O certo é que, no começo da manhã de terça-feira, 15/11, parecia que a compra pelo BCE da dívida dos países com mais problemas estava funcionando para baixar as tensões financeiras. O caso mais extremo foi o italiano, cujo prêmio de risco chegou a cair quase 40 pontos, ultrapassando a perigosa cota de 500 pontos. O prêmio equivalente espanhol perdia 16 pontos às 10 da manhã. Mas, os problemas não demoraram a chegar. No meio da manhã, o diferencial do que pagam os Estados europeus com relação à Alemanha -- ou seja, o prêmio de risco -- voltava a crescer, em alguns países acima dos valores em que haviam fechado no dia anterior. Foi o caso da Espanha, que pelo terceiro dia consecutivo atingiu um máximo desde a criação da eurozona. O diferencial já está em 460 pontos básicos -- isto é, 4,6 pontos percentuais -- o que significa que a Espanha tem que oferecer aos investidores um rendimento de 6,35% para que comprem bônus com um vencimento de 10 anos. A Itália, ao contrário, conseguiu fechar o dia com um risco de 519 pontos básicos, nove abaixo da jornada anterior.

A França está cansada de ver, um dia após o outro, como a dívida alemã de 10 anos se converte em um valor de refúgio, de referência, e como Berlim consegue financiar-se por menos da metade do que lhe custa a Paris. Por isso, se esqueceu por um dia de sua submissão às teses alemãs e pareceu juntar-se à pressão exercida pelo presidente dos EUA, Barack Obama, que na Austrália pediu à Europa "medidas drásticas" para resolver as "turbulências". Apesar dos baixíssimos custos de que desfruta agora a Alemanha para financiar-se, sua dívida em relação ao PIB é superior à de países como a Espanha. Por isso, o primeiro-ministro luxemburguês e presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, qualificou como "preocupante" o nível da dívida alemã.

"Enquanto não pusermos em marcha um plano concreto e uma estrutura que enviem aos mercado um sinal claro de que a Europa apoia o euro e fará o que for necessário [para isso], continuaremos a ver o atual alvoroço nos mercados", disse Obama, que reiteró que a Europa ainda enfrenta um "problema de vontade política". "Continuaremos apresentando aos dirigentes europeus as opiniões que pensamos que ajudarão a que se chegue a um patamar no qual os mercados se acalmarão.  Isso vai exigir deles alguma decisões difíceis ", advertiu.

Enquanto isso, a chanceler alemã pareceu fazer ouvidos de mercador a uns e outros e deixou claro que Berlim não quer que o banco central assuma um papel maior. Angela Merkel se apoia no fato de que as normas da União Europeia proíbem ações desse tipo. "Segundo os tratados, o BCE não tem a possibilidade de resolver esses problemas",  disse Merkel após reunir-se com o primeiro-ministro irlandês, Enda Kenny. Este, a propósito, rechaçou sem mover uma sobrancelha a proposta alemã de reformar os tratados para punir e deixar sem voto no Conselho os países que não cumpram com suas obrigações financeiras.

A Alemanha, a inventora da política monetária do BCE, continua rechaçando a ideia de que o eurobanco se converta na última garantia da dívida, e insiste em que são os governos nacionais que devem resolver a crise aplicando planos de austeridade e reformas estruturais. "A única forma de recuperar a confiança dos mercados", repisou inacessível a chanceler, "é aplicar as reformas acordadas e construir uma união política europeia mais estreita, reformando o Tratado da UE".

Peter Bofinger, membro do grupo de economistas que assessora o governo alemão, disse na terça-feira que o BCE deveria converter-se no financiador de último recurso se os problemas da dívida ameaçarem esfacelar o sistema financeiro. "Se os políticos não podem [fazê-lo], o BCE deve fazer tudo o que possa para baixar os tipos de juros a níveis mais razoáveis", disse.

Muitos analistas crêem que a única forma de evitar um contágio maior é que Frankfurt compre uma grande quantidade de bônus, garantindo que os tipos de juros não superem um certo nível. Segundo a agência, o BCE dirigido por Mario Draghi comprou 187 bilhões de euros de dívida soberana desde maio de 2010, mas "esterilizou" até agora essas compras tomando a quantidade equivalente no mercado de depósitos. Uma opção seria frear essas compras de depósitos, mas a Alemanha se nega a aceitar isto. E tudo continua indo de mal a pior ...

"Os mercados estão claramente esperando algo que rompa o círculo para aliviar a pressão sobre o rendimento dos bônus periféricos", disse à Reuters David Scutt, operador do Arab Bank Australia. "Se não houver notícias nos próximos dias, suspeita-se que a situação poderia desmoronar muito rapidamente", acrescentou.  

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