Em 25/9/11 fiz uma postagem sobre o protecionismo na Argentina, reproduzindo artigo da revista The Economist. Apresento a seguir o segundo artigo da mesma revista, abordando agora o protecionismo no Brasil, publicado no final de setembro passado.
No dia 15 de setembro Guido Mantega, ministro da Fazenda do Brasil, anunciou um aumento de 30 pontos do IPI para carros importados. O valor foi espantoso, mas o objetivo, familiar. Carros feitos no Brasil, no México ou no Mercosul ficaram isentos, somente os importadores pagarão a sobretaxa. "O consumo brasileiro foi apropriado pelas importações", disse o ministro.
De acordo com a Anfavea - Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, uma infraestrutura deficiente e crédito e mão de obra caros fazem com que fabricar carros no Brasil seja 60% mais caro do que na China. [Acho um exemplo típico de inutilidade e má-fé usar-se o custo da mão de obra na China como base para qualquer argumento quanto a custo de qualquer coisa, pois os custos trabalhistas chineses são fixados ditatorialmente pelo governo -- como, aliás, praticamente todos os demais custos naquele país]. Os fabricantes locais há tempos dependem de impostos altos. As importações têm ganho fatias do mercado, passando de 16% das vendas em 2009 para 23% neste ano. A nova medida provavelmente reverterá essa tendência, pois aumentará em 25% os preços dos importados.
O governo tomou pequenas medidas para ajudar as empresas locais. Em agosto, cortou impostos das folhas de pagamento de umas poucas empresas de mão de obra intensiva. Mas, em grande parte tem tentado manter de fora bens e capital estrangeiros. No mês passado (agosto), o governo ajustou as regras de compras para favorecer os produtos locais (o fato de os uniformes do exército serem de fabricação chinesa foi um fator de irritação no governo). No ano passado, Mantega aumentou a tributação sobre capital estrangeiro. Ele quer que a OMC - Organização Mundial do Comércio permita que os países aumentem os impostos sobre importações provenientes de países que enfraqueçam articialmente suas moedas. [Embora simpatize muito pouco ou quase nada com Mantega e sua atuação, acho essa sua sugestão muito lógica e acertada -- o alvo maior dela, evidentemente, é a China, que mantém subvalorizada sua moeda e aumenta assim, tremendamente, a competitividade de seus produtos no mercado internacional -- que já é intrinsecamente alta, por conta dos custos diretos e indiretos também artificialmente baixos na fabricação desses produtos].
Essa abordagem dá seguimento a uma prática de reescrever regras para favorecimento da produção local. Empresas estrangeiras somente podem produzir óleo nos recém-descobertos campos do pré-sal como sócias menores da estatal Petrobras. Anteriormente, elas podiam candidatar-se a todas as concessões em igualdades de condições. Reduções tarifárias farão em breve com que tablets produzidos no país fiquem um terço mais baratos que os importados, levando a taiwanesa Foxconn a implantar uma fábrica no país para fazer iPads. O Banco Nacional de Desenvolvimento - BNDES transformou-se de um possante financiador local para um eleitor de campeões nacionais. Sua carteira de empréstimos é hoje duas vezes maior que a do Banco Mundial, e ele financia aquisições externas desenfreadas por empresas brasileiras. [Aqui, a revista usa um termo informal -- "spree" -- que tem conotação pejorativa, podendo ser tanto "compra desenfreada" como "orgia", para designar as aquisições de empresas estrangeiras por empresas brasileiras. Trata-se, mais uma vez, do viés idiota e inaceitável com que a imprensa estrangeira de certos países costuma se referir ao Brasil].
Terras cultiváveis estão sendo tratadas como um acervo estratégico, tanto como o petróleo. No ano passado, assustado com a ideia de fundos soberanos e empresas estatais estrangeiras comprando vastas áreas de terra, o governo ressuscitou uma lei de 1971 que limita a área de terras rurais que estrangeiros podem comprar. Ela foi reavivada, mesmo embora nos anos 1990 tenha sido considerada incompatível com a nova constituição democrática e com o conceito de economia aberta. Os detalhes estão sob análise: estrangeiros podem ser autorizados a comprar um pouco mais, e ainda mais se o governo considerar que é de interesse nacional. Mas, não há previsão para estabelecer uma nova legislação. A Sociedade Rural Brasileira estima que 15 bilhões de dólares em investimentos estrangeiros na agricultura estão sendo abandonados. [Acho inteiramente válida a posição do governo brasileiro em limitar a compra de terras brasileiras or estrangeiros, até por razões de segurança nacional. Salvo engano, a reação do governo deu-se a partir da constatação de um forte movimento de compra de terras no país por empresas estatais chinesas].
A força da nova mentalidade protecionista pode ser mensurada pela disposição do governo em tolerar incerteza legal e dano colateral. Ele reintroduziu a lei antiga sobre posse de terra, apesar de saber que sua conceituação antiga e equivocada iria quase interromper investimento estrangeiro que é muito necessário. Como a lei limita a parcela total de cada município que pode ser possuída por estrangeiros, muitos cartórios de terras estão jogando no lado seguro e rejeitando todos os compradores estrangeiros. Kory Melby, um consultor agrícola, assessora estrangeiros sobre compra de terras no Brasil. Ele diz ter ouvido de vendedores furiosos, cujos negócios são agora "tão bons quanto o lixo".
Os importadores de carro estão pensando seriamente em questionar o aumento do IPI na OMC - Organização Mundial do Comércio. Em discussão está a questão se um imposto que pode ser evitado por meio de produção local é uma tarifa de importação disfarçada. A associação comercial desses importadores está tentando uma abordagem legal diferente, que diz que o governo estava obrigado a dar-lhes um aviso prévio de 90 dias e lhes deu apenas um dia. Os fabricantes chineses de carros que estão construindo fábricas no Brasil estão fazendo um lobby forte. Eles alegam que estão sendo atingidos injustamente, já que aumentar a produção numa fábrica nova demanda anos. Estrangeiros cujas fábricas estejam menos avançadas poderão optar por repensar completamente sua decisão. [Os países produtores de carros cuja exportação para o Brasil foi afetada pela decisão do governo Dilma já pediram explicações ao Brasil na OMC. Embora ache que o governo foi cooptado pelo lobby das montadoras já instaladas no Brasil, considero muito fraca a argumentação da revista.]
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