domingo, 16 de outubro de 2011

Bancos públicos ignoram efeitos da crise e reduzem reservas contra calote

Mesmo com a crise batendo à porta, os bancos públicos parecem não estar muito preocupados com um eventual aumento da inadimplência. Enquanto os bancos privados separaram mais de R$ 1 bilhão apenas em agosto para reforçar a proteção contra calotes, instituições controladas pelo governo reduziram suas provisões em R$ 36 milhões no mês. Dados do Banco Central mostram que, no último trimestre, bancos particulares separaram R$ 1 em provisão para cada R$ 9,10 emprestados. Já os públicos reservaram R$ 1 para cada R$ 34,90 em novos financiamentos.

Bancos públicos e privados chegam ao atual estágio da crise - considerado o mais grave até agora - com estratégias bem diferentes para se preparar contra uma eventual piora da saúde financeira dos clientes. Desde o início do ano, instituições privadas têm aumentado as provisões em ritmo mais forte que as operações de crédito. Nos públicos, acontece exatamente o contrário: empréstimos crescem mais que as provisões contra calote. 

Enquanto as operações de crédito dos bancos particulares cresceram 3,6% de junho a agosto, a provisão aumentou 6,5%. No mesmo período, empréstimos em instituições como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES avançaram 5,8%, ritmo mais forte que a alta de 3,7% da reserva contra a inadimplência. A diferença se repete em outras comparações desde o início de 2011. Ainda que em ritmo diferente, o mesmo movimento é visto desde 2008, quando o governo decidiu que instituições como o BB, Caixa e BNDES deveriam emprestar mais para manter a economia aquecida. A estratégia deu certo e o Brasil saiu mais rápido da crise que outros países.

Cobertor curto. Parte dessa fatura, porém, aparece agora: proporcionalmente, bancos públicos estão menos "protegidos" contra calotes que os privados. Hoje, uma provisão de R$ 1 cobre R$ 22,50 emprestados nos bancos públicos e R$ 15,40 nos privados. Ou seja, o mesmo cobertor cobre muito mais empréstimos nos públicos que nos privados.  A situação é oposta à de agosto de 2008, um mês antes da quebra do Lehman Brothers, que deflagrou a crise. Naquele mês, R$ 1 cobria R$ 18,70 nos públicos e R$ 19,10 nos privados. Ao contrário do que se vê agora, o cobertor dos privados era mais apertado naquela época.

Essa mudança, porém, ainda não provoca desconforto no mercado. Analistas que acompanham o setor bancário dizem que o fenômeno pode ser explicado pela natureza dos empréstimos. Bancos privados podem ter ficado mais conservadores graças ao aumento de empréstimos considerados mais "arriscados", como cartões de crédito e financiamento de veículos. 

Nos públicos, por sua vez, a necessidade de provisão pode ter caído porque ganharam peso financiamentos mais seguros, como o crédito imobiliário e o financiamento a grandes empresas. Realmente, instituições como a Caixa e BNDES atuaram agressivamente para ganhar mercado nesses segmentos. Mas, ao mesmo tempo, BB e Caixa também entraram fundo na concorrência com os privados - especialmente em 2008 e 2009 - nas mesmas áreas consideradas "mais arriscadas", como cartões e veículos.

A provisão contra calotes é regulada pelo BC e há um nível mínimo exigido. Bancos, porém, podem reservar valores maiores para se proteger contra situações de risco de inadimplência. Mesmo com a queda recente, instituições públicas mantêm as reservas dentro do exigido pela lei.

[Analistas financeiros do exterior têm expressado críticas e temores quanto ao que consideram perigoso aumento no acesso a crédito no Brasil, alegando que isso poderá gerar a ocorrências de bolhas e de outros problemas já registrados em outros países. Mesmo que dentro das regras do BC, não deixa de ser estranho e, de certo modo, preocupante que os bancos públicos afrouxem seus limites, principalmente se levarmos em conta que, em última análise, quem fecha rombo de banco público são o Tesouro e os contribuintes.]  

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