Mesmo com a crise batendo à porta, os bancos públicos parecem não estar
muito preocupados com um eventual aumento da inadimplência. Enquanto os bancos privados separaram mais de R$ 1 bilhão apenas em agosto para reforçar a proteção contra calotes, instituições controladas pelo governo reduziram suas provisões em R$ 36 milhões no mês. Dados do Banco Central mostram que, no último trimestre, bancos
particulares separaram R$ 1 em provisão para cada R$ 9,10 emprestados.
Já os públicos reservaram R$ 1 para cada R$ 34,90 em novos
financiamentos.
Bancos públicos e privados chegam ao atual estágio da crise -
considerado o mais grave até agora - com estratégias bem diferentes para
se preparar contra uma eventual piora da saúde financeira dos clientes.
Desde o início do ano, instituições privadas têm aumentado as provisões
em ritmo mais forte que as operações de crédito. Nos públicos, acontece
exatamente o contrário: empréstimos crescem mais que as provisões
contra calote.
Enquanto as operações de crédito dos bancos particulares cresceram 3,6%
de junho a agosto, a provisão aumentou 6,5%. No mesmo período,
empréstimos em instituições como Banco do Brasil, Caixa Econômica
Federal e BNDES avançaram 5,8%, ritmo mais forte que a alta de 3,7% da
reserva contra a inadimplência. A diferença se repete em outras
comparações desde o início de 2011. Ainda que em ritmo diferente, o mesmo movimento é visto desde 2008,
quando o governo decidiu que instituições como o BB, Caixa e BNDES
deveriam emprestar mais para manter a economia aquecida. A estratégia
deu certo e o Brasil saiu mais rápido da crise que outros países.
Cobertor curto. Parte dessa fatura, porém, aparece
agora: proporcionalmente, bancos públicos estão menos "protegidos"
contra calotes que os privados. Hoje, uma provisão de R$ 1 cobre R$
22,50 emprestados nos bancos públicos e R$ 15,40 nos privados. Ou seja, o
mesmo cobertor cobre muito mais empréstimos nos públicos que nos
privados. A situação é oposta à de agosto de 2008, um mês antes da quebra do
Lehman Brothers, que deflagrou a crise. Naquele mês, R$ 1 cobria R$
18,70 nos públicos e R$ 19,10 nos privados. Ao contrário do que se vê
agora, o cobertor dos privados era mais apertado naquela época.
Essa mudança, porém, ainda não provoca desconforto no mercado. Analistas
que acompanham o setor bancário dizem que o fenômeno pode ser explicado
pela natureza dos empréstimos. Bancos privados podem ter ficado mais
conservadores graças ao aumento de empréstimos considerados mais
"arriscados", como cartões de crédito e financiamento de veículos.
Nos públicos, por sua vez, a necessidade de provisão pode ter caído
porque ganharam peso financiamentos mais seguros, como o crédito
imobiliário e o financiamento a grandes empresas. Realmente,
instituições como a Caixa e BNDES atuaram agressivamente para ganhar
mercado nesses segmentos. Mas, ao mesmo tempo, BB e Caixa também entraram fundo na concorrência
com os privados - especialmente em 2008 e 2009 - nas mesmas áreas
consideradas "mais arriscadas", como cartões e veículos.
A provisão contra calotes é regulada pelo BC e há um nível mínimo
exigido. Bancos, porém, podem reservar valores maiores para se proteger
contra situações de risco de inadimplência. Mesmo com a queda recente,
instituições públicas mantêm as reservas dentro do exigido pela lei.
[Analistas financeiros do exterior têm expressado críticas e temores quanto ao que consideram perigoso aumento no acesso a crédito no Brasil, alegando que isso poderá gerar a ocorrências de bolhas e de outros problemas já registrados em outros países. Mesmo que dentro das regras do BC, não deixa de ser estranho e, de certo modo, preocupante que os bancos públicos afrouxem seus limites, principalmente se levarmos em conta que, em última análise, quem fecha rombo de banco público são o Tesouro e os contribuintes.]
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