Desde 2003, o Brasil já distribuiu na América Latina US$ 5,3 bilhões em financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a construção de hidrelétricas, estradas, portos e corredores de ônibus. De 1997 a 2008, esse montante chega a US$ 7,21
bilhões. A generosidade brasileira, no entanto, nem sempre é retribuída
com agradecimentos ou gestos de boa vontade.
O recente episódio ocorrido na Bolívia, a suspensão da construção da
estrada de Villa Tunari, também financiada pelo BNDES, é apenas mais um
na longa lista de problemas locais que envolvem, de alguma forma, o
Brasil - os atritos costumam crescer em períodos eleitorais. Ainda assim, são poucos os governos da região que abrem mão dos recursos
brasileiros na hora de financiar suas obras.
Há cerca de dois meses, o
ministro de Setores Estratégicos do Equador, Jorge Glass, veio ao Brasil
pedir a participação do BNDES em obras de infraestrutura no valor de
US$ 30 bilhões. Foi o primeiro contato depois que a Câmara de Comércio Exterior aprovou a
retomada de operações do Brasil com o país andino. Nos últimos três
anos, o Equador ficou sem receber um tostão brasileiro, desde que seu
presidente, Rafael Correa, decidiu ir à Corte Internacional de Comércio
questionar, em 2008, o pagamento de um empréstimo de US$ 243 milhões
para a construção da hidrelétrica de San Francisco. O próprio Glass, na época assessor de Correa para assuntos da dívida
externa, chegou a dizer que o contrato com o BNDES tinha "vícios de
ilegalidade". Apesar da natural condescendência brasileira com os
vizinhos, a ação equatoriana, na visão do Itamaraty, passou dos limites. [Acho que "condescendência" é uma palavra muito modesta para descrever a subserviência do Itamaraty frente às chantagens e abusos dos vizinhos contra os nossos interesses, como o próprio texto desta reportagem confirma].
Na recente crise boliviana, em que indígenas moradores da reserva Tipnis
entraram em confronto com a polícia em protestos pela suspensão da
estrada que cortaria suas terras, o governo brasileiro se manteve
distante. Não havia ameaças ao Brasil, apesar das cobranças feitas por
governo e oposição para que Brasília, de alguma forma, tomasse partido. A
opção, porém, foi tratar o assunto como um tema interno da Bolívia. A única manifestação do Itamaraty foi uma nota em que registrava a
importância da obra para a integração do país e reafirmava a esperança
de que o conflito fosse solucionado. Essa não foi a primeira vez que o
Brasil esteve envolvido em problemas bolivianos. Um dos primeiros atos
do presidente Evo Morales ao assumir o governo, em 2006, foi anunciar a
nacionalização das refinarias de gás da Petrobrás. A crise só não foi pior pela boa vontade do então presidente Luiz Inácio
Lula da Silva com o novo presidente esquerdista e porque, no fim de
2006, a Petrobrás e governo boliviano entraram em um acordo a respeito
de reparações financeiras.
No Paraguai, na campanha eleitoral de 2008, em que Fernando Lugo foi
eleito, uma de suas principais promessas foi conseguir que o Brasil
pagasse mais pela energia de Itaipu, chegando a ameaçar vender a parte
paraguaia a outros interessados, como Argentina e Chile. As reclamações
contra o "imperialismo brasileiro" só cessaram há cerca de três meses,
quando o Congresso do Brasil finalmente aprovou o reajuste dos valores
repassados ao Paraguai pela energia excedente usada pelo País. Ainda
assim, as ameaças de colocar a energia paraguaia no mercado
internacional não acabaram. [Nosso relacionamento com o Paraguai no tocante a Itaipu é um dos piores e mais repugnantes exemplos da política de "dobradiça na espinha dorsal" com que o Itamaraty trata de nossos interesses com os nossos vizinhos].
Desde o governo Lula, no entanto, a visão da diplomacia brasileira é de
ser condescendente com os arroubos dos vizinhos, especialmente em épocas
eleitorais. O Itamaraty sabe que, envolvidos em disputas locais,
presidentes e candidatos tendem a usar o vizinho rico como saco de
pancadas. No entanto, segundo disse ao Estado um diplomata brasileiro, a enorme
diferença econômica entre o Brasil e os demais países da região
justifica a boa vontade de Brasília - desde que não passe de alguns
limites, como foi o caso do Equador. [Esses "limites" do Itamaraty são de uma elasticidade inacreditável ...].
O embaixador equatoriano no Brasil, Horácio Sevilla Borja, reconhece que
a crise não foi boa para seu governo. "Foram anos desperdiçados",
disse. "Nós não estávamos satisfeitos com esse afastamento. Estamos
muito felizes com o fato de a Câmara de Comércio Exterior ter aprovado a
retomada de operações." Com isso, o governo de Correa já conta com
dinheiro brasileiro para mais quatro obras até o fim deste ano e pelo
menos três para o ano que vem.
Em postagens anteriores, como por exemplo em 9/9/11 e em 11/5/11, abordei exemplos da atuação absolutamente perniciosa e de lesa-pátria do Itamaraty com relação aos nossos legítimos interesses no trato com países vizinhos.
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