domingo, 30 de outubro de 2011

A lição que os palestinos aprenderam na ONU

 Com o título "You were expecting statehood?" ("Vocês esperavam tornar-se um Estado?", em tradução livre), a revista Newsweek de 03/10 publicou um interessante artigo de Niall Ferguson sobre o pedido da Palestina para ser aceita como membro pleno da ONU, que revela certos detalhes dos bastidores da criação da ONU que nem sempre estão facilmente disponíveis na mídia (no site da revista o artigo está com data de 25/9).

O pleito do líder palestino Mahmoud Abbas para que a Palestina fosse reconhecida e aceita como membro pleno da ONU já estava liquidado, sem chance, quando Abbas chegou a Nova Iorque. Então, por que preocupar-se até mesmo em levantar esse tema? A resposta: agregar apoio internacional ao pedido palestino. No entanto, outros povos derrotados sofreram muito mais do que eles [palestinos]. Basta apenas lembrar como -- e a que preço -- a própria ONU começou.

Nascida na nevoenta e agradável cidade de S. Francisco, a ONU foi concebida no balneário ucraniano de Yalta. Embora aninhada entre as colinas verdes da Crimeia e lambida pelas ondas preguiçosas do Mar Negro, a cidade estava severamente marcada com cicatrizes da guerra em fevereiro de 1945 -- Winston Churchill a havia apelidado de "a Riviera de Hades". - [Hades, filho de Cronos (Saturno, na mitologia romana) e Reia, era o senhor das profundezas da Terra e dos seres das sombras, do inferno]. Seu diabólico senhor era o déspota Joseph Stalin, que foi o anfitrião de Churchill e do combalido presidente americano Franklin Roosevelt.

Dos Três Grandes, como Sergei Plokhy mostra em seu instigante estudo Yalta: The Price of Peace (Yalta: O Preço da Paz), apenas Roosevelt acreditava realmente no sonho de um parlamento mundial, [isto me soa como bairrismo; o autor é diretor adjunto do Centro Peter Jacyk para Pesquisa Histórica Ucraniana no Instituto Canadense de Estudos Ucranianos, da Universidade de Alberta] -- e mesmo ele sabia que a ONU teria que dar às grandes potências um peso maior do que havia sido dado por sua desastrada predecessora, a Liga das Nações. Assim, foi Roosevelt quem propôs um Conselho de Segurança (CS) no qual os vencedores da guerra -- mais França e China -- teriam representação permanente e poder de veto. -- [Fica, assim, identificado o pai do CS, uma instituição talvez compreensível e aceitável na época, mas hoje uma verdadeira aberração. A inclusão da China no rol das grandes potências, há 56 anos atrás, foi um belo exercício de futurologia].

Churchill e Stalin foram realistas. Viram o mundo pós-guerra em termos de "esferas de influência". Embora perfeitamente capaz desse realismo na prática, Roosevelt ansiava ainda por um mundo ideal de paz baseado na segurança coletiva. No entanto, Churchill relutava fortemente em aceitar que a esfera de influência de Stalin incluísse a Polônia. Seu antecessor havia concordado com a destruição da Tchecoslováquia em Munique, mas tinha ido à guerra quando Hitler (e Stalin) dividiram a Polônia entre eles [alemães e soviéticos]. Era Yalta a Munique da Polônia?

"Não podemos concordar", resmungou Churchill, "que a Polônia seja um simples estado fantoche da Rússia, em que as pessoas que não concordam com Stalin sejam eliminadas". Mas, foi nisso exatamente que a Polônia pós-guerra se tornou.

Assombrosos 19% da população polonesa de antes da guerra foram mortos como consequência da Segunda Guerra Mundial, incluindo uma expressiva proporção da grande população judia do país. Yalta infligiu à Polônia um castigo adicional. O país não apenas encolheu, mas foi deslocado para o oeste de modo que Stalin pudesse manter seus ganhos decorrentes do pacto nazi-soviético de 1939. E a Polônia tornou-se um estado vassalo dos soviéticos pelo meio século seguinte.

Após Yalta, jogadores de xadrez inventaram uma variante de seu jogo para três jogadores, usando um tabuleiro de seis lados. Como na conferência, no jogo "Yalta" dois jogadores podem unir forças contra o terceiro, mas todas essas alianças são temporárias. -- Resumidamente, Churchill conseguiu ter Roosevelt do seu lado com relação à Polônia, mas os americanos importavam-se mais em lograr que Stalin concordasse em juntar-se à ONU -- a Polônia foi um peão a ser sacrificado.

Tendo conseguido o que queria, Roosevelt deixou logo Yalta. Seu destino? O Oriente Médio, que ele pretendia juntar ... à esfera de influência americana. Os compromissos conflitantes que assumiu nessa viagem -- com árabes e judeus -- têm desde então atormentado a política externa dos EUA. Perguntado por Roosevelt se era um sionista, Stalin respondeu elusivamente que "em princípio sim, mas reconhecia a dificuldade [disso]".

Aquela "dificuldade" persiste, no sentido de que um Estado judeu poderia ser criado apenas às custas de não-judeus vivendo na Palestina. Os árabes resistiram à criação de Israel, mas foram derrotados. E assim continua. Uma viagem a Yalta permite um salutar lembrete de que, ao longo da história, aqueles que perdem uma guerra geralmente perdem terra também e, algumas vezes, junto com ela a soberania. Em comparação com o que os poloneses sofreram no século passado, os palestinos escaparam de maneira branda. [Esta me parece uma afirmativa lamentável e perfeitamente dispensável, embora retrate uma dura realidade].

Os palestinos acabarão conseguindo ter seu próprio Estado. Mas, não até que os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU estejam convencidos de que eles não abusarão dos privilégios de ser um Estado. Goste-se ou não, foi assim que a ONU foi pensada para funcionar quando os Três Grandes a conceberam na Riviera do Inferno.

Mahmoud Abbas (Foto: Andrew Burton).

Niall Ferguson, autor do artigo traduzido acima, é professor de História na universidade de Harvard (Foto:site biográfico citado).

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