Não é só aqui que o Legislativo se transformou, antes de mais nada, em uma fábrica de gente bem de vida. No Brasil, isso se dá às custas de fatores diversos, em sua maioria altamente questionáveis ou absolutamente errados (sinecuras, mutretas, negociatas, etc). Pela reportagem publicada ontem pelo The Washington Post que reproduzo parcialmente a seguir, esse fenômeno se verifica também nos EUA -- só que a reportagem não cita a rigor nenhuma benesse extra, ou mutreta, ganha pelos congressistas americanos, o que me deixou meio que com a pulga atrás da orelha. E aí lembrei-me de uma reportagem da revista Newsweek de novembro passado, que mostra, com fotos, uma série de congressistas, de deputados a senadores, que fizeram fortuna principalmente através de negócios "estranhos" com ações de empresas vinculadas às suas atividades parlamentares. Conclusão: com nuances diferentes, há vários congressistas americanos que são flores tão mal cheirosas como inúmeros congressistas tupiniquins. O texto a seguir é da reportagem do The Washington Post.
Um dia depois de seu turno na siderúrgica, Gary Myers foi para casa no seu Pontiac de 10 anos e disse à mulher que iria concorrer ao Congresso. Suas chances eram remotas. Aos 34 anos, Myers era chefe de turno na Armco. Não tinha experiência política, tinha pouco ou nenhum dinheiro, e era um republicano em um distrito de tendência democrata. Três anos depois, ganhou a eleição.
Quando Myers entrou no Congresso em 1975, não era tão inusitado uma pessoa de poucos bens além de sua casa ser eleita e tornar-se um parlamentar. Embora legisladores na Colina do Capitólio [onde se localiza o Congresso americano] há muito tempo tenham se tornado mais prósperos do que outros americanos, outros [legisladores] naquela época incluíam um barbeiro, um bombeiro hidráulico, e um pintor de casas.
Mas, o gap financeiro entre os americanos e seus representantes no Congresso aumentou consideravelmente desde então, de acordo com uma análise de demonstrativos financeiros pelo The Washington Post. Entre 1984 e 2009, o valor médio líquido dos bens de um deputado mais do que dobrou, de acordo com aquela análise, passando de US$ 280 mil para US$ 725 mil, em dólares de 2009 corrigidos pela inflação, excluindo investimentos em habitação extra-hipotecas.
No mesmo período, a riqueza de uma família americana diminuiu ligeiramente, com o valor médio comparável [ao dos deputados] passando de US$ 20,6 mil para US$20,5 mil, de acordo com o Painel de Estudos de Dinâmica da Renda da Universidade de Michigan.
As comparações excluem o home equity [investimento líquido na habitação própria, depois de excluir a hipoteca do valor total -- o home equity loan é também chamado de segunda hipoteca] porque ele não é incluído nos relatórios dos Congresso [relativos a seus membros], e 1984 foi escolhido por ser o ano mais antigo para o qual estão disponíveis dados estatísticos consistentes sobre riqueza.
A crescente disparidade entre os representantes e seus representados significa que há uma distância maior entre a experiência econômica dos americanos e a dos legisladores.
O crescente conforto financeiro dos congressistas em relação à maioria dos americanos é consistente com uma tendência geral nos EUA para uma desigualdade de riquezas: de longa data os congressistas têm sido mais ricos do que o americano médio.
Não surpreendentemente, essa crescente desigualdade é vista [também] no Congresso. Não apenas a riqueza média [ali] aumentou, mas a proporção de congressistas que têm pouco além da casa própria encolheu. Em 1984, essa proporção era de um para cada cinco congressistas; em 2009, essa taxa caiu para um em cada doze.
Uma possível explicação para essa crescente riqueza dos congressistas é que uma campanha eleitoral passou a ser muito, mas muito mais cara, fazendo com que se torne mais provável que pessoas ricas, que podem fazer doações significativas para a própria campanha, se elejam. De acordo com a Comissão Federal de Eleições, o gasto médio para se eleger feito por deputados vitoriosos quadruplicou em dólares corrigidos pela inflação, passando para US$ 1,4 milhão.
[A reportagem do The Washington Post é muito longa e detalhada, é impossível reproduzí-la na íntegra. Ela revela, por exemplo, que um deputado americano ganha 174 mil dólares anuais, o que dá R$ 321.900,00/ano ao câmbio de R$ 1,85/dólar -- um deputado brasileiro ganha praticamente a mesma coisa em termos de salário (R$ 320.400,00/ano com salário mensal de R$ 26.700,00), só que o nosso deputado ganha ainda um monte de benesses safadas, como auxílio passagem, auxílio moradia, verba de gabinete, etc, etc. -- O texto do jornal revela também que algumas pesquisas mostram que a experiência de vida do deputado pesa no seu comportamento: um deputado com muitas filhas é mais propenso a tomar posições liberais em assuntos relativos a mulheres, como mostra um artigo técnico de 2006 do Birô Nacional de Pesquisas Econômicas].
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