quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Brasil: o país do presente, sob a perspectiva argentina

Com o título acima, o prestigioso (e perseguido ...) jornal argentino La Nación publicou ontem em um blogue com o título "Viver no Rio" , de Rodrigo Mallea, um interessante e simpático texto sobre a ascensão do Brasil no cenário mundial, usando como gancho a recente promoção do nosso país ao posto de 6ª economia do planeta. A iniciativa do jornal é ainda mais surpreendente, quando estamos acostumados com a costumeira agressividade argentina conosco, principalmente quando nossos hermanitos ficam enciumados com os nossos avanços face aos seus retrocessos. Segue o texto argentino.

A notícia já deu a volta ao mundo: o Brasil, segundo um estudo do Centro de Pesquisas em Economia e Negócios da Grã-Bretanha, já é a sexta economia do mundo, deslocando nada mais, nada menos que o Reino Unido. É uma questão de tempo para que alcance esse pódio nas estatísticas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional e, a continuar a crise europeia juntamente com a demanda chinesa, é um firme candidato a se converter na quinta economia do mundo. No entanto, nem tudo se explica por circunstâncias externas: com um processo político-econômico coerente, que dura mais de três lustros, o Brasil finalmente sente que está alcancançando o lugar que merece no mundo. 

(Foto: La Nación).

Costumo pensar que argentinos e brasileiros temos uma forma distinta de encarar nosso presente e nosso futuro, fundamentalmente devido aos nossos passados históricos diferentes.  A Argentina entrou no século XX como uma das 10 principais economias do mundo, contou com um dos sistemas educativos mais progressistas da América Latina -- até meados do século apenas 1 em cada 10 habitantes era analfabeto -- teve a primeira rede de transporte subterrânea ibero-americana, e inclusive se deu ao luxo de passar por contrapeso continental aos Estados Unidos. Mas, essa história já tem mais de um século, e hoje a Argentina se encontra comemorando os 10 anos da queda do governo de Fernando De la Rúa, que trouxe consigo a maior crise política, social e econômica desde o retorno da democracia em 1983. Assim, a Argentina costuma deixar uma certa sensação de país que teve um grande começo e que logo, por motivos diversos, se apequenou ou, no mínimo, não consguiu, por motivos diversos, ser tudo o que poderia ter sido.

O caso brasileiro me parece diferente. Em todo caso, se trata da história de um gigante adormecido que hoje está despertando, como sempre com seu próprio ritmo. Assim como na Argentina em cada indicador em que avancemos -- seja este social, político ou econômico -- a sensação pode ser de recuperar um espaço cedido, no Brasil a lógica poderia resumir-se como uma sensação de "Finalmente estamos alcançando o lugar que nos corresponde, mas que historicamente nos foi vedado". Razões para o primeiro não faltam: sua população, território e economia equivalem à soma do resto das nações sul-americanas.  O Brasil sempre foi visto como um gigante, fundamentalmente porque nasceu gigante. É por isso que todo o curso de história brasileira começa com o conceito de suficiência congênita. Esta foi a realidade com a qual o escritor austríaco Stefan Zweig se encontrou em 1941 e, como se tivesse descoberto a América pela segunda vez, alertou o mundo sobre seu achado ao intitular sua obra de "Brasil, o País do Futuro".

Zweig diria hoje: "Sim! Disse isso em 1941!" - (Foto: La Nación).

No entanto, o prognóstico de Zweig foi uma promessa irrealizada no curto prazo. Por uma série de motivos sociais, políticos e econômicos o país do futuro permaneceu em um estado de letargia, sem conseguir forjar de maneira acabada e sustentada um projeto de crescimento sustentado e coerente como o que vive atualmente. Assim como a belle epoque do projeto desenvolvimentista que Juscelino Kubitschek enfrentou, que ocorreu entre 1956 e 1961, e o chamado milagre econômico brasileiro -- período em que a economia do Brasil cresceu a 10% -- que ocorreu entre 1968 e 1973 entusiasmaram vários observadores, nenhum desses períodos resultou definitivo. Endividamento, inflação, mas sobretudo uma grande parcela da população mergulhada na pobreza e na ignorância -- em 1950 metade da sua população era analfabeta -- fizeram do caso brasileiro um paradoxo, cunhando-se um apelido para referir-se a essa contradição em que se encontrava o gigante do Sul: Belíndia (para referir-se a um país com um padrão de riqueza similar ao da Bélgica, e com a realidade social da Índia). Nessas condições, não faltou quem recordasse o prognóstico de Zweig e o reformulasse da seguinte maneira: "o Brasil é o país do futuro ... e sempre o será".

Hoje, no entanto, estamos todos falando do Brasil (e isto é muito mais do que por uma questão de ser o "país da moda", como alguns insistem em assinalar). O que aconteceu? Para começar, a classe dirigente encontrou uma fórmula de estabilidade político-econômica que já dura 17 anos.  A receita econômica se caracteriza por um crescimento moderado com inflação baixa, enquanto que a política consiste em haver encontrado uma certa ordem em seu sistema partidário sob a fórmula particular do presidencialismo de coalizão. Esta combinação abriu as portas à implementação de uma série de políticas públicas tendentes a uma redução inédita da pobreza e a consequente criação de uma nova classe média -- em vias de consolidação, é certo -- que nos últimos anos adquiriu 40 milhões de novos membros (toda uma população argentina), estando a maioria dessa população brasileira representada nesse segmento socioeconômico pela primeira vez em sua história. Isso traz consigo outro efeito: o da redução da desigualdade na distribuição de renda, classificação em que o Brasil ocupou sempre os últimos lugares. 

Crescimento com inflação controlada, uma fórmula nada mágica no "modelo" brasileiro (clique na imagem para ampliá-la)

O verso da moeda desse Brasil emergente está em suas dívidas pendentes, que requerem políticas de longo prazo -- entre elas podem ser mencionadas formas mais eficientes de combate à corrupção (só em 2011, seis ministros do atual governo tiveram que renunciar por isso) --, uma considerável desigualdade regional (há um forte contraste em todos os indicadores sociais, sem exceção, entre as regiões Sul/Sudeste e Norte/Nordeste, sendo a primeira ostensivamente mais favorecida que a segunda), seu Índice de Desenvolvimento Humano (comparativamente pior com relação a Argentina, Uruguai, Chile, Peru e Equador), para o que se faz necessário melhorar a situação de sua saúde, educação pública, e serviços públicos básicos. Várias outras [políticas] estão contemplados no Plano Brasil 2022, a série de metas de médio prazo a serem cumpridas até o bicentenário da proclamação de sua independência, elaborado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos, subordinada à presidência brasileira. 
 
Mas, sua aspiração de grandeza -- não por motivo de soberba, senão para justificar sua posição de quinta superfície e população do planeta -- é motivação suficiente para continuar trabalhando com o objetivo de honrar o lugar que hoje lhe cabe entre as principais economias do mundo.  Sua reivindicação por um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, sua ansiedade para organizar o Mundial de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, e a aquisição de submarinos nucleares com inclusão de transferência de tecnologia fazem parte dessa mentalidade. Nem se lamentar do passado, nem esbanjar excesso de energia em sonhos futuros, hoje a classe dirigente brasileira tem sua meta fixa em apenas uma coisa: ser o país do presente.




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