sábado, 31 de dezembro de 2011

CPIs não acabam em pizza, dizem pesquisadores

Essa é bem difícil de acreditar, mas vamos à notícia ...

Para um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), o senso comum está equivocado: as comissões parlamentares de inquérito (CPIs) não acabam em pizza. É o que conclui o ensaio “As CPIs acabam em pizza? Uma resposta sobre as comissões parlamentares de inquérito no presidencialismo de coalizão”, de autoria de Lucas Queija Cadah e Danilo de Pádua Centurione, em trabalho registrado no livro O papel do Congresso Nacional no presidencialismo de coalizão (Konrad-Adenauer-Stiftung, 2011).

Como o Congresso em Foco publicou ontem (29), o livro aborda, entre outras questões, a passividade do Legislativo diante do Executivo.

No caso das CPIs, o desconhecimento por parte da opinião pública sobre o poder investigatório das comissões estimula a percepção de que as apurações não dão em nada, apontam os estudiosos. Os pesquisadores lembram, por exemplo, que as CPIs não têm poder de punir ou de indiciar diretamente os investigados. Mas podem recomendar ao Ministério Público que indicie os envolvidos e apresentar suas conclusões à Polícia Federal. De acordo com o estudo, 42% das CPIs analisadas enviaram sugestões de indiciamento aos promotores e procuradores. Esse índice de recomendação chega a 75% nas comissões formadas por deputados e senadores (mistas).

“Não compete às CPIs a responsabilização dos envolvidos. Com base nessa percepção e nos resultados finais das análises dos relatórios, nos parece inexata a opinião bastante difundida no caso brasileiro de que as comissões parlamentares de inquérito ‘acabam em pizza’”, afirmam os autores do estudo.

Lucas e Danilo examinaram os relatórios das 43 CPIs instaladas na Câmara, no Senado e no Congresso (mistas) entre 1999 e 2010. O maior mérito delas, segundo os pesquisadores, não está nos pedidos de indiciamento, mas na produção legislativa: 75% das comissões parlamentares de inquérito que funcionaram nesse período propuseram alguma mudança na legislação. Todas as CPIs mistas e do Senado em atividade nos 11 anos estudados apresentaram sugestões legislativas.

Criada em 1999 no Senado, a CPI do Judiciário, por exemplo, elaborou projeto de lei que definia os crimes de responsabilidade de magistrados dos Tribunais Superiores Regionais e Federais, bem como, juízes federais, desembargadores e membros do Ministério Público, passíveis de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Já a CPI mista dos Cartões Corporativos propôs a normatização do uso dos cartões, limitando-os ao suprimento de fundos e estabelecendo a publicidade dos respectivos extratos bancários, destacam os pesquisadores.

No texto, os autores dizem que uma maneira eficaz de mensurar o desempenho de uma CPI é por meio do teor de seu relatório final. Eles extraíram conclusões a partir de três tipos de encaminhamento do trabalho final: instituições acionadas pelas CPIs; grau de conclusões de responsabilização criminal e civil, e desempenho propriamente legislativo (apresentação de projetos de lei relativos aos temas investigados).

Confira a tabela com o registro de acionamento de instituições movido pelos relatórios finais de todas as CPIs analisadas no período acima mencionado:


Instituição/Casa Câmara (29) Mista (7) Senado (7) Total (43)
Legislativo 80% 100% 57% 79%
Judiciário 45% 72% 29% 47%
Executivo 97% 85% 72% 91%
Min. Público 86% 85% 85% 86%
Polícia Federal 52% 72% 57% 56%
TCU 49% 43% 72% 51%
CGU 3,5% 43% 29% 14%

Com base nos registros oficiais, Lucas e Danilo constatam que a proposição de projetos de lei ou sugestões de alteração de legislação são os resultados mais frequentes das CPIs, com 75% das orientações dos relatórios (índice de 100% nas mistas e nas do Senado), como registra a tabela abaixo.

Instituição/Casa Câmara (29) Mista (7) Senado (7) Total (43)
Indiciamentos 35% 72% 43% 42% (18)
Projetos/alterações 62% 100% 100% 75% (32)
Sugestão de comissão especial 10% 29% 29% 16% (7)

Os pesquisadores apontam algumas das incompreensões sobre os trabalhos das CPIs. Uma das mais recorrentes, destacam, é a limitação constitucional do poder de investigar garantido aos parlamentares. Mesmo usufruindo de poderes investigatórios de autoridades judiciais, o inquérito instaurado pelo Legislativo não é de caráter judicial nem administrativo, mas sim político-legislativo. “As CPIs, por sua natureza completamente investigatória, não têm atribuição constitucional de julgar ou impor penas. No marco jurídico nacional, essas devem produzir relatórios finais com recomendações e encaminhamentos às outras instituições para a responsabilização civil ou criminal dos envolvidos".

Depois que a CPI aprova seu relatório final, as responsabilidades passam a ser distribuídas. O relatório deve ser apresentado à Mesa Diretora da respectiva Casa e encaminhado aos órgãos de controle e fiscalização do Executivo e ao Ministério Público. O texto pode incluir resoluções, projetos de lei, indiciamentos, encaminhamento e recomendações aos outros poderes. O encaminhamento das questões legislativas cabe, então, ao Senado e à Câmara. Já a responsabilização criminal ou civil dos infratores precisa ser providenciada pelo Ministério Público.

No primeiro ano desta legislatura (2011-2014), o Senado instalou duas CPIs – a que investiga irregularidades no Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – Ecad (confira) e a que versa sobre tráfico nacional e internacional de pessoas no Brasil (saiba mais). As duas ainda estão em andamento.

Na Câmara, apenas uma CPI começou a tramitar este ano: protocolada com 206 assinaturas no penúltimo dia de trabalhos, 21 de dezembro, a chamada “CPI da Privataria” só será instalada, com as devidas definições de presidente e relator, depois do recesso parlamentar. De autoria do deputado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), a CPI da Privataria se prestará a investigar a denúncia de pagamento de propina e lavagem de dinheiro durante as privatizações da década de 1990, operadas no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). As acusações estão no livro A privataria tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Júnior (leia entrevista exclusiva com o autor), que também aborda acusações sobre espionagem dentro do próprio PT.

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