Enquanto a primeira deve reforçar as suspeitas de negligências da Air France e da Airbus, já indiciadas por homicídio culposo; a segunda insistirá em responsabilizar os pilotos. Durante os três primeiros anos de investigação, todas as atenções da imprensa e das famílias das 228 vítimas - 58 brasileiras - se concentravam no trabalho dos peritos do BEA, que realizaram as buscas em alto-mar à procura dos destroços do Airbus A330 e das caixas-pretas. O último relatório parcial dos técnicos, de julho de 2011, deixa claro que o escritório apontará falhas de pilotagem como o principal fator para a queda.
Segundo essa lógica, o comandante da aeronave, Marc Dubois, de 58 anos, e seus copilotos, David Robert, de 37, e Pierre-Cedric Bonin, de 32, reagiram de forma inadequada ao congelamento das sondas pitot. Esses sensores medem a velocidade de um avião e orientam todo o sistema de navegação de um Airbus. Com a pane desses sistemas, a quatro minutos da queda, um dos copilotos, Bonin, com o apoio de Robert, levou o avião a ganhar altitude excessiva, até a perda de sustentação, que levaria ao choque com o Atlântico. [Vejam o projeto a que se dedicou o cientista brasileiro que perdeu a única filha nesse voo.]
Em seu relatório, a ser divulgado em 5 de julho, o BEA deverá recomendar que os pilotos sejam melhor treinados para enfrentar essa pane. Nesta quarta-feira, 30, Martine Del Bono, porta-voz do escritório, informou à Radio France International (RFI) que o BEA também recomendará à Agência Europeia para Segurança Aérea (Easa) que aperfeiçoe o funcionamento do alarme de perda de sustentação, para que ele não deixe de funcionar com precisão em caso de erro na indicação de velocidade. Ainda assim, na visão do BEA, a maior responsabilidade cabe aos pilotos.
Essa conclusão não satisfaz especialistas independentes e familiares de vítimas. "O BEA não é um organismo independente. Ele depende do Estado francês, que é acionista da Air France e da Airbus", criticou Yassine Bouzrou, advogado das famílias. [Deixar com o BEA a última palavra sobre essa tragédia é um escárnio às famílias das vítimas -- é evidente que o governo francês não permitirá que sejam crucificadas duas das jóias da sua coroa.]
Justiça. Com as dúvidas que pesam sobre o BEA, a investigação da Justiça da França cresceu em importância. Comandada pela juíza de instrução Sylvie Zimmerman, a apuração já tinha resultado no indiciamento das duas companhias, Air France e Airbus, por homicídio culposo, em março de 2011. Agora, toda a expectativa gira em torno do relatório dos cinco experts independentes, que será publicado em 30 de junho.
Embora o processo corra em segredo de Justiça, o Estado obteve alguns elementos do que deve ser apontando por esse relatório. A primeira conclusão é de que ele inverterá o raciocínio do BEA: na visão dos peritos independentes, a eventual falha dos pilotos teria sido induzida por lacunas de treinamento - o que responsabilizaria Air France e Airbus - e por falhas eletrônicas que tornam a pilotagem de um A330 muito complexa em determinadas situações adversas, como as enfrentadas pelo voo AF-447. O erro dos pilotos, segundo essa lógica, seria uma consequência que contribuiria para o acidente.
Por outro lado, a Justiça não deve apontar a falha das sondas pitot como a causa essencial do acidente. Especialistas franceses como Gérard Arnoux e Henri Marnet-Cornus advertem que desde que os sensores da marca francesa Thales foram substituídos pelos de outra fabricante, a americana Goodrich, a Air France nunca mais registrou casos de pane desses equipamentos. Sylvie Zimermman, porém, não parece convencida dessa tese. Se o fato se confirmar no relatório judicial, o grau de responsabilidade da Airbus no acidente pode ser reduzido.
O Estado contatou nesta quarta as duas companhias, Air France e Airbus. Ambas se negaram a fazer comentários sobre as informações, alegando que as investigações estão em curso.
Destroços do avião do voo AF 447 que caiu no mar - (Foto: FAB/Divulgação).
Nenhum comentário:
Postar um comentário