segunda-feira, 28 de maio de 2012

Argentina tentar quebrar dependência do dólar com medidas polêmicas

[A notícia abaixo evidencia o retrocesso da Argentina -- com moeda fraca e  economia fracas, o país recorre a medidas bizarras para evitar a fuga dos argentinos para o dólar.]

A Argentina anunciou nesta semana mais uma medida polêmica para tentar quebrar a dependência do país em relação ao dólar, usado como moeda franca no país vizinho. Na quinta-feira, o governo anunciou que irá controlar as informações e os gastos dos contribuintes com a compra de pacotes de viagens para o exterior.

A decisão governamental foi anunciada num momento em que o governo intensifica o controle de venda de dólares aos argentinos, para frear a fuga de capitais do país e a dependência dos cidadãos em relação à moeda americana. A AFIP, a Receita Federal local, anunciou em comunicado, nesta quinta-feira, que "exigirá informação adicional aos que comprem viagens para o exterior". Os viajantes terão que preencher um formulário online, com data do embarque, escalas, destinos e até motivo da viagem na hora de comprar moeda estrangeira.

Tradicionalmente, o dólar é a moeda na qual os argentinos das classes média e alta confiam e poupam, mas geralmente fora do sistema financeiro – em cofres de bancos ou nos lugares menos esperados como geladeiras, aquecedores, colchões, caixas de luz e assoalhos da casa. E, quando percebem que as regras econômicas podem mudar ou que a economia não está tão sólida, os argentinos costumam aumentar a compra de dólares ou fazer saques dos bancos, provocando o que especialistas chamam de "fuga de capitais".

O diretor da AFIP, Ricardo Echegaray, explicou, segundo o jornal Clarín, que o objetivo da medida é "conhecer em detalhes a matriz do negócio das operadoras de turismo e fiscalizar adequadamente a renda declarada pelos principais contribuintes do setor, considerando que eles têm acesso ao mercado cambial sem limitação alguma".  Nos últimos seis meses, a AFIP também passou a autorizar ou não, de forma online, a venda de dólares aos clientes feitas nas casas de câmbio e nos bancos do país.

Mas a iniciativa de quinta-feira surpreendeu o setor turístico. "Essa medida complica muito. O turista vai ter que planejar a viagem com três ou quatro meses de antecedência. Vai ser mais difícil viajar", disse o presidente da Associação Argentina de Direito de Turismo, Diego Benítez, à imprensa local.

Polêmicas

A medida despertou polêmica. Os apresentadores da emissora de televisão TN (Todo Notícias) discutiram se a decisão não significará uma "invasão de privacidade", já que os fiscais deverão ser informados sobre a razão da viagem – se é para um congresso profissional, para férias ou para tratar problemas de saúde. “Não está claro o que o governo pretende com essa medida. Mas e se a pessoa tiver uma poupança guardada e quiser apenas comprar um pacote para tirar férias, apesar de hoje ela não ganhar o suficiente para justificar a viagem? Então, a AFIP vai proibi-la?", questionaram os apresentadores.

O controle de câmbio para viajantes é aplicado, por exemplo, na Venezuela, onde também existe dólar oficial e paralelo, como vem sendo registrado nos últimos dias na Argentina.

Recentemente, o governo argentino também assinou outro acordo polêmico, com o governo uruguaio, que ainda deverá ser aprovado pelos Congressos dos dois países. O acordo abriria caminho para a Argentina saber quantos cidadãos depositam nos bancos do país vizinho. Atravessar o rio da Prata de barco para depositar nos bancos uruguaios também é tradição local. "Foram tantas inflações e hiperinflações que aprendemos a proteger nosso dinheiro desta forma", disse o economista Carlos Melconian.

Mercado imobiliário

Nos últimos meses, o governo tem tentado mudar hábitos dos argentinos, sugerindo que operações de compra e de venda de imóveis sejam realizadas na moeda nacional, o peso. "Mas não é fácil, porque aqui, mesmo quando colocam preço em pesos, fazemos imediatamente as contas e passamos o valor para dólares", disse recentemente à BBC Brasil o economista e ex-presidente do Banco Central, Alfonso Prat-Gay.

Na mesma linha, observou o arquiteto Germán Gomez Picasso, gerente do Reporte Imobiliário (Balanço Imobiliário), entidade privada representante do setor que reúne construtoras e imobiliárias, "nós pensamos em dólares principalmente na hora de comprar um imóvel ou qualquer outro bem". O resultado, disse ele a partir das estatísticas locais, é que as operações foram adiadas e o setor imobiliário já sente a "retração". "Ninguém quer gastar agora os dólares que possui, porque não sabe como vai ser para conseguir a moeda de novo ou em qual valor ela vai parar", disse Gomez Picasso.

O controle de venda de dólares na Argentina freou o mercado imobiliário do país. As vendas de imóveis caíram até 22% em abril, segundo especialistas do setor ouvidos pela BBC Brasil.

As últimas medidas de controle de câmbio têm gerado incertezas no mercado cambiário e provocado altas no preço da moeda americana, de acordo com o economista Javier González Fraga. Nesta semana, pela primeira vez desde os anos 1980, o dólar no paralelo superou os 6 pesos, com uma diferença acima de 30% para o dólar oficial, cotado a 4,48 pesos.





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