Variações do [índice] Dow Jones e do humor nos tweets
Até o nosso humor é pesquisado. Uma equipe da Universidade de Cornell (EUA) constatou, desse modo, que o humor do ser humano é melhor no fim de semana que durante a semana [só americano p'ra gastar dinheiro e homem-hora p'ra chegar a uma conclusão tão difícil como essa!...] e de manhã que à tarde ou noite. E isso ocorre no mundo inteiro. Chegou-se a essa constatação simplesmente pela análise semântica de centenas de milhões de tweets (o site timeu.se, criado pela Cornell, determina quando e a que hora uma dada palavra é a mais empregada no planeta). A IBM tenta igualmente encontrar correlações em todos os azimutes: nosso estado de espírito tem alguma influência sobre os índices de consumo, os engarrafamentos, etc? Fantasma mais recente: os mercados bursáteis. A empresa britânica Derwent Capital Markets anuncia prever com dois dias de antecedência as variações do índice Dow Jones, captando o humor dos tweets.
Falando claramente, o período é excitante para os cientistas: eles dispõem de informações que antes eram de coleta inimaginável, e são limitados unicamente ... por sua própria imaginação. Indagados sobre as questões éticas levantadas por seus trabalhos, vários deles respondem que isso não faz parte de suas atribuições [muito estranho!]. "Entramos em uma sociedade transparente", preveniu o sociólogo Bernard Cathelat, quando do Fórum Netexplo em meados de março, em Paris. Uma transformação social possui duas facetas: "Um lado 'godfather', desejando-nos o bem, e o lado 'big brother' que controla".
[Vejam o vídeo Obama | One People - The World -- Uma cartografia das chamadas telefônicas feitas a partir de Washington DC (EUA) em janeiro de 2009, durante a semana da investidura de Barack Obama, evidencia a natureza internacional do evento. O vídeo foi feito pelo Senseable City Lab, do MIT.]
Poucos intelectuais, ainda, se interessaram por essa revolução. Para o filósofo François Ewald, discípulo de Michel Foucault -- foi seu assistente no Collège de France -- uma tal massa de dados obtida sobre a vida das pessoas é "uma revolução epistemológica extremamente profunda, uma mudança nos fundamentos do conhecimento". E explica: "Até o presente, era preciso simplificar consideravelmente os dados para tratá-los. Face à sua profusão, o homem era obrigado a se equipar de instrumentos para esquematizar. Isso foi dado pela teoria das probabilidades: gira-se em torno de uma média, portanto não se comete muito engano [nem sempre ...]. Mas, com o tratamento numérico, não há mais necessidade de passar por esses esquemas típicos. Trata-se cada dado um a um, como se se pudesse seguir um a um os peixes de um cardume. Ainda não foi plenamente entendida toda a extensão dessas descobertas".
A finalidade de marketing desses estudos estatísticos concentra os receios dos usuários, particularmente o de se ver criar um ambiente sufocante em que o indivíduo se verá objeto de ofertas comerciais personalizadas no local certo, no momento certo, a cada instante. "O risco é o de que esse estímulo incessante sature nossos sentidos", estima Frédéric Mazella, criador do site covoiturage.fr . "Corremos o risco de perder uma parte do tempo precioso que temos para explorar novas ideias". Para Laurent Maruani, responsável pelo departamento de marketing de HEC [uma escola internacional de negócios], "essa será uma maneira de manter ocupadas as massas a baixo custo. Serão distribuídos lazer e estímulos bem escolhidos. O luxo será reencontrar tempo e espaço".
Duas visões opostas
Maruani, aliás, vê com reservas a exatidão dessas análises estatísticas. Há relação entre o humor dos tweets e as condições de circulação de veículos? "Por que não, mas não se sabe julgar a pertinência da relação causal. Por exemplo, é interessante observar que, na França, as vendas de guarda-chuvas e o número de divórcios variam simultaneamente. Entretanto, não existe relação de causa e efeito entre esses dois eventos: as vendas de guarda-chuvas estão relacionadas a salários altos, e os divórcios também. Os salários altos são a variável não explícita que explica tudo! A exploração estatística do "big data" só tem sentido se com ela se desenvolver uma análise inteligente dos resultados".
A mesma cautela [que Maruani] tem Antoinette Rouvroy, filósofa do direito. "Essa modalidade de descrição omite tudo o que não pode ser numerizado ou redutível a redes de dados: a experiência ou vivência real das pessoas. Esses algoritmos produzem um certo "saber" muito operacional, mas que ignora todas as causas dos fenômenos que são passíveis de serem descritas/identificadas e, sobretudo, previstas".
François Ewald reconhece que há aí o surgimento de um instrumento de saber e de poder. Duas visões que se opõem. "Imagina-se a possibilidade de um superpoder, um universo à la 1984 (o romance de George Orwell)", explica ele. "Mas, pode-se ter uma outra visão: a de um universo de dados que não reforça os centros [de poder], mas os destrói. Uma sociedade na qual cada um é destinatário de uma multidão de informações. [Uma sociedade] Na qual a transparência pode também gerar atos de rebelião, tipo WikiLeaks", o site que divulgou online em 2010 milhares de documentos militares americanos secretos sobre a guerra no Afeganistão e no Iraque.
Twitter acaba de vender o direito de utilizar seus arquivos
Graças à internet, cada habitante do planeta tem, na realidade, a mesma ferramenta para se fazer entender. Como o demonstra o desenvolvimento internacional do Anonymous, essa comunidade militante da cibernética que defende o direito à liberdade de expressão [esta me parece uma definição demasiado simplista e "cosmética" desse grupo de hackers]. Ou ainda, a utilização maciça do Facebook e de blogues nas revoluções tunisiana, egípcia e líbia. Como o demonstra também a sanha encarniçada do poder sírio em fazer calar os insurgentes, dos quais surgem ainda grupos de testemunhos inseridos em telas ou monitores [de celulares, por exemplo].
Surge um novo modelo de sociedade, mas um ponto central preocupa os intelectuais: o conhecimento da intimidade dos cidadãos estará um dia em poder de interesses privados. "A maior parte daqueles que exploram esses dados fazem negócios para eles mesmos, e não para outrem. Eles não estão à busca da verdade", lamenta Laurent Maruani. "É uma novidade na nossa civilização, e é um problema enorme", reconhece François Ewald. "Até agora, esse tipo de conhecimento era público e institucionalizado, pelo Insee na França, por exemplo [Insee - Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos, em francês]". Ao longo do tempo, as instituições que coletam, tratam e conservam as informações pessoais são dotadas de regras éticas. As empresas privadas farão o mesmo?
Nossos dados pessoais não conhecem mais fronteiras: 84% dos internautas no mundo são membros de uma rede social. E das dez principais redes utilizadas, cinco são americanas, três são chinesas e duas, russas. "Em quê se transformarão esses dados pessoais, se as empresas que os possuirem estiverem financeiramente desesperadas? Poderão elas manter seus compromissos éticos?", se interroga Serge Abiteboul, titular da cadeira de informática e ciência numérica no Collège de France. Twitter, que busca tornar rentável sua atividade, acaba de vender a duas empresas especializadas na exploração comercial (marketing) de dados o direito de uso tanto de seu arquivo de tweets, quanto das informações sobre seus milhões de usuários.
"Essa nova relação poder/saber terá suas vítimas"
Vozes começam a se levantar. "Fiquemos atentos ao totalitarismo desses "little brothers" enquanto os internautas estão constantemente a descoberto", declarou o autor Andrew Keen no festival cultural americano SXSW em Austin, em março. Uma advertência direta para os usuários que aceitam, sem lê-las, as condições de utilização dessas ferramentas.
Para Antoinette Rouvroy, essa privatização leva/induz essas entidades a "governar os indivíduos sem serem governos". "Esse governo estatístico evade os testes de legitimidade ou de validade aos quais se poderia querer submetê-lo", afirma ela. ", por outro lado, é difícil para um cidadão ser a favor ou contra o que se passa, porque esses tratamentos estatísticos não são nem mesmo materializados em um projeto sobre o qual se possa tomar posição". O fenômeno apenas começou, e já nos faltam tempo e espaço para compreender o que se nos apresenta. "O fluxo de informações coletadas deve ser interrompido, para poder ser analisado, avaliado e contestado. Ora, não é isso o que ocorre atualmente", acrescenta ela.
Alguns Estados começam a reagir. A Comissão federal de comércio dos EUA editou, em 26 de março, regras de boa conduta para as empresas. Essa comissão demanda do Congresso que ele legisle, para que os consumidores possam controlar a utilização de seus dados. A Comissão Europeia publicou, em 25 de janeiro, um projeto de regulamento sobre a proteção dos dados pessoais [perguntinha inocente: e o Brasil, está fazendo o quê para nos proteger?...]. "Ele deve ser adotado daqui até 2013, e aplicado imediatamente", informa Isabelle Falque-Pierrotin, presidente da CNIL, a Comissão Nacional de Informática e das Liberdades. Um procedimento expedito que parece longo, enquanto as pesquisas se aceleram. "Existe uma utilização inconsciente dos dados privados que podem ser usados sem autorização explícita. Os "big data" são uma verdadeira revolução e um enorme perigo.Deve-se efetuar uma reflexão profunda sobre os desvios possíveis", desfere o futurologista Joël de Rosnay.
François Ewald considera, igualmente, que é necessária uma reflexão política, mas, segundo o filósofo, a tarefa é árdua. "Não se pode pensar esse novo mundo no contexto do antigo. A primeira catástrofe dessa era dos dados já se realizou com a crise financeira de 2007. Vai-se transpor a fronteira do novo Leviatã (no sentido de Thomas Hobbes: as sociedades em estado natural estão em situação de caos, o que não pode ser evitado a não ser por um governo central sólido, simbolizado pelo Leviatã). É preciso estudá-lo por si mesmo. Essa nova relação poder/saber terá suas vítimas. É um mundo descentralizado". E, pensando bem alto: "Como ele se regula?".
Na web: "Science des données: de la logique du premier ordre à la toile" ["Ciência dos dados: da lógica de primeira ordem na web", em tradução livre], a aula inaugural de Serge Abiteboul no Collège de France, ministrada em 8 de março.
A mesma cautela [que Maruani] tem Antoinette Rouvroy, filósofa do direito. "Essa modalidade de descrição omite tudo o que não pode ser numerizado, ou redutível a redes de dados:
A finalidade de marketing desses estudos estatísticos concentra os receios dos usuários, particularmente o de se ver criar um ambiente sufocante em que o indivíduo se verá objeto de ofertas comerciais personalizadas no local certo, no momento certo, a cada instante. "O risco é o de que esse estímulo incessante sature nossos sentidos", estima Frédéric Mazella, criador do site covoiturage.fr . "Corremos o risco de perder uma parte do tempo precioso que temos para explorar novas ideias". Para Laurent Maruani, responsável pelo departamento de marketing de HEC [uma escola internacional de negócios], "essa será uma maneira de manter ocupadas as massas a baixo custo. Serão distribuídos lazer e estímulos bem escolhidos. O luxo será reencontrar tempo e espaço".
Duas visões opostas
Maruani, aliás, vê com reservas a exatidão dessas análises estatísticas. Há relação entre o humor dos tweets e as condições de circulação de veículos? "Por que não, mas não se sabe julgar a pertinência da relação causal. Por exemplo, é interessante observar que, na França, as vendas de guarda-chuvas e o número de divórcios variam simultaneamente. Entretanto, não existe relação de causa e efeito entre esses dois eventos: as vendas de guarda-chuvas estão relacionadas a salários altos, e os divórcios também. Os salários altos são a variável não explícita que explica tudo! A exploração estatística do "big data" só tem sentido se com ela se desenvolver uma análise inteligente dos resultados".
A mesma cautela [que Maruani] tem Antoinette Rouvroy, filósofa do direito. "Essa modalidade de descrição omite tudo o que não pode ser numerizado ou redutível a redes de dados: a experiência ou vivência real das pessoas. Esses algoritmos produzem um certo "saber" muito operacional, mas que ignora todas as causas dos fenômenos que são passíveis de serem descritas/identificadas e, sobretudo, previstas".
François Ewald reconhece que há aí o surgimento de um instrumento de saber e de poder. Duas visões que se opõem. "Imagina-se a possibilidade de um superpoder, um universo à la 1984 (o romance de George Orwell)", explica ele. "Mas, pode-se ter uma outra visão: a de um universo de dados que não reforça os centros [de poder], mas os destrói. Uma sociedade na qual cada um é destinatário de uma multidão de informações. [Uma sociedade] Na qual a transparência pode também gerar atos de rebelião, tipo WikiLeaks", o site que divulgou online em 2010 milhares de documentos militares americanos secretos sobre a guerra no Afeganistão e no Iraque.
Twitter acaba de vender o direito de utilizar seus arquivos
Graças à internet, cada habitante do planeta tem, na realidade, a mesma ferramenta para se fazer entender. Como o demonstra o desenvolvimento internacional do Anonymous, essa comunidade militante da cibernética que defende o direito à liberdade de expressão [esta me parece uma definição demasiado simplista e "cosmética" desse grupo de hackers]. Ou ainda, a utilização maciça do Facebook e de blogues nas revoluções tunisiana, egípcia e líbia. Como o demonstra também a sanha encarniçada do poder sírio em fazer calar os insurgentes, dos quais surgem ainda grupos de testemunhos inseridos em telas ou monitores [de celulares, por exemplo].
Surge um novo modelo de sociedade, mas um ponto central preocupa os intelectuais: o conhecimento da intimidade dos cidadãos estará um dia em poder de interesses privados. "A maior parte daqueles que exploram esses dados fazem negócios para eles mesmos, e não para outrem. Eles não estão à busca da verdade", lamenta Laurent Maruani. "É uma novidade na nossa civilização, e é um problema enorme", reconhece François Ewald. "Até agora, esse tipo de conhecimento era público e institucionalizado, pelo Insee na França, por exemplo [Insee - Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos, em francês]". Ao longo do tempo, as instituições que coletam, tratam e conservam as informações pessoais são dotadas de regras éticas. As empresas privadas farão o mesmo?
Nossos dados pessoais não conhecem mais fronteiras: 84% dos internautas no mundo são membros de uma rede social. E das dez principais redes utilizadas, cinco são americanas, três são chinesas e duas, russas. "Em quê se transformarão esses dados pessoais, se as empresas que os possuirem estiverem financeiramente desesperadas? Poderão elas manter seus compromissos éticos?", se interroga Serge Abiteboul, titular da cadeira de informática e ciência numérica no Collège de France. Twitter, que busca tornar rentável sua atividade, acaba de vender a duas empresas especializadas na exploração comercial (marketing) de dados o direito de uso tanto de seu arquivo de tweets, quanto das informações sobre seus milhões de usuários.
"Essa nova relação poder/saber terá suas vítimas"
Vozes começam a se levantar. "Fiquemos atentos ao totalitarismo desses "little brothers" enquanto os internautas estão constantemente a descoberto", declarou o autor Andrew Keen no festival cultural americano SXSW em Austin, em março. Uma advertência direta para os usuários que aceitam, sem lê-las, as condições de utilização dessas ferramentas.
Para Antoinette Rouvroy, essa privatização leva/induz essas entidades a "governar os indivíduos sem serem governos". "Esse governo estatístico evade os testes de legitimidade ou de validade aos quais se poderia querer submetê-lo", afirma ela. ", por outro lado, é difícil para um cidadão ser a favor ou contra o que se passa, porque esses tratamentos estatísticos não são nem mesmo materializados em um projeto sobre o qual se possa tomar posição". O fenômeno apenas começou, e já nos faltam tempo e espaço para compreender o que se nos apresenta. "O fluxo de informações coletadas deve ser interrompido, para poder ser analisado, avaliado e contestado. Ora, não é isso o que ocorre atualmente", acrescenta ela.
Alguns Estados começam a reagir. A Comissão federal de comércio dos EUA editou, em 26 de março, regras de boa conduta para as empresas. Essa comissão demanda do Congresso que ele legisle, para que os consumidores possam controlar a utilização de seus dados. A Comissão Europeia publicou, em 25 de janeiro, um projeto de regulamento sobre a proteção dos dados pessoais [perguntinha inocente: e o Brasil, está fazendo o quê para nos proteger?...]. "Ele deve ser adotado daqui até 2013, e aplicado imediatamente", informa Isabelle Falque-Pierrotin, presidente da CNIL, a Comissão Nacional de Informática e das Liberdades. Um procedimento expedito que parece longo, enquanto as pesquisas se aceleram. "Existe uma utilização inconsciente dos dados privados que podem ser usados sem autorização explícita. Os "big data" são uma verdadeira revolução e um enorme perigo.Deve-se efetuar uma reflexão profunda sobre os desvios possíveis", desfere o futurologista Joël de Rosnay.
François Ewald considera, igualmente, que é necessária uma reflexão política, mas, segundo o filósofo, a tarefa é árdua. "Não se pode pensar esse novo mundo no contexto do antigo. A primeira catástrofe dessa era dos dados já se realizou com a crise financeira de 2007. Vai-se transpor a fronteira do novo Leviatã (no sentido de Thomas Hobbes: as sociedades em estado natural estão em situação de caos, o que não pode ser evitado a não ser por um governo central sólido, simbolizado pelo Leviatã). É preciso estudá-lo por si mesmo. Essa nova relação poder/saber terá suas vítimas. É um mundo descentralizado". E, pensando bem alto: "Como ele se regula?".
Na web: "Science des données: de la logique du premier ordre à la toile" ["Ciência dos dados: da lógica de primeira ordem na web", em tradução livre], a aula inaugural de Serge Abiteboul no Collège de France, ministrada em 8 de março.
A mesma cautela [que Maruani] tem Antoinette Rouvroy, filósofa do direito. "Essa modalidade de descrição omite tudo o que não pode ser numerizado, ou redutível a redes de dados:
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