segunda-feira, 7 de maio de 2012

Dúbia política de austeridade e zero de estímulo ao crescimento cobram alto preço na União Europeia (II)

Na postagem anterior, reproduzi o essencial do artigo de Marian L. Tupy publicado na edição europeia do The Wall Street Journal em 30/4 que mostra que, à parte a falta de controle das políticas econômia-financeiras e fiscais dos países membros, a União Europeia (UE) está apoiada em uma estrutura extremamente onerosa e discriminatória de subsídios (principalmente agrícolas) e em uma política de distribuição de rendas/benefícios também extremamente desigual e discriminatória contra as economias menores da própria União. Ou seja, a UE está começando a colher o que semeou por décadas.

Traduzo a seguir o artigo de Gerhard Schröder, chanceler da Alemanha de 1998 a 2005, publicado em 4 de maio no International Herald Tribune (a edição global do The New York Times) com o título  "Austerity is strangling Europe"  ("Austeridade está sufocando a Europa", em tradução livre).

Artigo de Gerhard Schröder

[O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

O surgimento de uma Europa unida é um processo que vem se desenvolvendo há décadas, caracterizado por progressos mas também por dificuldades e problemas. Têm ocorrido crises recorrentes na unificação europeia. A Europa tem encontrado sempre uma resposta para essas crises e delas saído mais forte. Acontecerá o mesmo desta vez, se os atores políticos reconhecerem e enfrentarem os desafios e aglutinarem a vontade política para superá-los.

Desde a criação da Comunidade Europeia de Carvão e Aço [pelo Tratado de Paris] em 1951, o número de Estados participantes aumentou de 6 para 27. As instituições e agências reguladoras europeias, paralelamente, se ampliaram firme e constantemente. Para os políticos nas nações membros, e também no nível europeu, essa complexidade significa um grande desafio. Os processos de tomada de decisões, a distribuição de poderes entre a UE e as nações membros, e as interações entre as instituições têm que ser simplificados e regulados de maneira mais clara. Só então será possível prosseguir com o processo de integração necessário, e tornar a UE mais capacitada para agir.

Essa capacidade, e o poder de reagir mais rapidamente ao desenvolvimento de mercados financeiros, requerem uma política europeia. A crise atual evidenciou isso claramente. O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, fala corretamente de uma crise de confiança, porque as pessoas duvidam da capacidade da democracia para resolver problemas urgentes.  A UE tem que superar essa crise de confiança.

Nos meses recentes, tem ficado claro que há na UE velocidades diferentes. Tornou-se maior o gape entre os países que estão capacitados e querem integrar-se, e os países que estão usando os freios. Essa ocorrência não é inusitada: passamos por muitas fases com velocidades diferentes.

Durante minha permanência na Chancelaria alemã, a Bélgica, a Alemanha, a França e Luxemburgo iniciaram um debate sobre política de segurança na Europa no "Chocolate Summit" ("Cúpula do Chocolate", em tradução livre) em 2003. Hoje, nececessitamos novamente de um núcleo sólido de nações membros para levar adiante o processo de integração. Mais Europa, não menos Europa: este tem que ser agora o objetivo. E as lideranças políticas nas nações participantes têm a responsabilidade de promover agressivamente a ideia europeia para seus públicos.

Isso é verdade, por exemplo, para iniciativas de crescimento, reformas estruturais e propostas para fortalecer as instituições europeias em relação aos Estados membros. E, acima de tudo, trata-se de de implementar decisões europeias mais democraticamente [se não for só retórica, isto é flagrantemente distinto da atuação alemã de Angela Merkel na UE]. No momento, o papel dos parlamentos vem decrescendo, o que pode gerar uma erosão da democracia. Temos que resistir a isso.

Há três áreas nas quais a política europeia tem que ser redirecionada. Estes são os objetivos do Conselho sobre o Futuro da Europa, do Instituto Nicolas Berggruen, do qual sou membro fundador: - Primeiro: o rumo da política  econômica e financeira da Europa tem que mudar, afastando-se da austeridade pura e tomando a direção do crescimento. Grécia, Irlanda, Portugal, Itália e Espanha fizeram progressos substanciais para a estabilização de suas finanças. Mas, a situação econômica e política nesses países evidencia que unicamente austeridade não é o caminho para resolver a crise [aleluia, até que enfim alguém de peso acordou para isso, antes que a vaca vá p'ro brejo!]. Ao contrário, há o perigo de sufocar parcialmente economias de nações com o uso de uma rígida política de austeridade.

Essa política encobre riscos. Ela deslegitimiza políticas democráticas nos Estados membros, que se vêem confrontados com protestos e com o crescimento de partidos extremistas [vide a as manifestações de rua nas últimas semanas e o   resultado da eleição de ontem na Grécia]. Mas, essa política é também economicamente errada para todo o universo da UE, porque desenvolvimento nesses Estados afeta outras economias exportadoras. A Alemanha vende mais de 60% de suas exportações dentro da UE. Estaremos pois sabiamente orientados, se amortecermos medidas severas de austeridade com programas de crescimento. Por exemplo, a receita proveniente de um imposto sobre transações financeiras -- que apoio -- poderia ser usada para isso.

Segundo: necessitamos um programa de reforma estrutural da Europa. A competitividade dos Estados membros da UE tem que ser ainda mais fortalecida, não só porque países emergentes como Brasil, Rússia, Índia e China estão progredindo mas também porque as disparidades dentro da UE são demasiado grandes. Uma reforma estrutural audaciosa estimulará o crescimento e criará novos empregos. Essa, pelo menos, tem sido a nossa experiência na Alemanha. Com a Agenda 2010, nós na Alemanha conseguimos implementar reformas no sistema previdenciário. A Alemanha passou, em poucos anos, da situação de "o homem doente da Europa" ["the sick man of Europe" -- jargão para designar um país europeu que esteja enfrentando dificuldade econômica e/ou empobrecimento] para a de "locomotiva da Europa".

Isso tem sido ajudado pela inusitada estrutura da economia alemã, que é caracterizada por uma indústria forte e por muitos negócios da classe média. Outras economias, como França, Itália e Espanha, precisam seguir esse caminho, com reformas semelhantes [é triste ver a omissão de Portugal nessa lista].

E, terceiro: acho que a Europa tem que tornar-se mais politicamente integrada para superar a crise financeira no longo prazo. A situação atual mostra claramente que não se pode ter uma moeda comum sem uma política financeira, econômica e social comum [é surpreendente, p'ra dizer o mínimo, que o Sr. Schröder, um dos expoentes de liderança europeia no seu tempo, tenha levado mais de uma década p'ra descobrir esse óbvio ululante -- e é mais espantoso ainda que a UE em mais de três décadas ainda não tenha percebido isso!]. Assim, precisamos trabalhar para que haja uma real união política na Europa, com mais transferência de poder a partir dos Estados membros.

Para esse objetivo, as instituições europeias têm que ser modificadas nos seguintes termos:
  • a Comissão Europeia tem que ser adicionalmente desenvolvida como uma entidade de governança eleita pelo Parlamento Europeu;
  • o Conselho Europeu tem que ceder poderes e deveria ser transformado em uma câmara mais elevada, com funções semelhantes às do Bundesrat [Conselho Federal, órgão constitucional da República Federal da Alemanha] na Alemanha;
  • o Parlamento Europeu tem que ter seus poderes ampliados e, no futuro, deveria ser eleito via listas partidárias pan-europeias, com candidatos de ponta para o posto de presidente do órgão.
Uma Convenção Europeia é parte de um processo de renovação que leva  a discussões de amplitude europeia. Durante meu mandato como chanceler, a Alemanha iniciou a convenção para desenvolver uma Carta Europeia de Direitos Fundamentais e uma Constituição para a Europa. Os debates abordaram democratização, acessibilidade [em termos de inteligibilidade] e compreensão de responsabilidades: a delimitação de poderes entre a UE e os Estados membros. Infelizmente, a Constituição para a Europa não deu em nada, mas muitos de seus elementos estão presentes no Tratado de Lisboa [assinado pelos Estados membros da UE em 13/12/2007]. É tempo agora para que um núcleo de Estados prontos para a integração dê início a uma nova convenção para o futuro da Europa.

Necessitamos mais do que nunca de uma Europa integrada. Em termos de competição global, política e economicamente, somente uma Europa unida terá chance, porque uma nação isolada, mesmo uma forte Alemanha, é demasiado fraca.  Poderemos sobreviver entre os centros de poder -- os Estados Unidos e a China -- se dermos sequência ao caminho para a integração. Então, a União Europeia continuará sendo uma comunidade social, econômica, cultural e politicamente bem sucedida, que será um modelo para outras regiões. Europeização é uma resposta política racional para globalização. 

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